De todas as instituições de ensino superior do País, a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) é a maior depositante de patentes de invenção, segundo o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). No ranking geral, a instituição do agreste da Paraíba figura em segundo lugar, atrás apenas da Petrobras.
Não se trata de fato isolado. Desde 2017, a UFCG está entre os maiores depositantes de patentes de invenção do Brasil.
A receita, segundo a própria universidade, está em dar treinamento técnico e científico para seus pesquisadores, além fazer parcerias com grupos estrangeiros e a iniciativa privada. Na lista geral deste ano, com dados referentes a 2023, a universidade soma 101 depósitos, 60 a mais do que no ano anterior. A Petrobras teve 125.
O QUE VEM SENDO FEITO
Dentre os destaques estão biomateriais, próteses, princípios ativos da Caatinga para uso medicinal e máscaras de proteção feitas com base na quitosana, substância extraída da casca do camarão. Fica à frente de outras federais grandes, como a UFMG (4ª), e das estaduais paulistas, como Unicamp (7ª) e USP (18ª).
"Podemos facilmente constatar que as empresas que ladeiam a UFCG (como Petrobras e Fiat) têm orçamentos milionários para atividades de pesquisa e inovação", afirma o reitor, Antônio Fernandes, que já coordenou os cursos de Medicina e Enfermagem. "Em contrapartida, a UFCG desenha uma trajetória de recomposição de orçamento, após anos de contingenciamentos e de atividades temporariamente interrompidas em virtude do período pandêmico."
O bom desempenho da UFCG é atribuído à atuação do Núcleo de Inovação e Transferência Tecnológica (NITT), cuja função é, justamente, auxiliar cientistas no processo de inscrição de patentes, prospecção tecnológica, assessoria jurídica para contratos de transferência de tecnologia e procedimentos de proteção e propriedade intelectual.
"Por meio de conscientização e treinamento, o objetivo é proteger o conhecimento gerado nas nossas pesquisas, proteger antes de publicar", afirma o professor Aldre Morais Barros, coordenador do NITT, citando um remédio contra hipertensão desenvolvido com base no veneno da jararaca e patenteado por uma farmacêutica estrangeira.
"Outras instituições esperam que o pesquisador busque a patente, enquanto nós promovemos oficinas, estimulamos o treinamento, ensinamos a fazer", diz Barros. "Costumo dizer para os alunos que é mais fácil do que escrever um artigo para uma revista científica", compara.
NECESSIDADE DE CULTURA
Esse acompanhamento começa ainda nos cursos de graduação, não apenas no mestrado e no doutorado, justamente para criar uma cultura de depósito de patentes. Embora a UFCG seja mais conhecida por seus cursos nas áreas tecnológicas, a instituição oferece formação em todas as áreas. Somente na graduação, são 77 cursos, distribuídos pelos sete câmpus da universidade: Cajazeiras, Sousa, Pombal, Patos, Sumé, Campina Grande e Cuité (todos na Paraíba).
"O processo de ensino precisa ser desenhado de forma diferente, baseado na solução de problemas e avaliando invenções para saber se é relevante, se pode ser reproduzida em larga escala, se é competitivo e também como escrever uma patente", diz o físico Adalberto Fázzio, integrante da Academia Brasileira de Ciência (ABC).
"Muitas universidades não conseguem reestruturar seus cursos de graduação dessa forma, com técnicas pedagógicas diferenciadas ligadas a problemas reais", afirma ele, que atua como diretor da Ilum Escola de Ciência, do Centro Nacional de Pesquisa em Materiais, graduação interdisciplinar em Ciência, Inovação e Tecnologia.
De fato, essa é uma das orientações da UFCG. "Fazemos pesquisa de ponta em sintonia com as necessidades que a sociedade impõe", ressalta o reitor. "Muitas coisas nos chegam por meio das empresas também, projetos de arquitetura, de design, de próteses médicas; e geramos estímulo para os grupos de pesquisa mais atentos às novas imposições dos nossos tempos. A universidade precisa estar atenta a esse dinamismo."
PARCERIAS
Não por acaso, a universidade tem diversos projetos em parceria com empresas das mais diversas, caso da própria Petrobras e da Microsoft, além de projetos em conjunto com instituições internacionais, como é o caso da Organização das Nações Unidas (ONU).
Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader diz que a colocação da UFCG não é surpresa. Ela chama a atenção para o fato de, dentre as 50 instituições ranqueadas, 35 serem universidades e haver apenas 15 indústrias. "Eles são espetaculares; vêm crescendo em colaboração com a indústria, transformando conhecimento em produtos", afirma.
"O que é espantoso nessa lista é termos poucas indústrias depositando patentes. Essa deveria ser a função maior da indústria e só mostra como o nosso setor produtivo está mal em inovação. De forma geral, a indústria brasileira não tem pesquisa; compra de fora", alerta Helena.