Em resposta a uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, defendeu que o empréstimo consignado do Auxílio Brasil é inconstitucional.
É isso mesmo, 35 dias depois de Caixa Econômica Federal iniciar os empréstimos ao inscritos, o PGR decidiu se manifestar.
Num arrazoado, ele diz que trechos da lei violam o princípio constitucional da dignidade humana ao retirar uma camada de proteção da população mais vulnerável, o que pode acarretar superendividamento das famílias pobres.
A manifestação de Aras é interessante, mas como diz a sabedoria popular: “Agora, Dr. Augusto, Inês é morta”, e o dinheiro já foi emprestado e gasto.
O problema do PGR é que ele atua certo na hora errada. Ou atrasado. Desde que foi escolhido, a PGR virou uma linha de colaboração com as pautas do Governo. Isso sem falar na atitude deliberada de esvaziar a Lava Jato. Mas no caso da demora em agir no caso do consignado, a ação chega a ser perversa.
EMPRÉSTIMO DO AUXÍLIO BRASIL
Para quem não sabe, a Caixa está emprestando dinheiro através do crédito consignado do Auxílio Brasil cobrando uma taxa de juros de 3,45% ao mês (50,23% ao ano).
O valor é próximo do limite de 3,50% estabelecido pelo governo federal (51,11% ao ano). A parcela mínima para pagar o empréstimo é de R$ 15 por mês e a máxima, de R$ 160. A duração máxima é de até 24 meses. O seja, a Caixa, um banco social, está aplicando em cima de quem é miserável.
O financiamento do empréstimo consignado do Auxílio Brasil pode custar até 87% mais do que outras modalidades de crédito com desconto na renda de assalariados dos setores público e privado, ou de aposentados e pensionistas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), segundo simulação realizada pela Anefac (associação dos executivos de finanças).
O mercado estima que o potencial de negócio com essa linha de crédito é de R$ 55 bilhões.
Claro que isso não é mais uma ação social da Caixa, que se jacta na publicidade de ser um banco que ajuda aos brasileiros. Ajuda, mas nesse caso, é uma dessas coisas que nenhum dirigente sério colocaria no currículo.
Mas a presidente da Caixa, Daniella Marques, se orgulha. Ela foi quem tomou a frente e fez isso como um apoio à campanha de reeleição do presidente Bolsonaro. É difícil imaginar como ela - mulher e mãe de família - se sente sabendo que esse dinheiro vai para mães que, inscritas no Bolsa Família, pegam o dinheiro para comprar comida. Mas ela fez.
A Caixa, que começou a emprestar desde 11 de outubro, só parou a linha de crédito porque a Dataprev, estatal responsável pela lista dos beneficiários, e o Ministério da Cidadania, não têm capacidade de operar a linha enquanto processa folha de pagamento do Auxílio Brasil.
A Caixa é praticamente a única instituição que opera a linha. Existem hoje 39 bancos credenciados para fazer consignado. Mas o conceito é tão abjeto que apenas 12 informaram que estão oferecendo dinheiro.
Os grandes bancos - Itaú, Bradesco e Santander -, o Banco do Brasil e o Banco do Nordeste avisaram que, apesar de serem estatais, não iriam operar essa linha de crédito. Mas a Caixa fez até publicidade. Ela já emprestou R$ 5 bilhões.
Esse empréstimo é draconiano. De acordo com as regras, caso o benefício seja cancelado, o empréstimo não será cancelado. Ou seja, mesmo se deixar de receber o Auxílio Brasil, o beneficiário precisará se organizar para pagar todos os meses o empréstimo até o fim do prazo do contrato, depositando na sua conta o valor da parcela.
A manifestação de Augusto Aras chega tarde e ao menos dois milhões de mães de família já pegaram o dinheiro.
Essa posição de Aras vem muito atrasada. Desde agosto que se fala disso. Houve uma série de contestações, inclusive do TCU, mas o Governo Bolsonaro recorreu à AGU para defender a proposta.
Agora, a PGR decidiu se pronunciar contra, 16 dias depois das eleições do segundo turno.