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No jogo pesado das petrolíferas, pré-Sal faz toda diferença para a Petrobras

Com tecnologia que Petrobras desenvolveu, retirar um barril de petróleo custa U$ 2,27. Com as despesas para levá-lo aos depósitos (afretamento) em terra, ele fica em US$ 21,96.

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Fernando Castilho

Publicado em 26/06/2022 às 7:00 | Atualizado em 26/06/2022 às 12:50
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Na última terça-feira, ao falar numa comissão da Câmara Federal, o ministro das Minas e Energia, Adolfo Sachsida, apresentou a Petrobras como uma empresa estatal fora do controle do Governo, como a companhia mais lucrativa do setor de petróleo e gás no mundo e insensível às dificuldades que causa à população brasileira com sua política de preços.

A posição do ministro é inusitada, uma vez que ele representa o Governo, que é o maior acionista da Petrobras, é responsável pela indicação da diretoria e do Conselho de Administração da empresa e ainda o maior beneficiário como investidor, recebendo os maiores dividendos pagos pela companhia ao longo da atual administração.

Adolfo Sachsida revelou que, entre as petrolíferas, a Petrobras é a companhia com maior rentabilidade. Também disse que a empresa paga muito aos acionistas, embora não tenha se referido ao fato que a União também recebe e, finalmente, culpou a empresa por adotar, desde 2016, uma política de preços em dólar, o que a faz se beneficiar da cotação da moeda americana quando vende produtos no mercado interno em real.

O que Sachsida não disse é que a performance da Petrobras como exploradora e comercializadora de petróleo está diretamente relacionada à condição peculiar do Brasil em relação às concorrentes do mundo: a exploração de petróleo na camada do pré-Sal.

A Petrobras, de fato, dolarizou suas receitas, o que com um dólar a R$ 5,15 - como foi a cotação da moeda esta semana - turbina os seus negócios, como, aliás, turbina as receitas de todo o agronegócio brasileiro e as nossas exportações. Mas as condições em que explora o petróleo na camada do pré-Sal dão à empresa uma condição única.

DIVULGAÇÃO
ONDE ESTÁ A CAMA DO PRE-SAL DA PETROBRAS - DIVULGAÇÃO

BARRIL DE PETRÓLEO A U$ 2,27

Para se ter uma ideia do que isso representa, basta dizer que hoje, graças à tecnologia que a Petrobras desenvolveu, retirar um barril de petróleo custa U$ 2,27. Com as despesas para levá-lo aos depósitos (afretamento) em terra, ele fica em US$ 21,96. Como a cotação do mercado é de US$ 70 (valor adotado pela Petrobras no seu balanço de 2021), dá para se ter uma ideia da sua rentabilidade.

O pré-Sal é responsável pela melhor rentabilidade da exploração de petróleo no planeta. Nenhum país consegue extrair petróleo com um custo tão baixo como o do Brasil. O pré-Sal virou um negócio tão rentável que a Petrobras, hoje, praticamente vive de retirar o óleo depositado a 7 mil metros de profundidade, já que os depósitos estão identificados, de modo que é só chegar e retirar.

Grosso modo, é como chegar embaixo de um pé de coco frondoso e cacheado, tirar um cacho dele e, após abrir um dos frutos, saborear a água doce com um canudinho.

A camada do pré-sal funciona como uma placa de proteção dos depósitos de petróleo que, em alguns campos, chega a 400 metros de espessura, ou algo como a altura do morro do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro.

Nos últimos anos e depois do escândalo da Lava Jato nos governos de Lula e Dilma, a Petrobras redirecionou seus negócios para o pré-Sal, desfazendo-se não só de ativos não relacionados à exploração direta de petróleo, como dos seus próprios campos em terra e no mar que, diante dos números do pré-Sal, se tornaram insignificantes.

Hoje, a Petrobras retira do pré-Sal 70% de tudo que explora em terra e águas no Brasil. E do ponto de vista de produtividade, não faz mais sentido colocar dinheiro e pessoal para, em centenas de poços antes da camada do pré-Sal no mar ou em terra, retirar tão pouco óleo.

Isso não quer dizer que nesses poços o negócio não seja muito bom, já que o barril do petróleo está em US$ 120. Mas é que em apenas um poço, por exemplo, a Petrobras retira mais óleo que todos os demais juntos.

ARTES JC
Os pagamentos da Petrobras - ARTES JC

Entretanto, esse diferencial não custa barato. Para operar os seus 133 poços gigantes no pré-Sal, a Petrobras precisa de plataformas gigantes, navios gigantes, sistemas robotizados, já que toda operação se dá a mais de 7 mil metros de profundidade e pessoal especializado.

Mas o negócio compensa. Tanto que, além de seus lucros, a Petrobras ainda paga ao Governo uma parcela do que extrai medida não em dólar, mas em petróleo mesmo.

A Empresa Brasileira de Administração de Petróleo E Gás Natural S.A. - Pré-Sal Petróleo S.A.(PPSA) é uma estatal do governo que recebeu, no ano passado, R$ 1,22 bilhão como parte de partilha. Até 2030, a PPSA estima receber U$ 116 bilhões sem fazer absolutamente nada. Apenas recebendo sua parte como representante da União.

A Petrobras também vem reduzindo os custos dessa exploração ao longo dos anos. Em 2014, para retirar um barril de petróleo, ela gastava US$ 9,10. No ano passado, chegou a US$ 2,27.

O valor do chamado afretamento é que faz a empresa chegar ao preço de US$ 21,96, porque exige não só o pagamento do transporte, mas as despesas das plataformas de exploração chamadas de FPSO. Na verdade, são super navios transformados em usinas de exploração que ficam ancorados recebendo o óleo retirado do fundo do mar.

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MAR.2013
PRE-SAL EXPLORAÇÃOD A PETROBRAS - MAR.2013

PPSA EXISTE SÓ DE RECEBER LUCROS

Pouca gente lembra que no governo Dilma Rousseff, o pré-Sal virou uma espécie de grande herança a ser recebida, e com o qual o governo asseguraria seus investimentos em saúde e educação.

Mas a consequência foi a criação de uma empresa 100% controlada pela União cuja função é apenas receber a parte que o país tem como dona das áreas de exploração. O nome dessa empresa é Empresa Brasileira de Administração de Petróleo E Gás Natural S.A. - Pré-Sal Petróleo S.A.(PPSA).

Ela tem apenas 57 funcionários e desde o início dos recolhimentos da Petrobras e demais parceiras que atuam no pré-Sal, já recebeu R$ 4 bilhões, sendo que R$ 1,22 bilhão apenas no ano passado.

A PPSA é uma sócia privilegiada de quem explora o pré-Sal. Tudo que se extrai do fundo mar, ela tem partes. E a tendência é que continue assim. Por exemplo: em abril, o regime de partilha de produção chegou a cerca de 500 mil barris por dia. Em março, eram apenas 18,6 mil barris de óleo por dia. Nos primeiros quatro meses, a União recebeu R$ 642 milhões de petróleo e gás natural.

A PPSA tem um estudo onde estima arrecadar cerca de US$ 116 bilhões com a comercialização de petróleo da União até 2031. O estudo estima a produção de 8,2 bilhões de barris de petróleo em regime de Partilha de Produção em 10 anos.

É uma perspectiva extraordinária, porque à medida que a Petrobras e as demais empresas exploram o pré-Sal, os lucros do Governo só aumentam. Ou seja: é como se todos os meses alguém observasse o extrato bancário e notasse que tem mais dinheiro na conta. E isso numa tendência que só tende a aumentar.

A Petrobras está no centro de uma disputa política entre governo e oposição
A Petrobras está no centro de uma disputa política entre governo e oposição - A Petrobras está no centro de uma disputa política entre governo e oposição

R$ 500 BILHÕES PARA A GESTÃO BOLSONARO

O presidente Jair Bolsonaro pode reclamar da Petrobras por não ser sensível aos seus apelos para que não aumente os preços dos combustíveis.

Mas a mesma Petrobras que critica ferozmente lhe rendeu até agora quase R$ 500 bilhões como contribuinte exemplar, pagando não apenas impostos federais, como participações especiais por explorar o petróleo. A Petrobras também recolheu de 2019 até março, mais R$ 150 bilhões como contribuinte substituta dos estados.

No primeiro ano do Governo Bolsonaro, a Petrobras, além de R$ 98 bilhões em impostos, recolheu aos cofres públicos mais R$ 108,7 bilhões em participações especiais, que incluem o que a União, como proprietária da área de exploração, tem direito.

Em 2020, quando a pandemia do coronavírus atingiu a economia brasileira, a estatal recolheu R$ 57,3 bilhões como impostos próprios e mais R$ 32,2 bilhões em participações especiais.

No ano passado, o melhor ano da empresa depois do ataque que sofreu nos governos de Lula e Dilma, ela bateu o recorde, recolhendo R$ 101,5 bilhões apenas como contribuinte próprio e mais R$ 57,4 bilhões com as participações especiais. Somadas ao que recolheu em nome dos estados, ela pagou à União R$ 202 bilhões.

Este ano, os números devem ser ainda maiores, uma vez que, apenas no primeiro trimestre, ela, sozinha, já recolheu à União R$ 57 bilhões.

Esse volume de dinheiro tem a ver com o fato de que mesmo contando com alguns benefícios e ainda podendo deduzir parte dos prejuízos que teve que registrar em função do escândalo da Lava Jato, a empresa é muito competitiva no mercado internacional, especialmente porque sua base de receitas é administrada em dólar.

Mais uma coisa chama a atenção no comportamento do Governo Bolsonaro. Até agora, em nenhum momento o governo aceitou dividir os lucros ou as participações especiais. Somente este ano, ele aceitou abrir mão dos tributos federais pagos pela Petrobras e demais empresas. Mas nunca falou das participações especiais que apenas em 2021 e este ano, somam R$ 66,9 bilhões. Isso sem falar nos dividendos.

MARCOS CORREA
Presidente Michel Temer. - MARCOS CORREA

LEI DAS ESTATAIS MELHOROU GOVERNANÇA

Na semana, quando os debates sobre a Petrobras se tornaram mais acirrados, inclusive com o presidente Jair Bolsonaro pedindo a abertura de uma CPI, começou-se a se falar também numa possível mudança da Lei das Estatais (nº 13.303/2016) que entrou em vigor no dia 30 de junho de 2016, no Governo Michel  Temer, e saudada na época como uma espécie regulatória para a atuação das estatais.

De fato, a Lei das Estatais é reconhecida como um divisor de águas pelo que inovou na escolha de dirigentes de empresas públicas e Sociedades de Economia Mista (SEM) como é o caso da Petrobras.

A lei de fato foi um motor para a empresa exploradora de petróleo avançar anos na sua governança, culminando com a contratação de um diretor de compliance encarregado de cuidar de boas práticas de gestão, sendo um executivo recrutado no mercado. A grande mudança em empresas como a Petrobras está na escolha de seus dirigentes, para onde é necessário o indicado cumprir uma série de requisitos e que sejam cidadãos de reputação ilibada e tenham notório conhecimento.

Eles precisam ter tempo mínimo de experiência profissional, como dez anos no setor público ou privado na sua área de atuação ou quatro anos como profissional liberal em atividade direta ou indiretamente vinculada à área de atuação da empresa.

Essas normas vieram na esteira das investigações da Lava Jato, e até recentemente eram apontadas como um diferencial da Petrobras, que passou a se reportar ao governo e aos investidores de forma muito mais transparente que até a explosão do escândalo que apurou o ataque que ela sofreu.

A proposta de mudar a Lei 13.303/2016 - como está sendo debatida na Câmara Federal - de modo a que o Governo possa fazer intervenções mais rápidas e de acordo com os interesses do Governo pela condição de acionista controladora, é considerada um retrocesso e pode provocar uma brutal queda na cotação das ações da Petrobras.

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