Desafios do Recife: Uber e 99 Moto precisam ser enfrentados pelo futuro prefeito do Recife
JC aborda, na série Desafios do Recife, os principais enfrentamentos que o futuro prefeito do Recife terá na mobilidade urbana da capital
O futuro prefeito do Recife não terá como escapar de um grande problema da mobilidade urbana atual da cidade: a insegurança dos aplicativos de transporte de passageiros com motos, como Uber e 99 Moto. Esse impopular e polêmico tema terá que ser enfrentado por quem vier a comandar o município. Não será possível adiar mais, como vem acontecendo.
O novo prefeito terá que decidir se proíbe de vez o transporte de passageiros com motos - já que o Recife nunca regulamentou o serviço de mototáxi na cidade - ou se irá encarar o processo de regulamentação. Um desafio ainda maior, já que até hoje o município não conseguiu, sequer, efetivar a regulamentação do serviço de aplicativo operado por carros embasada na Lei Municipal 18.528/2018.
Algo precisará ser feito - e com urgência. Os números de quedas e colisões com motoqueiros e, agora mais do que nunca, com passageiros das motos, têm explodido na capital e nas cidades onde o serviço está disponível. Instituições de saúde em geral têm feito alertas sobre o crescimento assustador das vítimas socorridas nas vias públicas e atendidas nas unidades de trauma.
RECIFE É A CIDADE COM MAIS VÍTIMAS DAS MOTOS NA REGIÃO METROPOLITANA
Entre essas instituições, o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) é o que apresenta dados mais assustadores. Pela segunda vez, e desde que os apps com motos, como Uber e 99 Moto, começaram a operar na capital (a partir de 2022), os números confirmam uma explosão da má condução de motocicletas no trânsito da Região Metropolitana do Recife e, principalmente, da capital pernambucana.
Foram 2.464 casos a mais de atendimentos a ocupantes de motos - condutor e passageiro - nos 14 municípios da Região Metropolitana do Recife em 2023. A comparação é com o ano de 2022. E, como já dito, a capital se destaca.
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Somente no Recife, foram registrados 1.322 atendimentos a mais no mesmo período. Quando o recorte é comparado com o ano de 2021, os números são ainda mais impressionantes. A RMR registrou, em 2023, 3.048 casos a mais, enquanto a capital pernambucana teve quase dois mil casos a mais (1.879).
Vale destacar que as plataformas criaram o Uber e 99 Moto no fim de 2021 como solução à crise econômica e a perda de motoristas parceiros e passageiros devido à pandemia de covid-19. A primeira cidade foi Aracaju, capital de Sergipe. Em Pernambuco, o serviço de Uber e 99 Moto começou no início de 2022 - o que confirma a relação direta com o crescimento dos números no Grande Recife.
E a tragédia sobre duas motos segue em 2024. Números do SAMU computados nos três primeiros meses deste ano confirmam: já são 2.492 atendimentos de ocupantes de motos na RMR , dos quais 1.469 foram no Recife.
DISPUTA JUDICIAL VIROU A DESCULPA PERFEITA PARA NÃO ENFRENTAR O PROBLEMA
Até agora, a atual gestão da prefeitura tem escapado do tema sob o argumento de que aguarda uma decisão judicial que, agora, está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF) por decisão do próprio município.Desde 2020, antes mesmo de as plataformas criarem o serviço de transporte de passageiros com motos, como Uber e 99 Moto, o Recife não conseguia fazer a fiscalização dos aplicativos.
Embora tenha uma legislação aprovada desde 2018 - criada para regular apenas os carros de apps, já que o serviço com motos nem existia -, a capital foi impedida de realizar a fiscalização pela Justiça de Pernambuco e a legislação - aprovada dois anos antes - ser engavetada.
Essa situação segue até hoje, com o serviço sem sofrer qualquer fiscalização da Prefeitura do Recife - à exceção das regras de trânsito, como qualquer condutor e veículo. Na época, a plataforma 99 entrou com uma ação judicial para impedir que a prefeitura da capital a proibisse de operar no Carnaval, já que não tinha cadastrado o serviço de transporte por aplicativo no município, como determina a Lei Municipal 18.528/2018.
A princípio, a ação era para garantir a operação na folia, mas o entendimento do juiz da 4° Vara da Fazenda Pública da Capital, Djalma Andrelino Nogueira Júnior, foi de que o município deveria se abster de qualquer fiscalização. O município do Recife recorreu da decisão e depois de apelar à segunda instância judicial, no Tribunal de Justiça de Pernambuco, decidiu ir para o STF.
PREFEITOS TÊM OBRIGAÇÃO LEGAL SOBRE O SERVIÇO COM MOTOS
Outra razão para que o futuro prefeito do Recife não se esquive de resolver o problema dos apps de transporte de passageiros com motos é a lei. Especialistas da área, como a Associação Nacional de Transporte Públicos (ANTP), entidade referência no estudo da mobilidade urbana no País e uma das que tem feito alertas sobre os riscos do Uber e 99 Moto, lembra que - além da sensibilidade e respeito à vida das pessoas - que estão se ferindo e morrendo cada vez com mais frequência nas avenidas e até rodovias - os prefeitos têm obrigação legal de legislar sobre o tema.
Não é o Estado. A competência constitucional é dos municípios - o que faz toda a diferença na solução do problema. “A regulação deste tipo de atividade – transporte remunerado de passageiro em motocicleta – é da competência constitucional do Município. No âmbito federal, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estabelece apenas os requisitos exigidos para o licenciamento da motocicleta para fins de transporte de mercadorias, como também exigências para a habilitação do condutor”, alerta o superintendente da ANTP, Luiz Carlos Néspoli.
ESPECIALISTAS SÃO CONTRA A REGULAMENTAÇÃO DO TRANSPORTE COM MOTOS
A ANTP defende que, do ponto de vista das competências, o melhor seria os prefeitos não autorizarem a regulamentação do serviço de mototáxi em suas cidades. E o mesmo deve ser feito pelos prefeitos das aglomerações urbanas, no caso, as regiões metropolitanas, como o Grande Recife, por exemplo.
“Isso porque, interpretando a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), a responsabilidade total pelo transporte de passageiros recai sobre o motociclista cadastrado no aplicativo, em geral alguém, que não tem a mínima condição de responder pelas consequências dos seus atos”, reforça Néspoli.
“E como as empresas de aplicativos não se responsabilizam pelas consequências, afirmando que não são empresas de transporte, mas apenas de tecnologia, exatamente a tese respaldada pelo STF, todo o ônus dos atendimentos, quedas, colisões, mutilações e até mortes dos ocupantes de Uber e 99 Moto recaem sobre o poder público”, finaliza.
SÃO PAULO, POR EXEMPLO, PROIBIU UBER E 99 MOTO E AMEAÇOU DESCREDENCIAR OS CARROS
O medo do impacto das quedas e colisões na saúde pública - como vem acontecendo no Recife e em todas as cidades onde o serviço de Uber e 99 Moto opera - fez com que a Prefeitura de São Paulo proibisse o serviço de transporte de passageiros por aplicativo com motocicletas. No início de 2023, quando as plataformas de aplicativos de transporte ensaiaram lançar o serviço de Uber e 99 Moto na capital paulista, a gestão municipal proibiu e o fez sob ameaças públicas - vale destacar.
A prefeitura divulgou abertamente que a cidade não autorizava o transporte de mototáxi que, embora as plataformas insistam em dizer que não se enquadram no modelo, é o mesmo serviço, só que com outro nome. E publicou o Decreto 62.144/23 do prefeito Ricardo Nunes, suspendendo o serviço de mototáxi e de transporte de passageiros por moto via aplicativo.
MEDO DOS SINISTROS DE TRÂNSITO E DO IMPACTO NA SAÚDE PÚBLICA
A suspensão era oficialmente temporária, mas o decreto, assinado em fevereiro de 2023, até agora não foi revogado pela gestão municipal. E a razão para a proibição ser mantida foi exatamente o medo das mortes e ferimentos provocados pelos sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo a ABNT) com passageiros e condutores de motos e o custo deles à saúde pública.
AMEAÇA DE DESCREDENCIAMENTO DAS PLATAFORMAS
A Prefeitura de São Paulo chegou, inclusive, a ameaçar descredenciar as plataformas que operam na cidade - em São Paulo a regulamentação dos aplicativos está em vigor desde 2015, com as empresas sujeitas à fiscalização -, caso iniciassem a operação com motocicletas.
RECIFE CHEGOU A CLASSIFICAR O SERVIÇO COMO CLANDESTINO, MAS MUDOU O DISCURSO
Apesar de o serviço de aplicativos no Recife não ter qualquer controle do poder público até hoje - sejam motos ou carros -, a capital, acreditem, teve um discurso semelhante ao de São Paulo, ainda no fim de 2021, quando o Uber Moto estreou no País por Aracaju, capital de Sergipe, no Nordeste - região onde os aplicativos mais disseminaram o transporte de passageiros usando motos.
No fim de 2021, quando a Uber lançou o Uber Moto em Aracaju, já sinalizando que iria crescer pelo Nordeste, a Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) afirmou que: “A legislação que regulamenta o transporte por aplicativo prevê apenas veículos de passeio. Quaisquer outros meios de transporte por aplicativo, portanto, são proibidos. E como não existe no âmbito municipal uma legislação que regulamente o mototáxi, a orientação da legislação é seguir apenas com o uso de veículos de passeio", disse oficialmente.
Ou seja, para que o Uber Moto operasse legalmente na capital seria necessário criar uma legislação específica para isso ou promover uma alteração da Lei Municipal 18.528/2018, que regulamentou o transporte remunerado individual privado de passageiros intermediados por plataformas digitais no município do Recife.
Um projeto de lei teria que ser aprovado na Câmara Municipal do Recife e sancionado pelo prefeito João Campos (PSB). Já nas cidades onde o mototáxi é validado - caso a Uber queira entrar -, a briga seria semelhante à travada entre motoristas de aplicativo e os taxistas.
Mas depois o discurso da PCR mudou e os aplicativos de transporte de passageiros com motos só crescem na capital, em diversas cidades da Região Metropolitana - como Olinda e Jaboatão dos Guararapes - e nos municípios polos do interior do Estado.