ORÇAMENTO SECRETO: Centrão assumiu verba para investimento, ignorou governador e só repassou para deputado

Entre 2020 e 2023, a soma do Orçamento Secreto chegará a R$ 66,52 bilhões. As emendas de relator foram destinadas, mas até agora não se tem qualquer ideia para onde foram os recursos
Fernando Castilho
Publicado em 19/09/2022 às 8:00
ALIADOS Parceria de Bolsonaro com o Centrão ganhou musculatura sob as gestões de Pacheco e Lira Foto: ALAN SANTOS


Nos últimos dois anos, quando a nova mesa do Congresso Nacional passou a ser comandada por Rodrigo Pacheco, no Senado e, em especial, a Câmara Federal, por Arthur Lira, o modelo de gestão fiscal e de investimentos sofreu uma das mais radicais mudanças em termos de distribuição de verbas públicas, onde o Executivo abriu mão de parte dos recursos disponíveis para projetos estruturais em nível regional e nacional para entregá-los ao Parlamento.

Foi o sinal para se iniciar uma pulverização nunca vista na história orçamentária do Brasil, onde não mais o Governo Federal ou estados orientaram os investimentos estruturadores, mas os deputados, que passaram a focar o direcionamento para suas bases sem qualquer preocupação com o resultado, inclusive dentro do seu próprio Estado.

O mecanismo para isso se acelerou no Governo Bolsonaro, quando ao analisar o orçamento de 2020, se avaliou que por ali poderia haver uma avenida de oportunidades para beneficiar os apoiadores do Governo.

Tecnicamente, a emenda de relator existe para corrigir erros e omissões de ordem técnica ou legal; recompor, total ou parcialmente, dotações canceladas, limitada a recomposição ao montante originalmente proposto no projeto e atender às especificações dos pareceres preliminares.

Na verdade, desde o escândalo dos Anões do Orçamento, de 1993, que a figura do Relator-Geral do Orçamento não assumia caráter central.

Até 2019, a chamada RP-9 não tinha sido usada. Mas, em 2020, o relator Domingos Neto (PSD-CE) movimentou secretamente R$ 30,13 bilhões. Ano passado, elas foram de R$ 18,53 bilhões, quando o escândalo explodiu já como o nome de “Orçamento Secreto”, numa reportagem do jornal O Estado de S Paulo.

Foi um mecanismo que se viabilizou quando a figura central do relator passou a atuar depois da ascensão de Arthur Lira. Por exemplo, a média anual de emendas de relator aprovadas pelo Congresso durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) é 4 vezes mais que o valor da gestão de Michel Temer (MDB) e 5 vezes quando da era Dilma Rousseff (PT).

No governo Michel Temer, de 2016 a 2018, foram R$ 4,8 bilhões; e na gestão de Dilma Rousseff, entre 2011 e 2015, foram R$ 3,8 bilhões em média por ano.

A bem da verdade, relatores-gerais sempre movimentaram recursos expressivos no desempenho das atribuições conferidas pelos pareceres preliminares. Entre 2013 e 2022 eles ajustaram, em média, R$ 40 bilhões no OGU. Mas, em todos os casos, com as emendas com nome e sobrenome do deputado ou senador.

A diferença é que até o exercício de 2020, havia marcação específica que identificasse tais emendas, e isso permitiu que o tema permanecesse de certa forma submerso na agenda política. 

CONGRESSO DIZ QUE NÃO TEM REGISTROS

 

WALDEMIR BARRETO/AGÊNCIA SENADO - Márcio Bittar afirmou que, apesar de considerar proposta polêmica, optou por incluí-la em seu relatório

 

Parte dessa movimentação começou na articulação do então ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, especialista em orçamento e que teve participação decisiva na aprovação da reforma da Previdência. Ele foi um dos primeiros a se beneficiar dessas emendas no seu ministério.

O veículo para esse deslocamento foi a Codevasf, que de 2018 a 2021 viu o valor empenhado (reservado no orçamento para pagamentos) pela estatal avançar de R$ 1,3 bilhão para R$ 3,4 bilhões, a reboque das emendas parlamentares, que saltaram de R$ 302 milhões para R$ 2,1 bilhões no mesmo período.

A articulação de transformar a RP-9 num veículo de liberação de verbas sem controle foi uma combinação do Executivo e o Legislativo. Por exemplo, a proposta da LDO para 2022, do Poder Executivo, foi encaminhada ao Congresso Nacional sem a previsão da identificação das emendas de comissão (RP 8) e de Relator-Geral (RP 9).

Só depois da pressão e das recomendações do STF - onde tramita uma ação relatada pela ministra Rosa Weber - é que a LOA aprovada trouxe novamente as referidas marcações. E essa pressão foi suficiente ao menos para a não propositura de veto pelo Poder Executivo nesta última oportunidade. 

AVENIDA DE RELACIONAMENTO DIRETO

 

AGÊNCIA CÂMARA - OFICIO Domingos Neto contraria argumento apresentado ao Supremo

O problema é que em dois anos abriu-se uma avenida de relacionamento direto entre os deputados e senadores que apoiam o Governo e Executivo com, cada um deles, escolhendo para onde destinar recursos sem qualquer articulação com o seu próprio Estado e sem qualquer atenção aos governadores.

Por exemplo, em 2020, as emendas individuais (PR-6) foram de R$ 9,46 bilhões, enquanto as emendas de bancada foram de R$ 5,92 bilhões. As de relator (RP-9) foram de R$ 30,12 bilhões.

Em 2021, elas ainda foram de 18,50 bilhões. Para 2023, o volume voltou a subir R$ 19,3 bilhões, um aumento de 13,3% em relação aos R$ 17,1 bilhões disponíveis para o exercício de 2022 depois de um ajuste.

O problema é que mesmo com a ação no STF e pressão sobre o Congresso da Imprensa, as informações sobre o destino ainda desse colossal volume de dinheiro não têm rastreabilidade.

Desde dezembro, a ministra do STF, Rosa Weber, deu 90 dias para o que o sistema de monitoramento (com individualização, detalhamento e motivação da distribuição do dinheiro) fosse instituído.

Rodrigo Pacheco enviou um relatório em que, desconsideradas as licenças e afastamentos, só foi respondido por 340 deputados (66,2% da Câmara) e 64 senadores (79% do Senado). O Congresso tem 594 parlamentares – 513 deputados e 81 senadores. Na média, 68,01% respondeu.

O senador Márcio Bittar, relator da proposta de 2021, afirmou a Pacheco que “não existe em seu poder, qualquer banco de dados com os possíveis responsáveis pelas solicitações”.

Domingos Neto, relator da lei de 2020, explicou  que "não foram criadas regras específicas para a execução das programações derivadas de emendas de relator-geral, cuja execução ficou a cargo do Poder Executivo". 

FESTIVAL DE PEC CONTRA GOVERNADOR

 

Roque de Sá - Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e os secretários da Fazenda

A articulação dos deputados com a presidência da Câmara criou uma nova divisão de poder na República Federativa do Brasil que, conceitualmente é a reunião de estados liderados pela União Federal.

Sob a liderança de Arthur Lira, a Câmara Federal aprovou dezenas de leis que modificam o destino de despesas com recursos federais que eram inimagináveis mesmo quando os presidentes Fernando Henrique e Lula da Silva tinham forte influência no Congresso.

Detalhe: uma PEC só é aprovada se obtiver, na Câmara e no Senado, três quintos dos votos dos deputados (308) e dos senadores (49).

Em 2019, para aprovar as medidas para responder a crise da covid-19, com a casa sob comando de Rodrigo Maia (PSDB-RJ), foram cinco emendas. Em 2020, também em função da pandemia, foram três.

Em 2021, já sobre comando de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, foram seis, inclusive, a que modificou o pagamento dos precatórios federais.

Mas nada comparável ao primeiro semestre de 2022, quando a Constituição ganhou 11 novas emendas, sendo que as três últimas foram promulgados no último dia 14, em sessão do Congresso Nacional que contou com a presença do presidente Jair Bolsonaro.

Entre elas a emenda constitucional 123, que reconheceu o Estado de Emergência decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais para reduzir as alíquotas de ICMS cobradas pelos estados limitando-as a 17%.

E que ainda expandiu o Auxílio Gás dos Brasileiros, o auxílio para caminhoneiros autônomos; expandiu o Programa Auxílio Brasil e instituiu auxílio para entes da Federação financiarem a gratuidade do transporte público.

E, finalmente, a emenda constitucional 124, que institui o piso salarial nacional do enfermeiro, do técnico de enfermagem, do auxiliar de enfermagem e da parteira sem que fosse encaminhada qualquer orientação os recursos necessários para sua implantação fora das rubricas federais. 

CONSEQUÊNICA NO MUNICÍPIO

 

DIVULGAÇÃOPF - OPERAÇÃO Ação cumpriu ordem de prisão temporária contra o empresário 'Imperador' e vasculhou 16 endereços

Na verdade, o que aconteceu foi que os relatores Márcio Bittar (2021) e Domingos Neto (2020) simplesmente ignoraram o Art. 14 da LDO dos anos anteriores, onde se diz que para fins da apuração do resultado primário, o projeto de lei orçamentária conterá código identificador de resultado primário em todas as categorias de programação da despesa e em todas as fontes de recursos, identificará se a despesa é de natureza financeira ou primária e que a metodologia de cálculo das necessidades de financiamento, cujo demonstrativo constará em anexo à lei orçamentária.

Isso permitiu fazer aquilo que o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, disse na famosa reunião de dia 22 de abril: “passar a boiada”.

Na prática, os deputados passaram a literalmente ignorar as preocupações dos governadores com as consequências das PECs aprovadas em até 72 horas. Isso se deu porque eles estavam comprometidos em honrar o recebimento de recursos dos acordos com Arthur Lira. E isso incluiu dezenas de deputados da oposição que também cuidavam de sua reeleição.

Na verdade, quando se soma os valores, chega-se aos R$ 66,52 bilhões entre 2020 e 2023, com as emendas de relator que passaram a ser destinadas e não se tem qualquer ideia para onde foram esses recursos.

Claro que eles vão parecer em algum órgão federal, uma vez que terão de ser gastos e constar em algum item no Portal da Transparência.

O problema é que, sem os dados de origem, talvez levem anos para que se crie um programa que permita onde foram gastos esses recursos. 

CODEVASF ATUA EM DOIS NORDESTE 

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Até agora, o primeiro sinal vermelho apareceu na Codevasf, uma instituição que por anos foi um reduto da família do senador pernambucano Fernando Bezerra Coelho (União Brasil), mas agora sob controle do senador e chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PL-PI), que já tinha articulado a ampliação da área de atuação da Codevasf do Rio São Francisco para 11 estados em 21 bacias hidrográficas que vão do Amapá a Goiás.

Quando ela foi criada, sua área de influência era de 636.073,10 km², correspondendo à 7,47% do território brasileiro, em 504 municípios, nos Estados de Alagoas, da Bahia, de Goiás, de Minas Gerais, de Pernambuco e de Sergipe, além do Distrito Federal.

Agora, ela passou a atuar sob 3.113.903 km², abarcando 36,59% do território brasileiro, 2.675 municípios. Hoje, ela pode atuar numa área que é quase duas vezes a área do Nordeste, que tem 1.558.000 km².

Isso permitiu que deputados do Amapá e do Tocantins, que sequer sabiam o que era Codevasf, passassem a disputar recursos nos gabinetes dos senadores Márcio Bittar (2021), Domingos Neto (2020) e Marcelo de Castro (2023) sugerindo emendas sem suas digitais.

Gente que tem interesse em rios que vão do Rio Gurupi, do Pará, ao Rio Araguari (AP) e do Rio Tocantins, que se estende pelos Estados de Goiás, Mato Grosso, entre outros estados já no cerrado Brasileiro, agora abrigados no guarda-chuva da Codevasf.

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