Pesquisa OD comprovou o que todos a população se desloca mesmo é no ônibus e são os mais pobres os que mais precisam. Inversão de prioridades no viário é urgente. Fotos: Filipe Jordão/JC Imagem
Vinte e um anos depois, a Região Metropolitana do Recife volta a ter uma pesquisa de origem e destino para guiar o planejamento da mobilidade urbana nas 15 cidades que integram a região. E o estudo reforça o que todos já sabem, mas que até hoje não foi colocado em prática: que a população se desloca para trabalhar e estudar no transporte público, prioritariamente o ônibus, e que quanto mais pobre é o cidadão, mais dependente ele é do sistema coletivo. E mais: que a população tem sofrido no deslocamento para o trabalho, escola, faculdade ou cursinho, chegando a perder até quatro horas por dia. A pesquisa revela, ainda, que por tudo isso, o transporte público vem perdendo passageiros.
O levantamento, realizado digitalmente pelo Instituto da Cidade Pelópidas Silveira (ICSP), Grande Recife Consórcio de Transportes (GRCT) e Secretaria das Cidades, foi apresentado ontem e entregue às prefeituras metropolitanas para que possam utilizá-lo na elaboração dos planos de mobilidade de cada cidade. Apesar do atraso, a pesquisa está sendo considerada a de maior abrangência no País até hoje. Atingiu 201.370 pessoas, o que significa uma estimativa de 123.142 domicílios e 5,01% da população do Grande Recife – o que é muito, segundo os técnicos. Supera até os estudos realizados em São Paulo e no Rio de Janeiro, que chegaram, no máximo, a entrevistar 150 mil e 99 mil pessoas, respectivamente. A pesquisa de OD, como é conhecida, mostrou que quase 60% das pessoas da RMR usam o ônibus para ir ao trabalho e 18% para a educação. O carro, que até hoje tem 80% do sistema viário das cidades, responde por apenas 20% dos deslocamentos para trabalho e 15% para educação.
No recorte por faixa de renda, a necessidade de as prefeituras, incluindo o Recife, de investir cada vez mais na ampliação das redes de transporte, ofertando mais ligações e uma frota maior de ônibus, fica ainda mais evidente. O estudo mostra que o principal usuário dos coletivos são as pessoas que ganham até um salário mínimo. Principalmente nos deslocamentos para trabalho. Elas representam 34%. Quando é considerado o deslocamento de carro, o percentual de utilização entre os mais pobres cai para 0,41%.
A pesquisa deixa mais do que evidente que precisamos inverter prioridades. Planejar as cidades, a infraestrutura e suas redes de transporte priorizando o transporte público. Investir nos ônibus, em calçadas, que são a infraestrutura para as pessoas chegarem na aula. Adotar estratégias para desestimular o uso do carro e da moto. Temos que parar a migração dos usuários do transporte público para o carro e para a moto e, ainda, garantir um sistema que não só segure o seu usuário, mas que atraia novos”, diretor-executivo de Planejamento da Mobilidade do ICPS, Sideney Schreiner
Nos deslocamentos para a educação, feitos pelos mais pobres, o carro mais uma vez não tem vez. É a caminhada que predomina. “A pesquisa deixa mais do que evidente que precisamos inverter prioridades. Planejar as cidades, a infraestrutura e suas redes de transporte priorizando o transporte público. Investir nos ônibus, em calçadas, que são a infraestrutura para as pessoas chegarem na aula. Adotar estratégias para desestimular o uso do carro e da moto. Temos que parar a migração dos usuários do transporte público para o carro e para a moto e, ainda, garantir um sistema que não só segure o seu usuário, mas que atraia novos”, afirmou o diretor-executivo de Planejamento da Mobilidade do ICPS, Sideney Schreiner.
O estudo mostra que, enquanto todos os modais cresceram ou mantiveram a demanda, o ônibus teve uma queda de 6%, numa comparação entre a pesquisa OD realizada pela Prefeitura do Recife em 2016 e a metropolitana. O levantamento também revelou que os horários de pico do sistema de transporte público mudaram. Principalmente à noite, na volta para casa. “Há um grande movimento de passageiros que estão largando após as 19h e, devido à educação, a partir das 22h. Isso precisa ser considerado no planejamento da oferta de transporte, por exemplo. São esses ajustes que vão qualificar as redes e atrair mais passageiros. O mesmo acontece em relação aos deslocamentos em busca de saúde. Quase 90% das pessoas entrevistadas afirmaram que tinham se deslocado para unidades de saúde e hospitais, por exemplo. É preciso ofertar um serviço que atenda a essa demanda”, destaca Schreiner, o coordenador da pesquisa.
O tempo que a população da RMR tem perdido nos deslocamentos por ônibus foi outro aspecto ressaltado no levantamento e mostra que a histórica falta de prioridade aos coletivos no sistema viário continua sem solução. Quase 70% das pessoas que utilizam o ônibus gastam mais de 1h para chegar ao trabalho. Mais de 55% levam entre 1h e 2h. “Por tudo isso essa pesquisa é tão importante. São dados técnicos que oficializam o que nós já sabemos. É um amplo material para guiar o planejamento das cidades. Estamos muito felizes de, após 21 anos, entregar uma pesquisa de OD para a Região Metropolitana do Recife”, vibrou o secretário das Cidades, Francisco Papaléo.
PLANOS DE MOBILIDADE
Com a conclusão da pesquisa, as 15 prefeituras da Região Metropolitana não têm mais desculpa para não elaborarem e concluírem seus Planos de Mobilidade Urbana. Após três adiamentos, a nova data estipulada pelo governo federal para apresentação dos planos será abril de 2019 – se não houver um novo adiamento. As cidades com mais de 100 mil habitantes são obrigadas a elaborar os PMUs, sob risco de não conseguirem pleitear recursos junto à União.
"A gente deveria ter vergonha do nosso País diante dos resultados dessa pesquisa. Ela mostra aos governantes a discrepância das prioridades nos sistemas de transporte. E indica o que fazer, por onde ir", Osvaldo Lima Neto, professor da UFPE e doutor em transporte
“A pesquisa de origem e destino representa 60% dos custos da elaboração de um Plano de Mobilidade Urbana. E, agora, as prefeituras não terão esse custo porque o governo do Estado, junto com a Prefeitura do Recife, está fornecendo esse estudo. E como todo o processo foi digital, não tivemos despesas, o que poderia inviabilizar o trabalho. Ou seja, não há mais desculpas para que os PMUs não sejam elaborados”, alertou Maurício Pina, professor da UFPE e um dos responsáveis pela pesquisa.
METRÔ DO RECIFE
O metrô do Recife teve pouco destaque na pesquisa, o que era esperado porque a presença do sistema metroferroviário na Região Metropolitana do Recife é pequena e há mais de dez anos não sofre qualquer expansão, mesmo a construção de uma estação. Para a Copa do Mundo de 2014 foi construída a Estação Cosme e Damião, na Várzea, Zona Oeste da capital, praticamente no limite do Recife com Camaragibe. O equipamento, entretanto, foi construído entre as Estações Rodoviária e Camaragibe, sem forçar a expansão da rede.
A pesquisa de origem e destino representa 60% dos custos da elaboração de um Plano de Mobilidade Urbana. E, agora, as prefeituras não terão esse custo porque o governo do Estado, junto com a Prefeitura do Recife, está fornecendo esse estudo. E como todo o processo foi digital, não tivemos despesas, o que poderia inviabilizar o trabalho. Ou seja, não há mais desculpas para que os PMUs não sejam elaborados”, Maurício Pina, professor da UFPE e um dos responsáveis pela pesquisa
O metrô corta e atende, além do Recife, apenas outros dois municípios da Região Mteropolitana: Jaboatão dos Guararapes e Camaragibe. Diante dessa realidade, apenas 0,38% dos entrevistados afirmaram usar o metrô para ir ao trabalho e 0,12% para a educação. E, mesmo assim, quase 60% dos usuários afirmaram que kevam entre 1h e 2h no deslocamento de metrô. E no sistema metroferroviário, assim como no por ônibus, as rendas mais baixas predominam: 18% ganham até um salário mínimo e 75% de um a três salários mínimos. Ou seja, novamente são os mais pobres que mais usam e mais necessitam.
OLINDA
A cidade de Olinda é a única cidade do Grande Recife que, pelo menos até agora, já concluiu o Plano de Mobilidade Urbana e o enviou a Brasília. Utilizou, inclusive, os dados da pesquisa de origem e destino da RMR. O levantamento teve início em 2017 e foi finalizado em julho de 2018. A Secretaria de Transportes e Trânsito de Olinda aplicou o estudo nos terminais de integração, ruas, avenidas e ciclovias. O município atingiu, garante a prefeitura, a cobertura necessária, atingindo 95% da zona urbana e 90% da zona rural. Foram entrevistadas 6.366 pessoas com renda a partir de um salário mínimo. A pesquisa levou em consideração a faixa de renda do entrevistado e qual o veículo que ele utiliza para seu deslocamento de casa para o trabalho, cursos ou faculdade.