Uma sucessão de equívocos na comunicação impediu o governo Lula de resolver um problema que vem crescendo desde a pandemia do covid-19, em 2020, quando o e-commerce salvou a vida de milhões de empresas, mas trouxe para o Brasil, aos menos, três grandes plataformas de distribuição de produtos da China sem pagar qualquer tipo de tributação disfarçada de remessa de pequenas encomendas com valores de até US$ 50 ou R$ 250.
Com receio de perder popularidade, o presidente recuou de uma decisão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que desejava iniciar um processo de depuração desse tipo de operação, passando a cobrar impostos de qualquer tipo de importação.
Deu errado. O anúncio levou para as redes sociais o discurso de que a taxação prejudicaria as pessoas com renda mais baixa que hoje compram da Alibaba, Shein e Shopee todo tipo de produtos sem qualquer tipo de controle de qualidade por preços que a indústria brasileira sequer pode se aproximar.
Para completar, o próprio secretário da Receita Federal, Robson Barreirinhas, reproduziu a decisão do ministro informando que já estava criando um novo protocolo onde cada pacote deveria ter antes do embarque informações do valor e modo que ao entrar no Brasil a Receita federal já poderia saber quando o consumidor iria pagar de imposto, em média, 60% sobre o valor da compra.
Como Haddad, Barreirinhas foi desautorizado pelo presidente Lula, que disse ao ministro que a perspectiva de uma arrecadação de até R$ 8 bilhões não valia o desgaste que estava sofrendo nas redes. Coube a Haddad dizer que o governo manteria a isenção de U$ 50 para qualquer pessoa importar o que quisesse da China ou de qualquer lugar do mundo. Hadadd mais uma vez foi desautorizado.
Mas se Lula pôde atender a uma promessa da primeira-dama, Rosangela Lula da Silva, que ainda na China havia garantido nas suas redes sociais que a isenção seria mantida, a notícia não poderia ser melhor para os consumidores como para a Shein (que nesta segunda-feira inaugurou seu escritório do Brasil) e Shopee.
E, especialmente, a Alibaba, que celebrou um acordo com os Correios para que a empresa faça a entrega final dos produtos comprados na plataforma ou que eles chamam de túltima ma milha, já que a Alibaba importa mercadorias inclusive de avião.
Na prática, elas asseguram um mercado estimado em mais de 50 bilhões com a remessa de mais de 300 bilhões de pacotes distribuídos pelos correis e centenas de empresas subcontratadas espalhadas pelo Brasil.
Com a decisão de manter a isenção, as plataformas poderão continuar com suas ofertas até que a Receita Federal implante um novo modelo de controle que vai obrigar a que uma pessoa que manda uma mercadoria da China informe todos os seus dados e os dados dos produtos, de modo a que a Receita Federal possa saber se está dentro do limite.
Hoje, os Correios e a Receita Federal fazem esse controle por amostragem, o que diante dos números de pacotes importados é algo próximo de zero em termos de fiscalização.
A decisão de Lula frustrou as empresas brasileiras que apoiavam fortemente um maior controle de dessas importações. Instituições de comércio já haviam entregado ao Ministério da Fazenda estudos mostrando o quanto o País poderia arrecadar e o que iria gerar de empregos no Brasil. Toda essa expectativa acabou com a decisão de Lula.
O problema é que com a manutenção das importações sem controle, o negócio das empresas está assegurado, mesmo o governo sabendo que está sendo enganado com uma venda disfarçada de remessa entre pessoas, quando na verdade são operações comerciais que não pagam impostos.
O que acontece quando uma pessoa compra de uma das plataformas, o algoritmo da plataforma encontra um CPF ou documento de identificação em algum lugar do mundo e faz a remessa da encomenda para o Brasil.
O crescimento do volume enviado para o Brasil é tão grande que se pode dizer que cada dois brasileiros, têm hoje três amigos na China que fazem a gentileza de enviar para eles um produto no valor de até R$ 250.
O governo também sabe que hoje boa parte das roupas e sapatos sequer são produzida na China, mas em noutros países, o que faz com que os consumidores brasileiros recebam mercadorias "Made in Bangladesh", “Made in Vietnan”, "Made in Indonesia" e “Made in India”, porque com a elevação do custo de mão de obra na China, as indústrias que agregam menos valor à matéria-prima deslocaram-se para centros mais baratos, como os países do sudeste da Ásia.
A Receita Federal tem conhecimento de todo esse movimento a partir da checagem dos produtos nas amostragens. Mas tudo isso vai continuar assim com o discurso de que os chineses vendem mais baratos porque são mais competitivos.