Sabe a frase famosa de que depois da obra estar pronta, todo mundo é engenheiro? É porque normalmente o difícil é olhar um terreno baldio e imaginar ali um grande empreendimento. Mas, há 10 anos, na Copa do Mundo de 2014, era preciso coragem para o contrário: dizer que aquilo ia dar errado. A empolgação com o evento era tão grande que tornou-se crime hediondo ser realista. O pessimismo era punido e criticado como “viralatismo”.
Epidemia
Havia um tipo de empolgação de calculadora, com gente fazendo as contas da movimentação econômica que aquilo iria trazer e das oportunidades de transformação que iriam surgir. Contra o “complexo de vira-lata” dos que diziam que o Brasil precisava de mais hospitais e não de grandes estádios, havia uma “epidemia de autoestima distorcida”, garantindo que o Brasil sofreria transformações imensas. Era como se a desigualdade fosse desaparecer gradualmente em blocos de 90 minutos de cada partida de futebol e o país fosse ser socialmente justo para sempre a partir dali. Uma maluquice, claro.
Realidade
Somente a derrota em campo por 7x1 para a Alemanha foi capaz de fazer com que alguns acordassem à realidade. E o resultado ruim foi muito além do placar de jogo. Os projetos dos estádios foram superfaturados, as arenas foram superdimensionadas para o pós-copa e algumas não servem para nada ou quase nada hoje. Estruturas de entorno ficaram como lenda, infraestruturas de transporte permanente que seriam o tal “legado” nunca saíram do papel.
Até Caruaru
Sem falar nos desvios de verba e nos escândalos financeiros e políticos em todo o país. Os malfeitos com “dinheiro da Copa” ocorreram até em lugares que não receberam um único jogo de futebol do torneio, como Caruaru, no interior de Pernambuco. Lá foram presos, em 2013, 10 vereadores que tentavam receber propina para aprovar o projeto de BRT que seria um desses “legados” do campeonato. No Recife, a Arena Pernambuco foi alvo de investigações por superfaturamento e até hoje a necessidade de sua existência é questionada.
Distorção
O complexo de vira-lata, termo criado por Nelson Rodrigues quando o Brasil perdeu a Copa de 1950, é mesmo ruim para o país. Não se constrói nada sem uma boa dose de otimismo e um tantinho de empolgação patriótica. Tudo bem. Mas a autoestima distorcida, ao nos fazer acreditar que somos muito maiores do que realmente somos, causa problemas seríssimos que demoram anos para serem resolvidos depois. Uma década, e ainda temos reflexos da “epidemia” de 2014.
Vira-lata
Lula sempre foi um crítico do viralatismo brasileiro. Ao anunciar a Copa no Brasil e a Olimpíada de 2016, dizia que precisávamos deixar esse complexo de lado, porque éramos grandes. Ele realmente acredita no que diz. Em 2023, quando assumiu pela terceira vez como presidente, o petista colocou o pé no mundo. Deve ter imaginado que a loja ia se tocar sozinha e foi dar pitaco em guerras na Ucrânia e em Israel. Resolveu que, depois de uma Copa e uma Olimpíada, o próximo passo seria alguém ganhar um Nobel da Paz (ele mesmo, claro). Deu errado. Ninguém levou Lula muito a sério. Enquanto isso, por aqui, a relação entre os poderes se deteriorava internamente e o Brasil vivia travado entre uma cúpula do PT que quer interferir no governo e um governo que não sabe para onde ir.
Problemas
A popularidade do presidente foi caindo, veio a tragédia do Rio Grande do Sul, a realidade chutou a porta e o petista decidiu ficar um tempo por aqui. O caos da articulação continua, o governo está tendo dificuldade para ajustar as contas, não consegue cortar gastos e o Congresso deixou claro que não vai aceitar aumento de impostos. Para completar, na manhã da quarta-feira (12), um dos ministros do governo foi indiciado pela Polícia Federal por corrupção. Além disso, o presidente de um dos partidos da base, o Solidariedade, está sendo procurado pela polícia dentro de uma operação por corrupção, também.
O Mastim
E Lula? O presidente fez declarações sobre a economia brasileira que levaram o dólar a disparar para R$ 5,40. Depois, como se estivesse tudo tranquilo por aqui, embarcou num avião para a Europa. Vai às reuniões do G7 e da Organização Internacional do Trabalho. Também vai encontrar o Papa, aproveitando a passagem pela Itália. E a lojinha aqui vai “se tocando” sozinha. O Brasil está cheio de “problemas vira-latas”, mas o presidente está focado em fingir que o Brasil é um Mastim Tibetano, o cachorro mais caro do mundo.
Lavareda
O Ipespe, do cientista político Antonio Lavareda, está comemorando bons resultados na Europa pela segunda vez neste semestre. O instituto do pernambucano foi contratado pela CNN Portugal para acompanhar as eleições legislativas, em março, e antecipou tanto o resultado final, com o novo primeiro-ministro escolhido, quanto o crescimento da extrema-direita por lá.
Outra vez
Agora, a história se repetiu e o Ipespe teve grande sucesso novamente com o resultado da eleição do Parlamento Europeu, detectando com antecedência uma maior moderação dos eleitores portugueses, com pequena vantagem para os socialistas, ao invés da Aliança Democrática que havia vencido nas legislativas.