Questão geracional se impõe e Lula tem dificuldades de conversar com empresariado que comanda o PIB
Com quem Lula vai conversar? Quem são esses "novos" atores? E o que pensam sobre uma nova gestão do PT no governo federal?
No primeiro ano de seu governo, o então presidente Lula escolheu o modelo de reunir representantes da sociedade em grandes conselhos, onde interlocutores do governo poderiam conversar com personagens importantes da sociedade brasileira.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Social foi inaugurado em 2003, com nomes de peso, e era uma espécie de vitrine da administração. O tempo passou, Lula saiu do governo; Dilma saiu do governo - assim como Michel Temer, que reativou o Conselhão, reunindo-o até 2018, quando foi extinto por Jair Bolsonaro.
Mas a experiência de um conversa do presidente com integrantes da sociedade ficou pela oportunidade de ter visões diferentes. Para Lula principalmente.
Este ano, de volta a uma nova campanha, Lula tem tentado se reconectar com membros do seu antigo Conselhão, com a intenção deles abrirem-lhe as portas do mundo empresarial. Mas parece claro que não só o perfil mudou. Como os que integravam a lista de grandes empresários não estão mais entre nós ou estão fora do comando de suas empresas, agora elas estão nas mãos de seus sucessores.
Isso tem colocado na mesa de negociações um dilema. Com quem Lula vai conversar? Quem são esses “novos” atores? E o que pensam sobre uma nova gestão do PT no governo federal?
Aos que ainda estão na linha de frente de suas empresas, Lula tem procurado enviar mensagens de conversas. Mas o retorno não tem sido o esperado. Fora do campo da esquerda e, especialmente, entre os novos empresários, o ex-presidente não tem encontrado os interlocutores que desejava.
É uma questão puramente geracional.
O próprio grupo que hoje organiza as conversas é formado por gente com mais de 65 anos. O próprio Lula completou 76 anos, em 2022. José Dirceu, que foi um importante articulador também, completou 76. E Antônio Palocci não faz mais parte do grupo. E a verdade é que é que os quadros mais proeminentes do PT estão com cada vez mais cabelos brancos.
A questão é que, do outro lado, o comando das empresas e das grandes corporações está nas mãos de jovens executivos que não conhecem Lula de perto e só souberam dele no caso do Petrolão. Eles têm demonstrado resistência a conversar com o ex-presidente, ainda que sob condição de sigilo. Assim como também não conversam com Bolsonaro.
Candidato em 2022, Lula elegeu Geraldo Alckmin como um possível interlocutor capaz de abrir portas. Do ponto de vista estratégico foi uma boa escolha. Mas a questão é: ele tem acesso ao novo PIB? Geraldo Alckmin fala direto com o que se convencionou chamar a turma da Faria Lima?
Até agora, o único que revelou ter conversado com Lula foi o presidente e fundador da megacorretora XP, Guilherme Benchimol, fundador e presidente da companhia, agora um dos 20 bilionários do Brasil. Ele tomou o cuidado de dizer que também foi conversar com Jair Bolsonaro.
Entretanto, mesmo tendo governado São Paulo por quatro vezes, Alckmin nunca foi associado ao meio empresarial e não faz parte dele, embora seja respeitado. No PSB, ele tem mais dificuldade que se conectar com identidade. Pode até ser recebido em missão, mas tem conexão para levá-los ao ex-presidente?
Uma das dificuldades que o ex-presidente tem tido é saber quem manda hoje nas grandes empresas, que ele não conhece. Mudou até o nome do cargo. Os donos das grandes empreiteiras não estão mais na presidência. O cargo agora chama-se Chief Executive Officer.
O setor da construção civil é um bom exemplo. Essas empresas que tinham o nome do dono na marca, agora são geridas por executivos jovens com o nome de CEO. Eles respondem a colegiados onde o antigo presidente virou presidente do Conselho de Administração.
Todas as grandes empresas que foram duramente atingidas pela Lava Jato em alguns casos mudaram até de nome. E elas não têm interesse de serem recebidas por Lula. A Odebrecht, liderada por Emílio Odebrecht, que agora se chama “Novonor” é uma delas.
O setor bancário é outro caso. No Governo Lula, os grandes bancos privados tinham donos que conversavam com o presidente diretamente. Por exemplo, Luiz Carlos Trabuco, do Bradesco, Roberto Setúbal, do Itaú Unibanco. Hoje, essas mesmas instituições também estão nas mãos de executivos (Octavio de Lazari Júnior e Milton Maluhy Filho) que não se relacionavam com Lula.
Eles ouviram historias ruins sobre ele. No setor industrial, o fenômeno geracional se repete. Paulo Skaf, que falava em nome da poderosa Fiesp, foi substituído por Josué Gomes, filho de José Alencar, que foi vice-presidente de Lula. O fenômeno se repete no varejo moderno.
Para completar, entre 2010 e 2022, uma nova palavra foi acrescentada ao vocabulário empresarial e hoje serve de barreira para conversas com Lula: compliance. Ela sozinha poder ser a justificativa para uma recusa ao convite de uma reunião com o ex-presidente. O CEO poderá precisar explicar ao Conselho de Administração um encontro com o ex-presidente.
Depois da Operação Lava Jato, novas normas de conduta foram aprovadas até mesmo para as empresas de economia mista. Um bom exemplo disso é a Petrobras - cujas normas impediram o presidente da República mudar sua política de preços, a partir da nova lei das estatais.
O presidente para isso terá que mudar toda diretoria, o Conselho de Administração para tentar mudanças. Mas a empresa já adverte que poderá ser objeto de ações pelos acionistas minoritários em cortes internacionais. Compliance é o que hoje define o perfil das grandes empresas.
Finalmente, está chegando ao mercado uma nova palavra ainda mais restritiva a conversas de empresas com a campanha de Lula: ESG, sigla das palavras em inglês Environmental, social, and corporate governance cujo objetivo é a preocupação com questões ambientais, sociais e de governança. E essa sigla passou a ser considerada essencial nas análises de riscos e nas decisões de investimentos.
Claro que isso não é impeditivo para um empresário ou o CEO de uma grande empresa conversar com o ex-presidente. Mas talvez explique por que até agora o ex-presidente não foi conversar com os chamados grandes representantes do PIB. A diferença entre uma empresa que Lula conheceu até 2010 e a de hoje pode explicar as dificuldades de ele ser recebido. São outras pessoas.
Há 12 anos, o Magazine Luiza era uma empresa familiar, gerida por Luiza Helena Trajano. Hoje, ela virou um ecossistema. Para falar com a empresa, o ex-presidente pode até ser recebido por Luiza Helena. Mas o comando está nas mãos do seu filho e CEO, Frederico Trajano, que nem estava na companhia quando Lula deixou o governo.
A política pode ter sido criminalizada depois da Operação Lava Jato. E o Congresso deixou de ter grandes líderes dos segmentos importantes. Até mesmo a Academia não esta bem representada ali.
Mas as empresas agora miram estar na B3 e têm outros padrões de comportamento perante a sociedade, falando palavras que para o ex-presidente podem ser mesmo muito estranhas.