No Dia Internacional Contra o Racismo, celebrado neste 21 de março, um grande número de estudos mostra que, do ponto de vista econômico, apesar de todos os formatos de discriminação, a população negra (56%) do Brasil representa um extraordinário mercado que a maioria dos segmentos simplesmente prefere ignorar perdendo negócios em cada vez mais áreas da economia brasileira.
Não devemos ter ilusões. No Brasil, o racismo é estrutural e mesmo nos segmento mais dinâmicos como o financeiro e o de Tecnologia da Informação - onde há falta de vagas - isso se reproduz.
Entretanto, apenas as mulheres negras, contingente que reúne pretas e pardas, movimentam cerca de R$ 704 bilhões por ano no Brasil (cerca de 16% do consumo nacional), segundo levantamento feito em 2019, pelo Instituto Locomotiva, especializado em pesquisa de mercado consumidor, a pedido do jornal Folha de S. Paulo.
Tem mais: Um estudo conduzido pelo Movimento Black Money, plataforma que permite a conexão entre empreendedores e consumidores negros, mostra que 51% dos empreendedores são negros. Mas existe uma falta de participação ativa e ocupação de espaços como política, bancos e grandes empresas.
Dos afroempreendedores, 61,5% são mulheres, que muitas vezes são mães solteiras, e precisam administrar o tempo entre o trabalho e a casa.
A falta de tempo para se dedicar integralmente ao negócio pode explicar também o fato de que é nesse grupo de empreendedoras que se encontra o maior volume de empresas fechadas temporariamente: 14% das negras que são donas de pequenos negócios se encontram nessa situação, contra 9% da média geral.
Para o presidente do Sebrae, Carlos Melles, o baixo nível de escolaridade e a ausência de oportunidades de capacitação para esse segmento de empreendedoras, aliado à necessidade de conciliar cuidados da casa e da família prejudicam diretamente o resultado dos negócios criados por mulheres negras.
Corroborando este cenário, a pesquisa “Potência Negra”, elaborada pela PretaHub e Instituto Locomotiva Brasil, revelou, em 2019, que a falta de disponibilidade de dinheiro é o fator de que a população negra sente mais falta para alcançar seus sonhos empreendendo.
Embora empreendedoras negras - que hoje são 4,6 milhões de brasileiras - sejam responsáveis por movimentar R$ 73 bilhões por ano, segundo o Sebrae, 49% das mulheres negras começam a empreender por necessidade. Para efeito de comparação, em relação às mulheres brancas, esse número cai para 35%.
O cenário em função de uma maior visibilidade das ações de defesas da causa identitária negra no Brasil está melhorando, mas claramente o negro tem um longo caminho a percorrer na obtenção de melhores oportunidades e maior renda.
Apesar de as empresas divulgarem que querem implementar, estão implantando ou já implantaram uma gestão 'moderna' e com diversidade, os números mostram que o segmento repete a lógica do mercado de trabalho tradicional. Negros que trabalham no setor ganham menos.
Em relação àqueles que informaram ganhar mais de R$ 10 mil por mês, apenas 13% são pessoas negras (pretas e pardas), enquanto na faixa salarial de até R$ 3,3 mil, representam 39%.
Enquanto homens apresentam a média salarial mais freqüente acima de R$16 mil (26%), a maior concentração das mulheres está ganhando até R$3,3 mil (24,6%). O grupo que aparece em maior número na menor faixa salarial são mulheres negras, com 9,6%.
À frente dessa aceleração está a PretaHub, do Instituto Feira Preta, está Adriana Barbosa com a colaboração de uma rede de embaixadoras mulheres líderes das cinco macro regiões do país. Reconhecida por suas atividades em todo o país, a PretaHub é um hub de inventividade, criatividade e tendência pretas, que opera há 20 anos na América Latina.
Adriana reforça que não é possível falar de empreendedorismo feminino sem destacar a importância do aporte financeiro.
“Não é possível falar de evolução da população negra sem a união da capacitação e do acesso a recursos, pois somente essa combinação é capaz de transformar o empreendedorismo de sobrevivência, hoje a principal razão de empreender desta comunidade, em oportunidade bem-sucedida de negócio”.
Para ela “O avanço da inclusão na cadeia de valor requer uma adaptação dos pequenos empreendedores e também de grandes companhias, como a Meta, que, por meio do incentivo ao empreendedorismo, tem sido uma parceira muito importante nesses esforços para minimizar os abismos econômicos enfrentados pelas mulheres negras”, diz a empreendendora.
Uma das coisas que afeta a forma de mensurar como está o cenário racial no mercado de capitas é a falta de dados e informações, ativos fundamentais para que a redução da desigualdade saia do papel.
A B3, por exemplo, diz que não possui dado a respeito de raça e etnia no cadastro dos investidores. A empresa possui atualmente, cerca de 4 milhões de CPFs cadastrados. Deste total, 2,9 milhões são homens e 1,1 milhões são mulheres.
Não existem dados exatos sobre a porcentagem de negros investidores no mercado financeiro. A maioria das pesquisas leva em conta gênero, quantidade de dinheiro investida e metas, como comprar um carro ou uma casa.
tem gente que chegou lá. Rachel Maia foi a primeira mulher negra a ocupar uma posição de CEO no Brasil. Em dezembro do ano passado, mais um marco: primeira mulher negra a ocupar uma cadeira em um conselho de administração
Mais atuou como CEO e conselheira em companhias como Tiffany & Co, Novartis, Pandora e Lacoste. A empresária ingressou em um restrito grupo de 0,4% de executivas negras nas maiores organizações do país, segundo pesquisa do Instituto Ethos, realizada em 2015. Hoje, a executiva presta consultoria por meio de sua própria empresa, a RM Consulting.
A partir disso, é possível traçar um perfil baseado em informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do site da B3, a bolsa brasileira, e da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
O perfil da Ambima revela outro dado bem interessante. Quando se avalia as duas regiões mais ricas do Brasil, vemos que pessoas que declararam ser da classe A e B são as que mais aplicam na bolsa, e dos 10% mais ricos do grupo, 70% são brancos e têm renda acima de R$ 8.000 per capita.
Do outro lado, pessoas pretas e pardas representam 27,7% dos mais ricos, mas são maioria nas classes C, D e E, que vivem com renda familiar entre R$ 1.800 e R$ 8.000. Representam 75% entre os 10% com menor renda, apesar de serem 56% da população brasileira.
Na vida real, não importa o grau de escolaridade, mesmo negros com curso superior ganham menos que os brancos. De acordo com uma pesquisa do Instituto Locomotiva, o salário médio de homens não negros com ensino superior em 2019 ficou em R$ 7.033,00, enquanto o dos negros ficou em R$ 4.834,00, uma diferença de 31% a menos.
Já as mulheres negras com formação superior receberam no ano passado salário médio de R$ 3.712,00 contra R$ 4.760,00 das mulheres brancas.
Segundo Nina Silva, uma das fundadoras do Black Money, entre os fundamentos do movimento estão o de favorecer os negócios de pessoas negras, segundo a premissa "se não me vejo, não compro” e também fazer com que o consumidor negro tenha as suas necessidades satisfeitas por empreendedores negros.
“Há três anos ela fundou o Movimento Black Money junto com o sócio Alan Soares utilizando o seu background para apoiar empreendedores negros e negras em seus negócios com objetivo de buscar autonomia da população negra no Brasil com pontes e influências junto a outros países.
Conectar pessoas negras de diversas profissões para fortalecer o empreendedorismo e a circulação de recursos financeiros entre a comunidade negra, assim pode ser parcialmente resumido o movimento Black Money, que coloca em rede não apenas produtos e serviços de pessoas negras, mas também estimula a valorização da negritude e o pertencimento social.
Esse é um mercado que a indústria têxtil, confecção e molda , por exemplo, ainda não foca de acordo com as especificidades das raças.
“A ‘mão negra’ está e sempre esteve presente na moda. Mas a história da moda brasileira é contada a partir do século 19, centralizada na Belle Époque, e com isso se serviu da cultura européia”, conta a desenhista industrial, Maria do Carmo Paulino dos Santos.
Autora da pesquisa de mestrado “Moda Afro-Brasileira, design de resistência: o vestir como ação política” ela diz que o estudo, entre outros objetivos, busca recontar essa história e mostrar o quanto “esse vestir é capaz de criar uma consciência que resulte em ações políticas”.
Para ela, o vestir das roupas de origem africana, em geral, é mais volumoso e mistura tecidos planos estampados, como informa Maria do Carmo. “A própria indústria têxtil também começou a trabalhar mais essa mistura de cores e estampas, inclusive nas malhas”
Ela também avalia que “dos trajes e acessórios, as manifestações também abriram espaço aos empreendedores”. Foi quando os “afro-empreendedores” passaram a ofertar produtos de beleza e cosméticos destinados a pessoas negras.
Essa realidade está presente no Black Money reforça a importância de utilizar o poder de compra dos afrodescendentes e investir na própria comunidade de afro empreendedor. Dessa forma, o dinheiro se mantém circulando entre as pessoas negras por mais tempo, gerando emprego, renda e também, promovendo assim, a integração dessa população ao sistema financeiro.
Startups também é um negócioque pode ajudar na inserção de mais empreendedores negros. No próximo domingo começa a terceira edição do Grow Startups – Cresça seu negócio, um programa de aceleração de startups que foca no crescimento econômico e escalável de negócios liderados por empreendedores negros.
Ao todo serão selecionadas até oito startups em fase de pré-operação ou operação com apoio do banco BTG Pactual.
Um estudo Blackout - Mapa das Startups Negras mostra que apenas 32% dos negócios de inovação tecnológica liderados por pessoas negras tiveram acesso a capital para apoiar seus negócios e apenas 49% receberam suporte de aceleradoras e outros agentes de fomento - para não-negros foi de 57%.