Apenas 5% dos motoristas multados por dirigir após beber perderam a CNH nesses dez anos no Estado. Foto: Miva Filho/SES
A Lei Seca chega aos dez anos em Pernambuco de forma contraditória. Enquanto a eficiência da fiscalização nas ruas é indiscutível, com blitzes constantes durante toda a semana, a punibilidade efetiva dos motoristas deixa a desejar. Menos de 5% dos condutores multados por alcoolemia em Pernambuco tiveram a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) suspensa nessa década. Embora tenham que pagar R$ 2.934,70 pela infração, os motoristas flagrados dirigindo após beber estão esperando muito tempo para perder o direito a dirigir. São, em média, de quatro a cinco anos de espera porque o Estado não tem estrutura administrativa suficiente para dar conta da demanda de processos. Tempo considerado longo demais por quem trabalha com legislação e educação de trânsito. Espera que, de tão longa, desacretida a Lei Seca.
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Os números do próprio poder público evidenciam a desigualdade entre a operação nas ruas e a punição administrativa dos motoristas que ainda insistem em beber e assumir o volante. Enquanto 58.864 multas de alcoolemia foram aplicadas em Pernambuco entre 2009 (o Detran-PE só começou a compultar esses dados a partir daquele ano) e junho de 2018, 38.454 processos administrativos de suspensão da permissão para dirigir foram abertos pelo Detran-PE. Ou seja, 20.410 notificações não chegaram, sequer, nessa fase.
E, para expor ainda mais a falta de fôlego do governo em efetivar a punição dos infratores que começa nas ruas, com as blitzes, mais números: dos 38.454 processos administrativos de suspensão da CNH abertos, apenas 2.631 foram concluídos e as CNHs dos condutores suspensas por um ano. Ou seja, menos de 7% dos processos abertos. Um cenário que, com certeza, deve ser o mesmo em muitos dos Estados onde as operações foram mantidas nesses anos.
Simíramis Queiroz, presidente do Conselho Estadual de Trânsito (Cetran), autoridade máxima nos recursos de trânsito no Estado, reforça o discurso defendido por ela há muitos anos. "Precisamos tornar o processo administrativo mais simples porque nunca teremos estrutura suficiente para dar conta da demanda de autuações e recursos. São três etapas de defesa para cada uma das multas. Ou seja, três fases de defesa para a multa em si (pecuniária) e outras três para a suspensão da CNH. Isso não tem lógica. Deveriam ser três fases para tudo", critica.
"A Lei Seca é uma legislação maravilhosa, que mudou hábitos dos motoristas e que veio para ficar. Mas é preciso estar atento ao processo de punição porque ele é fundamental e, do jeito que está, confunde as pessoas e desacredita a legislação. Demora tanto que muita gente acha que é só pagar a multa e pronto. Esquece da suspensão da permissão para dirigir", alerta. O Detran-PE, por exemplo, tem apenas três Jaris (Juntas Administrativas de Recursos de Infração) com seis funcionários cada.
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EFICIÊNCIA
Por outro lado, quando analisamos os números da fiscalização da Lei Seca, que desde 2011 passou a ser tratada como política de saúde pública em Pernambuco, a eficiência fica evidente. Enquanto o número de condutores abordados aumenta, a quantidade de autuações por alcoolemia diminui, evidenciando a conscientização dos motoristas. Em 2011, 4,5% dos condutores abordados nas blitzes foram autuados por dirigir após beber. Em 2017 esse percentual caiu para 1,3% e, este ano, está em 0,9%. "Nesses sete anos da Operação Lei Seca, já que para nós ela começou em 2011, a taxa de mortalidade dos acidentes de trânsito caiu 30%. Aumentamos de seis para nove equipes nas ruas e já temos projeto para chegar a 12 equipes.
Ou seja, só temos o que comemorar", diz o tenente-coronel Fábio Bagetti, coordenador da Operação Lei Seca em Pernambuco. Fábio Bagetti não quis comentar a ineficiência punitiva da Lei Seca, transferindo a responsabilidade para o Detran-PE. "Meu trabalho é a fiscalização. Mas não acredito que a demora desmoralize a operação porque o valor da multa é muito alto e pesa no bolso dos motoristas. O que defendo é que, além da apreensão das CNHs, os veículos dos condutores autuados fossem recolhidos para o depósito do Detran-PE e só liberados quando quitadas todas as taxas e possíveis multas existentes", defende.
Foto: JC Imagem
"TEM GENTE QUE NEM LEMBRA MAIS QUANDO FOI PEGO NA BLITZ"
A contradição da Lei Seca se confirma no exemplo do analista de sistemas de 33 anos, pego numa blitz no início da operação, ainda em 2009. Foram quatro anos de espera para ter a CNH suspensa. Por outro lado, o jovem mudou de hábitos e garante que hoje não mistura mais álcool e direção.
JC - Como você foi pego na Lei Seca?
Analista de sistemas - Foi no começo da operação, ainda em 2009. Sai do Bairro do Recife de meia-noite, após beber, e fui para casa descansar. Mas tive que voltar para pegar minha esposa e uma amiga por volta das 5h. Quando seguíamos para Barra de Jangada (Jaboatão dos Guararapes) para deixar nossa amiga em casa, fui parado em Boa Viagem. A blitz estava no fim e percebi os agentes um pouco irritados. Um deles desconfiou de mim e perguntou se faria o teste. Eu recusei porque fui mal orientado. O agente disse que não teria problema algum não fazer o teste e que apenas pagaria a multa, na época ainda de R$ 957.
JC - Quanto tempo você esperou para ter a CNH suspensa?
Analista de sistemas - Foram quatro anos de espera. Demorou tanto que eu achava que nem seria mais punido. Só em 2013 chegou a determinação para entregar a carteira de habilitação. Passei o ano de 2014 sem dirigir, fiz curso de reciclagem e retomei a direção em 2015.
JC - Você acha correto tanto tempo de espera?
Analista de sistemas - Não, de forma alguma. É muito ruim porque deseduca o motorista. Tem gente que nem lembra mais quando foi pega na blitz, até ser surpreendida pela suspensão. O processo deveria ser mais rápido.
JC - Mas, independentemente da demora, ser pego na Lei Seca fez você mudar de hábitos ao volante?
Analista de sistemas - Sim, sem dúvida. Vejo muitas blitzes nas ruas e desisti de beber e dirigir. Sempre fiz autocrítica e entendi que é errado misturar álcool e direção. Acho que os aplicativos de transporte, como Uber e 99, ajudaram muito nesse processo porque antes deles dependíamos apenas do ônibus e do táxi. O primeiro tem limitação de oferta e o segundo é muito caro. Com os apps, tudo ficou mais fácil. Eles são os grandes aliados da Lei Seca.