Os planos de saúde perderam 283,6 mil clientes em todo o Brasil durante os primeiros meses da pandemia do coronavírus. Em relação aos planos odontológicos, o número de desistências foi ainda maior. Entre os meses de março e maio deste ano, 518,7 mil usuários deixaram de ter cobertura odontológica, segundo dados da Agência Nacional de Saúde (ANS).
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A redução do número de clientes quebrou um ciclo de recuperação do setor, registrado no primeiro trimestre de 2020, após quedas sucessivas nos últimos quatro anos. Segundo a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), em março deste ano, os planos de saúde contavam com 47, 1 milhões de associados e os planos odontológicos tinham 26 milhões.
Tanto a Abramge quanto a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), apontam a queda na renda familiar, e a onda de demissões durante a pandemia como os principais motivos para a redução de usuários de planos de assistência médica. Muitos trabalhadores perderam, junto com o emprego, o convênio que tinham com o plano de saúde.
O administrador de empresas Fábio Soares Roma viveu uma situação semelhante ainda em 2017. Depois da demissão da empresa onde trabalhou por 22 anos, Fábio, hoje com 52 anos de idade, não voltou mais para o mercado de trabalho formal. Ele conta que até tentou contratar um plano com a mesma cobertura que tinha antes para a família (ele, esposa e dois filhos), mas o valor era inviável. “Quando eu estava empregado, o valor descontado do meu salário para ter direito a assistência médica era de R$ 200 mensais. Para pagar como particular, na época, a mensalidade do mesmo plano ficaria em R$2.800 para família. Não tive condições e deixei de lado”, afirmou o administrador. Fábio, que é cardíaco e já fez duas cirurgias de coluna, substituiu a assistência médica dos planos particulares pelos serviços públicos de saúde e complementa com consultas e exames em clínicas populares. “Hoje, o meu plano de saúde é o SUS”, afirmou.
A diminuição no número de usuários de planos de saúde deve permanecer ao longo deste ano porque muitas empresas ainda mantêm o convenio médico de seus funcionários por alguns meses, mesmo após a demissão. A Abramge estima uma queda de 2,2% no número de beneficiários até o primeiro trimestre de 2021, o que representa uma redução de 1,05 milhão de usuários no período. “Estes números refletem o impacto econômico da pandemia sobre o Brasil em 2020, ano em que é estimado que ocorrerá uma queda de 6,25% do PIB”, afirmou a Abramge através de nota.
Outra questão que deve ser resolvida é o aumento anual dos planos de saúde. Tanto a Abramge, quanto a FenaSaúde, com o apoio da Associação Nacional das Administradoras de Benefício (Anab), recomendaram às suas associadas a suspensão temporária durante a pandemia, da aplicação do reajuste anual das mensalidades dos planos médico-hospitalares , tanto os individuais, quanto os coletivos e de pequenas e médias empresas com até 29 vidas cobertas. O prazo da suspensão valia por 90 dias e se encerrou no último dia 31 de julho, sem nenhum comunicado, até o momento, de que pode ser ampliado.
Um dos argumentos para reduzir o reajuste deste ano é a queda na taxa de sinistralidade, que é o índice que apura o quanto o usuário utilizou do plano de saúde. Em junho de 2019 a taxa de sinistralidade ficou em 81%, em junho deste ano caiu para 59% por conta dos adiamentos dos processos eletivos, como cirurgias não urgentes, e cancelamento de consultas.
A diretora executiva da FenaSaúde, Vera Valente, afirmou que já se observa uma reversão na taxa de sinistralidade coma volta dos atendimentos médicos. “A projeção é que no curto ou médio prazo a sinistralidade volte a 76%. O setor espera para os próximos meses o aumento de procedimentos que ficaram represados por orientação de autoridades e decisões dos próprios beneficiários”, afirmou Vera Valente.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), tentou em abril deste ano um acordo para que as operadoras de planos de saúde aceitassem renegociar os valores das mensalidades com os usuários durante a pandemia. Das 721 empresas listadas na ANS, apenas nove concordaram. Para a coordenadora executiva da Associação de Defesa dos Usuários de Planos de Saúde (Aduseps), Renê Patriota, a ANS deveria ter sido mais incisiva no caso. “Como agência reguladora, a ANS deveria ter feito uma resolução para que, durante a pandemia, os planos não pudessem aplicar reajustes e nem cancelar contratos de quem sempre esteve em dia mas agora, por conta da pandemia, não pôde honrar com seus compromissos”. Pela lei, as operadoras podem cancelar a assistência médica após 60 dias de inadimplência por parte do usuário, sendo que ele deve ser avisado da medida até o 50º dia de atraso.
Renê Patriota refuta a ideia de que é possível reduzir o valor das mensalidades dos planos apenas negociando com as operadoras, como sugeriu a ANS. “A baixa adesão das empresas a esse pedido já mostra que só a judicialização pode, em alguns casos, agir em favor do usuário”, concluiu a coordenadora da Aduseps.
De acordo com uma pesquisa do Ibope, feita em 2017, o plano de saúde é o terceiro bem mais desejado pelo brasileiro, ficando atrás da educação e da casa própria. A professora do departamento de ciências do consumo da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Laurileide Barbosa, acredita que, para quem ainda tem capacidade de pagar, é possível utilizar de estratégias para ajustar a mensalidade do plano de saúde ao orçamento familiar. Ou então, optar pela saúde pública.
Ela mesmo deixou recentemente um plano nacional para outro de abrangência local. Fazendo as contas, vai economizar cerca de R$ 2 mil por ano, mantendo praticamente as mesmas coberturas. “Comecei fazendo uma lista de meus médicos favoritos e vi quais eram os planos que eles aceitavam. No meu caso, apenas um médico que eu frequento não aceitava esse meu novo plano, mas, com a economia que fiz, posso pagar eventualmente a consulta particular dele, que custa R$ 300”, ensinou.
A professora também orienta para optar por coberturas mais enxutas como as que dão direito a atendimento local ou regional, em lugar dos planos de cobertura nacional. Só isso, reduz o preço do plano em torno de 20%. Optar por internamento em enfermaria, em vez de apartamentos, também reduz o preço da mensalidade. “Muita gente associa o fato de ter plano de saúde a um certo status e acha ruim ter de deixar de frequentar um determinado hospital “de grife”, para usar outro mais simples. O que vale é o tipo de serviço oferecido, se a cobertura do plano atende suas necessidades e, principalmente, se seu orçamento é capaz de pagar”, diz Laurileide.
Alguns planos de saúde aceitam restringir a cobertura apenas às emergências, o que também contribui para derrubar o custo da mensalidade. Neste caso, ensina Laurileide, consultas e exames podem ser feitos em clínicas de bairro que geralmente oferecem um bom serviço a preços baixos e, dependendo do procedimento, aceitam até o parcelamento.
Laurileide Barbosa defende ainda que se cogite a migração para a rede pública de saúde. “Nos últimos anos o SUS tem melhorado muito em atendimento e infra-estrutura, principalmente os serviços de atenção básica como controle de hipertensão e diabetes. É preciso desmistificar o SUS que, por exemplo, é quem está salvando a população nesta pandemia”, lembrou a professora. Laurileide diz que o mais importante é não ficar preso a um padrão de vida “e adequar a sua realidade ao seu orçamento”, concluiu.