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Transporte público brasileiro estima perda de 50% dos passageiros com o coronavírus

No sistema da Região Metropolitana do Recife, a queda de demanda registrada até agora já alcançou 28%

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Roberta Soares

Publicado em 18/03/2020 às 12:56 | Atualizado em 16/11/2023 às 15:52
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POR ROBERTA SOARES, DA COLUNA MOBILIDADE

A pandemia provocada pelo coronavírus vai ter impactos negativos e extremamente pesados para o transporte público coletivo do Brasil. Os sinais de alerta já estão acesos. A estimativa é de que o sistema de transporte urbano por ônibus enfrente uma perda de 50% dos passageiros nos próximos meses. O cenário preliminar é projetado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) com base na redução de demanda registrada em algumas capitais apenas esta semana, quando as determinações de suspensão das aulas públicas e privadas, fechamento de estabelecimentos e proibição de aglomerações ganharam efetividade. Os ônibus respondem por 86% das viagens realizadas em modos de transportes coletivos urbanos em todo o País e transportam 43 milhões de pessoas diariamente.

Estamos defendendo a flexibilização temporária da oferta, com readequação da frequência e do número de ônibus, em decisão conjunta com o poder público local. Não faz sentido ter ônibus rodando vazios só para cumprir um planejamento feito antes da pandemia, e que não se aplica mais neste momento
Otávio Cunha, ”, presidente executivo da NTU

No Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife (STPP/RMR), a queda de demanda já alcançou os 28%. Esse percentual foi verificado na terça-feira (17/3), em relação ao mesmo dia da semana anterior. Na segunda (16/3), a queda foi de 24%, comparada com a semana passada. A redução foi registrada pelo Grande Recife Consórcio de Transporte (GRCT). Em dias normais, o sistema metropolitano transporta 1,8 milhão de passageiros por dia.

Ainda segundo cálculos feitos pela NTU, a redução de passageiros nos coletivos nos últimos dias foi de aproximadamente 30% e a estimativa é de que metade desse percentual se deve à suspensão das atividades educacionais e fechamento de escolas. Em São Paulo, por exemplo, o metrô e os trens da CPTM vêm tendo perda de 20%. A queda no número de passageiros também foi verificada pelo aplicativo de transporte Moovit. Na segunda, o número foi 32% menor que a média histórica e, na terça, a redução caiu para 42%.

Diante do cenário, a NTU está solicitando que seja autorizada a redução da oferta de transporte. “Estamos defendendo a flexibilização temporária da oferta, com readequação da frequência e do número de ônibus, em decisão conjunta com o poder público local. Não faz sentido ter ônibus rodando vazios só para cumprir um planejamento feito antes da pandemia, e que não se aplica mais neste momento”, pondera o presidente executivo da NTU, Otávio Cunha.

ARTE JC
KLEBER MONTEIRO - ARTE JC

A entidade argumenta que, numa situação extrema, de limitação de todo e qualquer deslocamento não essencial, como já vem ocorrendo em várias cidades da Europa, grande parte do serviço de transporte público ficará ocioso devido à redução de praticamente toda a demanda. Estaria gerando custo sem receita. Otávio Vieira, entretanto, pontua que não está defendendo a interrupção do serviço. Ao contrário. “Pela natureza essencial desse serviço público, seria necessário manter uma oferta mínima para atender aos passageiros que não têm outra alternativa de deslocamento”, esclarece o presidente executivo da NTU.

QUEM PAGA A CONTA?

O setor empresarial, lógico, está pensando em quem vai pagar a conta quando a pandemia passar. E, como em transporte público num País que conta nos dedos o subsídio público repassado ao setor essa conta sempre sobra para o passageiro, as perspectivas são as piores. Em paralelo, é preciso considerar a queda de demanda histórica do transporte coletivo no País – em um ano, entre abril de 2018 e abril de 2019, o setor perdeu 12,5 milhões de passageiros. Na RMR, a queda foi de 5%, em média.

HISTÓRICO DE PERDA DE PASSAGEIROS DO TRANSPORTE POR ÔNIBUS EM PE

2014 - 393.622.109

2015 - 375.146.513

2016 - 350.402.678

2017 - 310.574.294

2018 - 306.247.654

2019 - 291.019.423

A NTU diz reconhecer a responsabilidade social do setor de transporte público coletivo em ofertar um serviço que atenda os atributos de universalidade, continuidade e preços módicos, mas enxerga grandes dificuldades pela frente. “Estamos falando de um setor responsável por quase 90% das viagens realizadas em modos de transportes coletivos urbanos em todo o Brasil. Devemos seguir todas as recomendações das autoridades públicas sobre a oferta dos serviços, mas, para isso, é preciso ter garantido o equilíbrio financeiro das operações, visto que, de forma geral, as empresas estão debilitadas, já que enfrentam há tempos uma crise decorrente da queda sistemática de demanda, e não vão aguentar mais esse baque”, reforçou.

A redução da oferta de transporte público seria pior. O momento é de colocar os trabalhadores, dentro do possível, em home office, e escalonar os horários de entrada e de saída daqueles que precisam estar presentes. O transporte público é quase um depositório de vírus e não sabemos a real eficiência desse processo de higienização que está sendo feito devido à quantidade de pessoas que entram e se seguram nas estruturas dos coletivos, por exemplo
Raquel Stucchi, médica-infectologista

Em relação ao transporte público da Região Metropolitana do Recife, o foco tem sido nas medidas de higienização dos coletivos – mais eficientes na visão do governo do Estado do que na dos infectologistas e dos passageiros pela capacidade de limpeza efetiva que será possível fazer entre as viagens. Sobre medidas mais efetivas relacionadas à queda de demanda, pelo menos por enquanto nenhum posicionamento oficial. Extraoficialmente, sabe-se que o setor empresarial já teria solicitado a redução da frota, o que estaria sendo analisado pelo governo, mas num contexto de remanejamento de frota. Há informações de empresas que estariam antecipando as férias de motoristas e cobradores contando com essa redução, mas nada oficial. Pelo menos por enquanto.

Segundo o secretário de Desenvolvimento Urbano (Seduh), Marcelo Bruto, a redução do serviço na Região Metropolitana do Recife está sendo analisada, sim, porque a queda de demanda tem sido acelerada no transporte do Grande Recife. “Estamos tendo conversas com o setor empresarial paara ver o que pode ser feito para não prejudicarmos as linhas que continuam com muita demanda. Passei por seis terminais integrados nesta quarta-feira (18/3) e, de fato, temos linhas com pouco movimento e outras que estão com um volume alto de passageiros. Por isso, nossa intenção é reduzir algumas linhas e manter as de maior demanda deixando uma frota reserva à disposição”, explicou Marcelo Bruto.

 

 

REDUÇÃO DE FROTA É PIOR

Para infectologistas, a redução da frota de transporte público é uma péssima solução no momento de pandemia. Pode ser eficiente sob o aspceto financeiro, mas não como medida para combater a propagação do coronavírus. Segundo a médica-infectologista Raquel Stucchi, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e que atua em São Paulo, o risco de, com a redução de ônibus e metrôs, haver uma maior concentração de passageiros, é alto.

“Isso seria pior. O momento é de colocar os trabalhadores, dentro do possível, em home office, e escalonar os horários de entrada e de saída daqueles que precisam estar presentes. O transporte público é quase um depositório de vírus e não sabemos a real eficiência desse processo de higienização que está sendo feito devido à quantidade de pessoas que entram e se seguram nas estruturas dos coletivos, por exemplo”, pontua.

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Otávio Cunha, ”, presidente executivo da NTU
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A redução da oferta de transporte público seria pior. O momento é de colocar os trabalhadores, dentro do possível, em home office, e escalonar os horários de entrada e de saída daqueles que precisam estar p

Raquel Stucchi, médica-infectologista

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