Crise no transporte público: serviço com motos, como Uber e 99 Moto, está fazendo passageiro abandonar o ônibus
Essa perigosa migração - que vem sendo constatada na explosão dos números de mortes e mutilações de ocupantes de motos - foi validada pela CNT
Um estudo da Confederação Nacional do Transporte (CNT) constatou o que todo brasileiro já vê e sente nas ruas: as pessoas abandonaram e seguem abandonando o transporte público coletivo pelos aplicativos de mobilidade no País. E, desde o fim de 2021 - precisamente, a partir de 2022 -, estão trocando os ônibus pelo serviço de transporte com motocicletas, como Uber e 99 Moto.
Essa perigosa migração - que vem sendo constatada na explosão dos números de quedas, colisões, mortes e mutilações de ocupantes de motos na saúde pública - foi validada na atualização da Pesquisa CNT de Mobilidade da População Urbana, lançada nesta quarta-feira (7/8), durante o Seminário Nacional de Transporte, realizado em São Paulo pela Associação Nacional das Empresas de Transporte de Transportes Urbanos (NTU) e que está sendo acompanhado pela Coluna Mobilidade.
Os números da migração assustam, acendem um alerta e exigem uma reação urgente do poder público em todas as suas esferas. Isso porque os prefeitos têm o poder e a obrigação legal de proibir ou regulamentar o serviço de mototáxi, os governadores têm responsabilidade porque estão pagando a conta da saúde pública, e o governo federal poderia criar regras nacionais para, ao menos, tornar o serviço mais seguro.
CONCORRÊNCIA COM OS APLICATIVOS É QUASE DESONESTA PARA OS ÔNIBUS
A Pesquisa CNT constatou que os serviços de viagens oferecidos por aplicativos - nesse caso, carros e motos - têm grande responsabilidade pela fuga do passageiro do transporte público.
A modalidade teve uma evolução expressiva, passando de 1,0%, em 2017, para 11,1%, em 2024. E o crescimento foi verificado, principalmente, na população de baixa renda. Segundo a pesquisa da CNT, dentre as pessoas que substituíram o ônibus pelos aplicativos de transporte, 56,6% pertencem à classe C e 20,1% às classes D/E.
“Essa evolução é um dos fatores que contribuem para a substituição do transporte coletivo pelo privado com motos, uma vez que, neste ano, 56,9% dos entrevistados confirmaram que deixaram de usar totalmente o ônibus (29,4%) ou diminuíram o uso (27,5%)”, alerta Bruno Batista, diretor executivo da CNT e coordenador da pesquisa.
INSEGURANÇA DAS VIAGENS DE APLICATIVOS
A migração do brasileiro para o Uber e 99 Moto é tão assustadora que, nem mesmo o risco iminente de se envolver em sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo a ABNT), é suficiente para fazer com que a população desista de fazer viagens nos apps de moto.
A Pesquisa CNT constatou que mais da metade das pessoas que usam Uber e 99 Moto apontam o risco de quedas e colisões na garupa do veículo - 58,5%. A falta de equipamentos adequados de segurança - EPIs e, principalmente, capacetes adequados e seguros - também pesa para 17,1% dos entrevistados.
“Em 2017, o percentual de pessoas que usavam aplicativos era de 1%. Agora, sete anos depois (e com o surgimento, no fim de 2021, da modalidade com motos) é de 11%. Esse crescimento acaba traduzindo um anseio da população por um transporte mais rápido, confiável e com maior nível de conforto (pelo menos no caso dos apps com carros)”, segue alertando.
Outro aspecto colocado por Bruno Batista - e que precisa ser considerado por todos, usuários ou não do transporte público coletivo no Brasil - é o impacto dessa migração para os apps de transporte, especialmente, de motos, para a mobilidade e a qualidade de vida nas cidades.
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“Isso porque, quando um usuário deixa o ônibus e compra uma moto ou passa a usar os apps de motos, estimulando mais veículos circulando nas vias urbanas, ele piora o sistema como um todo. As cidades sofrem”, reforça.
A migração para os serviços de aplicativos de transporte com motos, inclusive, tem acontecido com força mesmo com o aumento do custo de se transportar com esses veículos. A Pesquisa CNT de Mobilidade Urbana aponta que o custo subiu mais de 10% em relação a 2017 e, mesmo assim, a população tem deixado o ônibus pelas motos.
“Apesar da insatisfação da população com o transporte coletivo, é importante alertar sobre a questão da segurança. Toda vez que um passageiro faz uma viagem de moto, a exposição ao risco é mais alto. É importante destacar que os veículos que mais se envolvem em sinistros de trânsito nas áreas urbanas são as motos. Por isso os sistemas de transporte precisam valorizar a segurança que oferecem e mostrar isso à população para que ela entenda que o transporte público é essencial para todos”, reforça Bruno Batista.
A primeira versão da Pesquisa CNT de Mobilidade da População Urbana foi realizada em 2017, sendo atualizada agora, em 2024. Mais de 3 mil entrevistas foram realizadas em 35 municípios do País.
AVALIAÇÃO NEGATIVA DO TRANSPORTE PÚBLICO QUASE DOBROU
O transporte público brasileiro segue com uma imagem negativa pelo País e vai ser tarefa árdua reverter esse quadro. Em comparação com a edição anterior da Pesquisa CNT, realizada em 2017, a parcela da população que considera o transporte um problema quase dobrou.
Em sete anos passou de 12,4% para 24,3%. O percentual de pessoas que utilizam o ônibus também diminuiu. Neste ano, o quantitativo é 14,3% menor na comparação com 2017, quando a parcela que utilizava esse veículo era de 45,2%. Os sistemas de metrô, por outro lado, tiveram uma redução bem menor - o que pode ser explicado pela previsibilidade e agilidade que os sistemas sobre trilhos têm: a redução foi de 4,6% para 4,2%.
Fatores que podem ter influenciado a queda são o aumento da utilização do carro próprio, que passou de 22,2% para 29,6% no período, e a obtenção de moto própria, que também teve um salto significativo. A utilização desta mais que duplicou, saltando de 5,1% para 10,9% em sete anos.
MAIS CONFORTO NO TRANSPORTE, MESMO QUE CUSTE MAIS CARO
Embora o valor das passagens seja um fator que também influencia na fuga do passageiro - mais de 60% apontam que a redução da tarifa seria um atrativo para voltar ao sistema -, um dos resultados que chama atenção na Pesquisa CNT é que existe uma boa parcela dos passageiros que estaria disposta a pagar mais para dispor de viagens mais confortáveis e menos impactantes ao meio ambiente.
Confira a Pesquisa CNT de Mobilidade Urbana na íntegra:
Pesquisa de Mobilidade Urba... by Roberta Soares
A pesquisa indica que mais de 57% dos entrevistados estão dispostos a pagar uma tarifa mais cara para viajarem somente sentados nos ônibus. Em relação à sustentabilidade, 52,6% afirmaram estar dispostos a pagar uma tarifa diferenciada por uso de veículos menos poluentes e 32,1% por ônibus elétricos.