Com patrimônio de ativos consolidados que, em 2021 alcançou o montante de R$ 618,1 bilhões, o FGTS virou uma espécie de "recebível" que o mercado financeiro olha e vê uma botija de ouro que precisa ser transformada em outros negócios.
O FGTS, como se sabe, foi criado com o objetivo de proteger o trabalhador demitido sem justa causa, mediante a abertura de uma conta vinculada ao contrato de trabalho e ser o veiculo de financiamento da casa própria dos trabalhadores que tem esses depósitos em conta vinculada. Em 30 anos, ele financiou mais de 7 milhões de unidades habitacionais.
O problema é que nos últimos anos iniciou-se um debate, estimulado pelos bancos, de que o rendimento das contas do FGTS estava inadequado e que poderia ser um recebível consignado já que o saldo em conta garantiria os empréstimos feitos aos trabalhadores.
Além disso, como ele rende apenas 3%, ao ano, difundiu-se a idéia de que o trabalhador deveria ter acesso direto e o aplicar noutros produtos financeiros oferecido pelos bancos.
É um enorme equivoco. O FGTS além dos objetivos é veículo de investimento social. Financiar casa própria, saneamento básico e obras de infra-estrutura para habitação.
Não é uma caderneta de poupança. Sua função não é financiar dívidas de cartão de crédito, empréstimos pessoais e outras coisas que, especialmente nos últimos quatro anos, se inventou.
No governo Bolsonaro ele foi usado em diversas tentativas de ajudar a aquecer a economia. No geral, o ministério da Economia autorizou o saque extraordinário de R$ 110 bilhões que os trabalhadores só usaram R$ 76 bilhões.
Isso sem falar no ataque especulativo que Paulo Guedes tentou de liberar R$ 35% dos saldos que jogaria no mercado financeiro R$ 120 bilhões, mas inviabilizaria qualquer programa de financiamento habitacional mais robusto. Felizmente se travou a proposta.
É importante não perder de vista o fato de que os depósitos do FGTS nas contas vincluadas não formam uma caderneta de poupança ou um papel de investimentos do empregado do setor privado.
O depósito é uma seguro para que, ao ser dispensado sem justa causa, receba o equivalente a um mês de salário por cada ano trabalhado. É uma obrigação da empresa privada. E a soma desses depósitros serve para pagar as indenizações e ajudar a financiar a casa para o trabalhador.
Mas os bancos não desistiram e conseguiram o saque aniversário que virou um consignado com prestação anual. Resultado: os 12,6 milhões de trabalhadores com direito ao beneficio contrataram operações de antecipação do saque-aniversário R$ 76,8 bilhões em concessões. Ou seja: o trabalhador pegou seu FGTS para servir de fiador de um empréstimo para ele gastar.
Não há informações do número de trabalhadores que pegaram o saque a aplicaram num CDB, num fundo DI ou mesmo no Tesouro Direto. Ou que pagaram uma reforma na sua casa.
Então, agora quando o ministro do Trabalho, Luiz Marinho avisa que o governo Lula quer parar o saque aniversário, as entidades do setor financeiro começam colocar "preocupações".
A começar pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) cujo presidente da entidade, Isaac Sidney, iniciou diálogo com o ministro do Trabalho e propôs um encontro técnico para apresentar os dados do uso do saque-aniversário do FGTS como instrumento de garantia para concessão de crédito consignado.
Conversa. O saque aniversário não ajudou a construir uma só residência. Não foi usado para investimentos imobiliários. Então, o que sobrou foi a sua transformação num recebível garantidor de crédito pessoal.
Esse é um debate que o Governo precisa enfrentar porque desde que Jair Bolsonaro assumiu, o FGTS virou o único instrumento de subsidio para aquisição da casa própria.
Hoje não tem dinheiro no Orçamento Geral da União para fazer habitação de baixa renda. Isso fez explodir o número de favelas porque as prefeituras não têm como financiar novos conjuntos habitacionais.
Uma coisa foi, em 2017, depois da crise dos governos Dilma Rousseff ser autorizado o saque das contas inativas. O saque de 55 milhões de contas deu uma injeção de 50 bilhões (R$ 49,90 bilhões). Outra é o governo usar como se fosse dele o dinheiro de um fundo que é do trabalhador.
Em 2020, na crise da pandemia o Governo autorizou um saque de até R$1.045,00, considerando a soma dos saldos de todas as contas ativas ou inativas no FGTS. Tudo bem era uma pandemia.
Mas no ano passado (no meio da campanha de reeleição o governo Bolsonaro) se autorizou outro saque emergencial de até R$ 1 mil, por trabalhador, por meio de crédito em conta do CAIXA Tem. Resultado: o FGTS teve R$ 23,6 bilhões sacados. Não ajudou comprar material de construção para nenhuma casa.
O problema é que quando o mercado financeiro olha para o saldo do FGTS e sabe que foram creditadas R$ 207,8 milhões nas contas do FGTS de titularidade de 106,7 milhões de trabalhadores, em 2021, faz uma conta de qual seria o valor se aquilo fosse transformado numa aplicação financeira. E esquece que tem o pagamento das indenizações por demissão sem justa causa.
Da mesma forma que no governo passado havia uma visão do saldo do FGTS era de uma enorme pia batismal onde qualquer um pode meter o dedo e tiara uma pouco de água benta para se benzer.
E esquece que como revelou a última pesquisa da Fundação João Pinheiro em 2019 (portanto antes da pandemia), o Brasil tinha um déficit habitacional de 5,876 milhões de moradias.