É preciso ver com tristeza e preocupação o rumo que as relações entre rodoviários, empresários de ônibus e governo do Estado seguiu. A votação apertadíssima do Tribunal Regional do Trabalho (TRT da 6ª Região), quando, por um único voto de diferença, a greve realizada em protesto ao descumprimento de um acordo firmado um mês antes, foi julgada abusiva, reforça essa percepção. Que, do jeito que a situação caminha, os problemas estão apenas sendo adiados, jogados para debaixo do tapete por todos e, em breve, voltarão a explodir no colo da população.
Não discutir o problema da dupla função no sistema de ônibus da RMR pode e deve ser visto como um ato de omissão do governo do Estado, gestor do sistema de transporte e, por isso, responsável direto por tudo que acontece com ele. E não só dele. De toda a sociedade, usuária ou não dos ônibus. E também das instituições públicas, que têm o papel de fiscalizar o cumprimento das leis e o cuidado com o cidadão, como o Ministério Público de Pernambuco (MPPE). Que o setor empresarial evite a discussão, é compreensível porque, como operadores, nunca vão ter interesse em puxar o movimento. Ainda mais no meio de uma pandemia, que ainda segura 30% da demanda de passageiros do sistema, em queda há uma década, pelo menos. Mas o Estado e o MPPE precisam puxá-lo.
O governo do Estado principalmente, já que foi ele quem autorizou a retirada dos cobradores de todas as linhas em julho, deixando de lado todo critério técnico que vinha segurando desde 2015, quando o processo começou na Região Metropolitana do Recife. É preciso reconhecer que foi uma estratégia para tentar reduzir a diferença entre receita e despesa do sistema, mas não deu certo. Só piorou ainda mais a imagem e o nível do serviço oferecido ao passageiro - que precisa ser visto como cliente pelo setor.
É preciso entender que estão em questão duas coisas diferentes. Uma, é a retirada e a volta dos cobradores. A outra, é a dupla função de motoristas. É possível uma linha não ter o cobrador, sem necessariamente o motorista precisar atuar na dupla função. Para isso, existe a tecnologia, que facilita a universalização do pagamento digital no transporte público. E não é de hoje. Pernambuco é quem está atrasado. É claro que tecnologia significa investimento e investimento precisa de dinheiro. Que recursos sejam aplicados, então. Num cenário de pandemia, uma crise sanitária resultante do abandono do meio ambiente pelo homem, não é mais aceitável que o transporte público coletivo ainda siga sendo o vira-lata das cidades. Esse pensamento não é mais admissível. Muito mais por gestores e fiscalizadores públicos.
Que seja feito o investimento que o transporte público coletivo necessita. Em Pernambuco e no Brasil.
Tentar segurar a ira dos rodoviários - compartilhada, inclusive, por sete dos desembargadores que não viram a greve como abusiva, o que mostra a percepção do problema em diferentes classes sociais - com uma decisão liminar do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) ou um parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE) não tem parecido dar certo. Ao contrário, tem aumentado entre a categoria o sentimento de “estelionato eleitoral”, como apregoado pelo Sindicato dos Rodoviários.
É preciso sentar e encontrar uma solução equilibrada. Um meio termo. É possível. A dupla função é castigante em linhas com demanda de dinheiro. Só sabe o que é quem utiliza o sistema. É difícil ter atenção no volante - ainda mais de um veículo grande -, cuidar do embarque e desembarque de passageiros, e ainda fazer conta para passar o troco. Não é para qualquer linha nem para qualquer profissional. Isso é fato.
Mas também é fato que a substituição da figura do cobrador é um caminho sem volta. Tendência mundial e nacional. E algo racional em muitas linhas nas quais o uso da bilhetagem eletrônica é predominante. E o sistema tem como identificar isso. A tecnologia permite. Mesmo com a bilhetagem eletrônica sobre gestão e controle da Urbana-PE, o Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM) tem acesso às informações. Ou seja, é possível encontrar um meio termo. Um ponto de consenso. Com boa vontade de todas as partes, é possível. E chegou a hora.
Caso contrário, 2021 será um ano infernal. Com protestos, manifestações e atos de motoristas de ônibus realizados mês após mês. Em 2020, segundo contagem da própria Urbana-PE (o sindicato das empresas de ônibus), foram 15 eventos diferentes. E janeiro, tradicionalmente, é o mês do realinhamento tarifário, como o setor define o aumento da passagem. Ou seja, mais manifestações previstas. E a população, o passageiro que paga caro pelo serviço, sofrendo no meio de tudo.
Não é justo.
Não é justo.
Ainda mais no meio de uma pandemia.
Por isso, tenhamos bom senso. É possível chegar a um consenso!