Assessores do ex-presidente Jair Bolsonaro sempre ficavam de “cabelo em pé” quando ele se aproximava de um microfone. Sabiam que ele, inevitavelmente, diria algo polêmico de forma intempestiva. Daí a ação era sempre para redução de danos.
Seis meses depois da posse, agora são os assessores e ministros de Lula que ficam cada vez mais tensos quando ele está diante de um microfone. Entretanto, o problema não é quando ele avisa que vai se pronunciar. O risco é quando diz que “não” quer fazer isso, mas continua falando e criando problema para os assessores.
Como dizia Marco Maciel: “Presidente não dá opinião. Faz pronunciamento”. “Quando “o presidente da República fala”, dizia o ex-vice-presidente, tudo que diz tem consequências.”
Mas parece claro que Lula já deu sinais de que, aos 77 anos, quer dizer “o que quiser e ouvir o que quiser”. Não raro, esquecendo que ele é o presidente da República. E quando fala, baliza o assunto. Para a equipe e o público.
Nesta quinta-feira, Lula não resistiu em dizer sua opinião horas antes de o Conselho Monetário Nacional analisar um ajuste no sistema de metas de inflação, dizendo que não queria falar sobre o tema:
"Eu não sei qual é a decisão do Conselho Monetário, vão tomar a decisão. O que eu acho, o que eu penso agora como cidadão brasileiro, é que o Brasil não precisa ter uma meta de inflação tão rígida, como estão querendo agora, sem alcançar", disse Lula.
Como “cidadão brasileiro”? Não existe isso de o presidente da República se pronunciar como um “cidadão brasileiro” revelando sua opinião numa conversa com outras pessoas.
Quando o presidente diz que o país "não precisa ter uma meta tão rígida" e que a política monetária "tem que ser móvel" e "ter sensibilidade em função da realidade da economia, das aspirações da sociedade" está determinando que o seu governo não deseje seguir uma meta de inflação.
Esta dizendo que, na verdade, o governo não é responsável pelo comportamento dos preços, como se ele próprio, através de vários organismos, não administre preços.
Claro que o presidente, agindo apenas como um "cidadão brasileiro", provoca reações de estado quando formula uma posição desse nível. Até porque, a seguir, ele concluiu o seu raciocínio teórico sobre o tema: “A política monetária tem que ser móvel, ela não tem que ser fixa e eterna. Tem que ter sensibilidade em função da realidade da economia, das aspirações da sociedade”.
Agora se imagine o ambiente de discussão horas depois do CMN, que é formado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pela titular do Planejamento, Simone Tebet, e pelo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto.
O CMN, é importante lembrar, tem como principal missão definir as diretrizes da política monetária do país. Não dá para acreditar que o “conceito teórico básico de economia” formulado por Lula não tenha influenciado nos debates entre os integrantes do CMN.
Esse é um problema que o presidente vem de forma recorrente criando. Mesmo quando diz ao seu interlocutor que expressa apenas sua opinião, como se o que expressasse já não tivesse sido passado para seus auxiliares como diretiva governamental.
Quando o presidente se queixou não encontrar mais um carro por menos de R$ 50 mil e lembrou que no governo de Itamar Franco se comprava um carro que cabia no bolso de um operário, está passando uma diretriz para o Ministério do Desenvolvimento Econômico que, como se viu, foi cumprida à risca pelo vice-presidente e ministro Geraldo Alkmin depois centenas de horas tentando desenhar algo palatável.
Quando diz que é injusto que mais de 70 milhões estejam como seu nome no Serasa, está passando uma outra diretiva para que o governo encontre um jeito de livrar as pessoas do Serasa e do SPC. É verdade que no caso do Desenrola, a ideia do presidente não se efetivou na prática. Mas foi mais uma diretriz passando quando comenta uma situação real ainda que tentando se proteger como um “cidadão brasileiro.”
Durante quatro anos, se disse que pelo jeito tosco de Jair Bolsonaro, o impediam de ter consciência do papel que lhe cabia quando estava na cadeira principal da Presidência da República. Talvez porque Bolsonaro se esforçava para ser assim como uma estratégia de que era uma pessoa comum que apenas estava governando o país.
Lula é diferente porque fala como objetivos bem específicos. Não atua sem que saiba o que vai acontecer depois de suas falas. Atua como agente político mirando receber o retorno da forma que lhe é mais conveniente.
Bolsonaro falava para causar. Lula fala para definir o que deseja acontecer. O que sempre acaba erodindo e até desmoralizando as ações de seus auxiliares mais próximos.