Rodovias que perdoam: quando o erro humano pode ser perdoado nas estradas
Elas podem salvar vidas na prática. Reduzem a fatalidade no trânsito num País que mata mais de 40 mil pessoas por ano e mutila outras 350 mil
Rodovias não levam apenas desenvolvimento, dignidade e justiça social aonde chegam. Quando bem construídas e seguras, salvam vidas. Vão além dos sonhos, da oportunidade social e profissional para as cidades e seus moradores. Elas podem salvar vidas na prática. Reduzem, principalmente, a fatalidade das sinistralidades no trânsito (ou seja, as mortes e as lesões graves), algo almejado num País que mata mais de 40 mil pessoas por ano e deixa outras 350 mil inválidas permanentemente por ano em suas estradas, avenidas e ruas.
São as chamadas Rodovias que Perdoam, um conceito que parte do princípio de que as rodovias precisam ter mais do que asfalto e sinalização. Precisam perdoar os erros dos motoristas e, assim, evitar mortes ou lesões graves.
Você já ouviu falar de Rodovias que Perdoam?
O conceito é simples e relativamente barato para os efeitos que proporciona: uma rodovia que perdoa é aquela que tem infraestrutura pensada para prevenir ou minimizar grande parte dos sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo a ABNT).
Com dispositivos variados, que são implantados na malha já construída e cada vez mais inseridos nos projetos das novas concessões rodoviárias, o conceito minimiza o impacto dos erros de condutores ao volante. Dão uma segunda chance a motoristas, motociclistas e passageiros.
A adoção do conceito, inclusive, é urgente no País, que ainda está longe de um uso mínimo dos dispositivos. É um sonho distante, constatado pela Confederação Nacional do Transporte no Painel CNT de Rodovias que Perdoam, inédito, lançado em maio deste ano, e que aponta as rodovias que mais mitigam as consequências dos sinistros de trânsito para os usuários. A ferramenta atribuiu à malha rodoviária nível alto, médio ou baixo do chamado Índice de Perdão, a partir de recortes regionais, estaduais e por rodovias, além de tipos de jurisdição e gestão.
FATALIDADE NAS ESTRADAS É MAIOR DO QUE NAS VIAS URBANAS
A importância da adoção de dispositivos do conceito Rodovias que Perdoam no País é urgente porque são, nas estradas que cortam o País - sejam federais ou estaduais - onde a sinistralidade e a fatalidade das colisões são mais fortes. Isso porque a velocidade permitida e desenvolvida pelos condutores é muito mais alta do que nas vias urbanas.
Números da Polícia Rodoviária Federal (PRF) - uma das poucas instituições de trânsito do País que ainda conseguem passar dados efetivos sobre a matança no trânsito brasileiro, embora haja subnotificação das vítimas que morrem nas unidades de saúde - comprovam o papel que as rodovias têm nas estatísticas da violência do trânsito no Brasil.
Somente em 2023, foram 67.723 sinistros de trânsito registrados nas rodovias federais do País, segundo os dados abertos da PRF. Que resultaram em 5.621 mortos no local das colisões e 156.826 - muitos dos quais devem ter morrido nas unidades de saúde para onde foram socorridos.
“O objetivo do Painel CNT de Rodovias que Perdoam foi produzir conhecimento para o transportador e a sociedade. O Índice de Perdão é inédito e pode ajudar bastante na projeção e construção de rodovias. Embora o conceito tenha surgido ainda nos anos 1960, nos Países Baixos, chegando à Europa e aos EUA, ainda precisa avançar muito no País”, alerta o gerente executivo de Desenvolvimento do Transporte da CNT, Tiago Veras.
CONFIRA o Painel CNT de Rodovias que Perdoam
Tiago Veras pontua, ainda, que as Rodovias que Perdoam têm dois princípios básicos. “O primeiro deles é o conceito Visão Zero, ou seja, nenhuma morte no trânsito é aceitável. E o segundo é que, o ser humano pode errar, mas os dispositivos de segurança vão reduzir esse erro. Podem até anulá-lo”, destaca.
MENOS DE 20% DA MALHA RODOVIÁRIA DO PAÍS FAZ USO CORRETO DO CONCEITO RODOVIAS QUE PERDOAM
E os resultados são assustadores porque mostram o desafio que o Brasil tem pela frente para conseguir adotar o conceito Rodovias que Perdoam em sua malha rodoviária. De forma geral, o País tem apenas 21.806 km de alto perdão, enquanto 37.673 km estão em condições de baixo perdão e 52.023 km com médio perdão. De uma malha rodoviária de 111 mil km, avaliada na Pesquisa CNT de Rodovias 2023.
O cenário é ainda pior nas estradas sob gestão pública. Apenas 6,4% das rodovias públicas foram conceituadas com alto perdão (ou seja, têm dispositivos de segurança no conceito Rodovias que Perdoam), enquanto a performance de 43,5% foi considerada como baixo perdão (não têm os dispositivos).
Por outro lado, as rodovias concedidas é que ainda salvam o País. Foram as que apresentaram melhor desempenho no Índice de Perdão do Painel CNT de Rodovias que Perdoam. 62,5% da malha concessionada recebeu o índice de alto perdão, enquanto apenas 2,0% foi avaliado com baixo perdão.
Confira os números gerais do Painel CNT de Rodovias que Perdoam:
21.806 km de rodovias do Brasil têm ALTO ÍNDICE DE PERDÃO, o equivalente a 19,6% da malha nacional
52.023 km de rodovias têm MÉDIO ÍNDICE DE PERDÃO, o equivalente a 46,7% da malha nacional
37.673 km de rodovias têm BAIXO ÍNDICE DE PERDÃO, o equivalente a 33,8% da malha nacional
RANKING DAS RODOVIAS QUE PERDOAM
Alto Índice de Perdão
Ranking 10+ Rodovias que Perdoam - Índice de Perdão - Alto - Médio - Baixo
- SP-334 (São Paulo) - Estadual - Concedida - 89 Km - 100,0% - 0,0% - 0,0%
- BR-381 (Santa Catarina) - Federal - Concedida - 89 Km - 96,6% - 3,4% - 0,0%
- BR-101 (Santa Catarina) - Federal - Concedida - 485 Km - 96,5% - 2,5% - 1,0%
- SP-021 (São Paulo) - Estadual - Concedida - 138 Km - 100,0% - 0,0% - 0,0%
- BR-116 (São Paulo) - Federal - Concedida - 554 - 96,6% Km - 3,4% - 0,0%
- SP-065 (São Paulo) - Estadual - Concedida - 147 km - 100,0% - 0,0% - 0,0%
- SP-075 (São Paulo) - Estadual - Concedida - 79 Km - 100,0% - 0,0% - 0,0%
- BR-050 (São Paulo) - Estadual - Concedida - 511 Km - 94,7% - 5,3% - 0,0%
- SP-160 (São Paulo) - Estadual - Concedida - 73 Km - 98,6% - 1,4% - 0,0%
- SP-021 (São Paulo) - Federal - Concedida - 204 Km - 87,3% - 12,7% - 0,0%
Baixo Índice de Perdão
Ranking 10- Rodovias que Perdoam
- BR-317 (Amazonas) - Federal - Pública - 70 Km - 0,0% - 0,0% - 100,0%
- MA-034 (Amazonas) - Estadual - Pública - 138 Km - 0,0% - 6,5% - 93,5%
- BR-359 (Goiás) - Estadual - Pública - 113 Km - 0,0% - 26,5% - 73,5%
- BR-324 (Piauí) - Estadual - Pública - 252 Km - 0,0% - 7,9% - 92,1%
- GO-174 (Goiás) - Estadual - Pública - 191 Km - 0,0% - 38,2% - 61,8%
- AM-010 (Amazonas) - Estadual - Pública - 253 Km - 0,0% - 0,0% - 100,0%
- AC-010 (Acre) - Estadual - Pública - 68 Km - 0,0% - 14,7% - 85,3%
BR-210 (Roraima) - Federal - Pública - 98 Km - 0,0% - 10,2% - 89,8%
- TO-335 (Tocantins) - Estadual - Pública - 183 - 0,0% - 0,0% - 100,0%
- MA-006 (Maranhão) - Estadual - Pública - 556 Km - 0,0% - 14,4% - 85,6%
Obs: O trecho estadual da BR-359, em terceira colocação das três piores ranqueadas, na verdade pertence a GO-341 (GO-341/BR-359 na nomenclatura CNT).
AUSÊNCIA DOS DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA É ANTIGA E DEIXA PASSIVO NA MALHA RODOVIÁRIA DO PAÍS
O passivo que o Brasil tem em relação aos dispositivos de segurança que fundamentam o conceito Rodovias que Perdoam é antigo, ruim e comprovado por outros estudos sobre o tema, além do Painel da CNT. Levantamento da Associação Brasileira de Segurança Viária (Absev), divulgado ainda em 2020, mostrava que 48,6% das rodovias federais brasileiras não contavam com dispositivos de segurança viária, embora fossem necessários devido aos índices de colisões, óbitos e ferimentos registrados nelas.
A mesma entidade alertou, na época, que o custo com as mortes e mutilações provocadas pelo trânsito brasileiro (40 mil pessoas mortas e outras 350 mil inválidas permanentemente a cada ano) representava de 1% a 3% do PIB do País. Em 2020, os eventos de trânsito nas rodovias federais brasileiras corresponderam a R$ 10,2 bilhões, segundo a CNT.
ENTENDA O PAINEL CNT RODOVIAS QUE PERDOAM
O Índice de Perdão, criado pela CNT, surgiu a partir da relação entre as consequências dos sinistros e as características físicas das rodovias. Na prática, o Índice de Perdão verifica, para os diferentes trechos rodoviários, as potenciais consequências para as pessoas envolvidas nos sinistros. Se os efeitos são menos graves, as rodovias são consideradas de nível de perdão “alto”, o caso contrário é denominado como nível “baixo” de perdão da rodovia.
O painel é interativo e permite analisar a capacidade de perdão das rodovias brasileiras, ou seja, o quanto a infraestrutura rodoviária é capaz de mitigar as consequências dos sinistros, caso ocorram.