Foi em setembro de 2015. Falando na ONU, a presidente Dilma Rousseff saiu com mais uma de suas célebres frases: O mundo precisa criar uma tecnologia para “estocar vento”. A presidente falava do potencial da energia eólica do Brasil, que tem no Nordeste suas maiores jazidas.
O Brasil ainda não sabe como “estocar vento” embora a Grupo Moura trabalhe num projeto de armazenagem em baterias estacionárias. Mas o Nordeste está despachando tudo o que pode gerar nessa época do ano quando estamos na safra.
O parque eólico nordestino ganhou prioridade no Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Nesta terça-feira (25), por exemplo, despachou 4.837 MW, equivalente a 13,6% do consumo do Brasil.
O ONS só não está conseguindo que a Chesf despache toda a energia que seu parque instalado na calha do Rio São Francisco pode produzir e utilize toda a água que está entrando no Lago do Sobradinho. É isso que já obriga a companhia liberar 4 mil m³, por segundo, que se usados seriam suficientes para produzir nada menos que 13.800MW.
Segundo o diretor de Operações da Chesf, João Henrique de Araújo Franklin Neto, a companhia aumentou em 10% (30% para 40%) sua produção demandada pelo ONS e está gerando 5.700 MW de modo que os 4 mil m³ não é o excedente total sem utilidade. Apenas uma parte da água que está chegando ao Rio São Francisco sem ser usada na geração.
Ironicamente, o que hoje trava uma maior exportação de energia hidráulica do Nordeste para o Centro-oeste é a falta de linha de transmissão que, como em 2001, também limitou que o Nordeste exportasse energia para reduzir os efeitos do Apagão de FHC.
Hoje, o Brasil tem um robusto sistema de transmissão, mas ele está comprometido com outros produtores (entre eles a gigante usina termelétrica Porto de Sergipe), de modo que não tem vaga nas linhas de transmissão do Nordeste para o Sudeste.
Até novembro, quando ela não estava operando, a Chesf literalmente “gerou na alta” e mandou 9.000 MW para o Sudeste salvando o país de um apagão devastador.
O problema foi que por uma maior articulação do Governo em reconhecer e gerenciar a crise hídrica, o país optou por comprar mais energia térmica quando a crise já estava instalada.
Com as chuvas, criou-se um problema, e na última segunda-feira, o ONS informou que Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estava em negociação com a usina termelétrica Porto de Sergipe. Mas o despacho é definido com 60 dias de antecedência. Portanto, não é possível reduzir de imediato o despacho, pois a compra do combustível é feita de forma antecipada.
O Nordeste mais as térmicas salvaram o país em 2021. Mas o consumidor foi estropiado. O uso das térmicas vai nos custar R$ 24 bilhões nos próximos anos.
O governo federal também negociou a compra de térmicas no auge da crise hídrica e teve que aceitar as condições dos vendedores que além do preço acertaram prazo na entrega e isso agora está constrangendo o país.
A nota do ONS tenta justificar a situação afirmando que nesse início de 2022, as precipitações verificadas no Norte e Nordeste ficaram muito acima da média, resultando em afluências bastante elevadas.
Pode ser, mas enquanto a Chesf, por exemplo, poderia estar rodando a plena capacidade de seu parque e ainda guardar água para o futuro como deve fazer em 2022, o Brasil paga o contrato de termelétricas como a usina termelétrica Porto de Sergipe cujo preço é muito mais caro.
Sem poder cortar o despacho das térmicas e sem linhas de transmissão para despachar tudo que a Chesf poderia produzir, o ONS está despachando tudo que a excelente safra de ventos do Nordeste está produzindo com a eólicas já que não dá para como sugeria Dilma “estocar vento”.
O que o governo federal através do Ministério das Minas e Energia não aprendeu com 2001 é que no setor elétrico não existem amadores.
Em 2001, os fornecedores de térmicas a gás, carvão e diesel impuseram seus preços e o mais importante: o prazo de contratos temporários. Isso assegurou durante anos, que o ONS pagasse pelo que se chama seguro reserva onde as usinas poderiam ser despachadas a qualquer momento enquanto receberiam para ficar paradas.
Em 2021, a demora do Governo Bolsonaro em agir e comprar energia de térmica como a de Sergipe (1.500MW,) a preços de mercado viabilizou a compra a preços muito mais alto com a garantia de contatos de fornecimento sem levar em consideração a questão climática exatamente a origem da crise.
O diretor de Operações na Chesf, João Henrique não comenta as decisões do Governo. Mas revela que, de fato, a quantidade de chuvas veio acima da média na bacia do São Francisco assegurando que Sobradinho encerre o chamado período molhado com 100% de capacidade de sua capacidade de energia armazenada.
O eufemismo “energia armazenada” quer dizer a quantidade de água que a Chesf terá guardada para gerar energia ao longo do ano a preços muito mais baixos que a uma termelétrica, por exemplo.
Ele lembra que, comparado com 2001, a matriz energética brasileira está mais robusta e o mais importante diversificada. Hoje, a energia eólica já assegura 12,3% de nossas necessidades a solar já chega a 4,2 % e ambas estão crescendo, inclusive pela adição da geração solar distribuída.
Quando se observa que em 2001 80% do que o brasil consumiu vinha de hidráulica foi um salto enorme. Segundo o ONS, em 2026, a energia hidráulica vai representar 57,3%, a eólica 13,9%, e a solar 4,9%. E vamos ter 10,4% de térmicas a gás porque elas representam a chamada garantia de energia firme.
João Henrique tem razão. A própria Chesf que ano passado teve uma performance excepcional já se beneficia dessas nossas matrizes e tem associação para produzir energia além de hidráulica, eólica e solar inclusive no leito do lago de Sobradinho onde foi pioneira no Brasil.