Destaques e análises políticas do Brasil e Pernambuco, com Igor Maciel

Cena Política

Por Igor Maciel
Cena Política

A nota do PT sobre a eleição na Venezuela não existiria sem aprovação de Lula

Para o PT, processo foi democrático e pacífico. Até a publicação desta coluna já havia seis mortos, quase 800 presos e oposicionistas sequestrados.

Cadastrado por

Igor Maciel

Publicado em 30/07/2024 às 20:00
Gleisi Hoffmann e Lula, em Brasília - Reprodução

A instituição que mais atrapalha o governo brasileiro atualmente é o partido do presidente brasileiro. O PT parece fazer questão de ser estorvo, e a nota publicada pelo partido apoiando Nicolás Maduro como reeleito na Venezuela, antes mesmo de o governo brasileiro fazer o reconhecimento, é mais um exemplo disso.

Mas que ninguém se engane, porque tem método nisso e Lula não foi pego de surpresa.

Expectativa…

A nota foi publicada horas antes de uma ligação entre o presidente dos EUA, Joe Biden, e o presidente Lula. O tema da conversa entre os dois líderes era exatamente “o que fazer em relação à Venezuela”. O Brasil, como economia mais importante da América do Sul e líder natural da região, precisa mostrar ao norte-americano que tem tudo sob controle e que está protegendo, na medida do possível, a normalidade democrática da região.

…devaneio e…

O PT, fingindo que nada estava combinado com Lula, tratou de enfraquecer a posição do próprio governo quando divulgou texto tratando o ditador Nicolás Maduro como reeleito e exaltando o processo “democrático e pacífico”. Pura fake news, conversa de Alice no País das Maravilhas. Enquanto este texto está sendo escrito já há seis mortes confirmadas, quase 800 oposicionistas presos e um líder partidário da oposição sequestrado numa ação cinematográfica promovida pela liderança de Maduro, sem falar nos que estão abrigados na embaixada da Argentina.

…realidade

Antes disso, candidatos foram impedidos de participar do pleito. E durante a apuração dos votos, o conselho eleitoral comandado pela ditadura interrompeu a apuração faltando 20% dos votos, alegou que sofreu um “atentado terrorista” e não iria seguir com a contagem. Logo após o anúncio, expulsou sete representantes diplomáticos de países que não concordaram que a eleição havia sido transparente.

Cumplicidade

É essa a democracia e a paz das quais falam os dirigentes do PT numa nota feita pelo Whatsapp, com a assinatura da direção nacional do partido, teoricamente atropelando o próprio governo. É apenas mais um capítulo da extrema irresponsabilidade com que os petistas costumam agir nos últimos tempos. O governo de Lula é vítima do próprio PT, sim, mas Lula não é vítima dos correligionários, é bom que se diga. Ele é cúmplice.

A nota esdrúxula do PT é proposital e tinha como objetivo mandar recados de Lula para Maduro, dando a chave para que a fraude seja deixada de lado e o ditador fique no poder sem constranger o presidente do Brasil.

Ouvidos e boca

Certa vez, numa conversa com um dirigente nacional do PT, este colunista ouviu a seguinte frase: “Toda vez que Gleisi Hoffmann abre a boca, Lula está aos ouvidos dela”. Em resumo, ela só fala o que o chefe manda ela falar.

É o jeito dele de acenar para a esquerda mais radical dentro do PT e garantir que o partido não perca membros em direção à concorrência, enquanto mantém sua imagem mais afastada das consequências.

E aqui, é bom explicar ao leitor que o maior concorrente do PT não é o PL de Bolsonaro, são os partidos que se colocam mais à esquerda do que o Partido dos Trabalhadores. Há vários deles.

O volume dos cretinos

Partidos políticos precisam de volume para ter força e conquistar esse volume demanda agradar também aos mais cretinos com certa regularidade, cultivá-los. Mesmo que isso prejudique o país, sua economia e sua política externa? Sim. O que vale é manter a hegemonia e alcançar resultados.

Quer um exemplo do próprio Lula? Na eleição de 2022, num ambiente de discussão sobre democracia e respeito à imprensa, Lula foi muito criticado quando participou de um evento e falou em “regulamentar a mídia”. O assunto é travoso e significa colocar em risco a liberdade de expressão, com uma possível tutela da imprensa. É uma agressão democrática.

E por que diabos Lula falou isso em pleno período de preparação eleitoral? Ele estava num evento abarrotado de militantes da esquerda radical e queria apoio. Simples assim.

Quando não pode falar diretamente, Lula usa Gleisi e o PT.

Mesmo guia

Atrair e segurar os cretinos para poder crescer eleitoralmente não é um modo de operação exclusivo dos petistas. Essa estratégia de usar um grupo “externo à vontade do presidente” para defender bobagens também era utilizada por Bolsonaro. Mas no caso dele não era o partido, eram os filhos e os apoiadores mais próximos. O próprio presidente tinha sua cota, mas a trupe ao redor é que normalmente davam declarações que atiçavam a militância, demarcando terrenos.

O objetivo é sempre ampliar o poder do próprio grupo. E os cretinos são importantes nisso. Tanto o PT e Lula quanto Bolsonaro e os filhos sabem o que é necessário para atrair os cretinos: defender cretinices. Quando não dá para fazer isso diretamente, usam-se outros meios.

Bilhete carinhoso

Quando Lula manda Celso Amorim, o “Relativizador Geral da República”, para a Venezuela, está dando um recado de apoio pessoal a Maduro, mesmo que não o apoie como presidente.

O bilhete foi entendido pelo ditador, que mandou expulsar representações de países que não o reconheceram, mas manteve o Brasil por lá.

A posição pessoal de Lula está bem entendida por todos e a nota do PT deixou isso claro como cristal: o líder petista Luiz Inácio da Silva não se importa se Maduro mantém o poder à força, desde que ele finja que dialogou com todos, para não ficar tão feio.

O caminho aceitável

A senha para isso está, olha que surpresa, na própria nota do PT. Diz o texto, divulgado pelo partido de Lula: “Temos a certeza de que o Conselho Nacional Eleitoral, que apontou a vitória do presidente Nicolás Maduro, dará tratamento respeitoso para todos os recursos que receba, nos prazos e nos termos previstos na Constituição da República Bolivariana da Venezuela”.

Na prática, o PT avisou a Maduro quais são as condições para que o Brasil aceite a eleição. Basta escutar a oposição, dentro dos limites constitucionais.

Que limites?

Com seis mortos, quase 800 presos, líderes da oposição sequestrados e outros escondidos na embaixada da Argentina para não serem levados também, Maduro já declarou que vai conversar apenas com os opositores que ele (Maduro) considera sérios, porque os outros são “fascistas”.

Pretende assim, fingir que houve diálogo e agradar o amigo Lula que, é claro, revisou a nota do PT antes que ela fosse publicada, para depois fingir surpresa.

A questão é se isso será suficiente para que a pressão sobre o presidente brasileiro diminua. Quanto mais arbitrariedades acontecem na Venezuela mais difícil fica para alguém defender Maduro. Resta saber até onde vai a amizade de Lula quando é a popularidade dele próprio que entra no jogo.

Tags

Autor

Veja também

Webstories

últimas

VER MAIS