Fim do DPVAT: no Brasil, o seguro das vítimas é extinto e o extintor dos carros pode voltar. Que País é esse?
No País do Uber e 99 Moto, com o número de mortos e mutilados explodindo, deputados fazem acordo político e deixam a conta para as vítimas do trânsito
A conta sempre cai no colo do menos privilegiado e mais pobre no Brasil. E mais uma vez isso acontece. O País que mata 35 mil pessoas no trânsito todos os anos e virou a nação do Uber e do 99 Moto - vendo os números de vítimas explodirem com o crescimento dos aplicativos de transporte com motocicletas -, vai acabar com a única ajuda financeira certa que os mutilados e as famílias dos mortos contavam e poderá trazer de volta a obrigatoriedade dos extintores de incêndio veiculares. Acredita?
O mais recente acordo político entre deputados federais no Congresso Nacional matou e sepultou a tentativa de recriar o Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT), o antigo DPVAT, que voltaria a ser cobrado dos motoristas em geral a partir de 2025. Se a proposta for confirmada pelos senadores e sancionada pelo presidente Lula (PT), não haverá a volta da cobrança.
O boicote que muitos Estados fizeram ao longo do ano surtiu efeito e o texto aguarda apenas a sanção do governo. Ao todo 21 Estados – entre eles São Paulo – e o Distrito Federal tinham definido que não cobrariam o SPVAT. Pernambuco ainda não se posicionou oficialmente. A lei, entretanto, determinava que o pagamento do valor era obrigatório e que a não quitação impediria licenciar o veículo.
Na prática, a recusa dos gestores estaduais teria apenas efeito político porque os condutores teriam que quitar o débito. Mas se a revogação for sancionada pelo presidente Lula (PT), serão as vítimas do trânsito que ficarão entregues à própria sorte.
VÍTIMAS DO TRÂNSITO TERÃO QUE RECORRER À JUSTIÇA
As vítimas do trânsito ficarão à própria sorte e terão que recorrer judicialmente para receber algum tipo de ajuda financeira. A extinção do SPVAT tem sido bastante criticada por quem lida com a segurança viária.
“O DPVAT, em um País como o nosso, em que vítimas de sinistros de trânsito com sequelas permanentes são registradas a cada minuto e uma pessoa morre a cada 15 minutos, ele tem uma importante função social, visto que para algumas famílias, o que podem receber de indenização é tudo o que tem para um recomeço pós sinistro de trânsito”, alerta Renato Campestrini, advogado especialista em trânsito.
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“Não dispor dele, pode ensejar que todos os proprietários de veículos ao menos contratassem de forma particular um seguro para terceiros, ou viessem a responsabilizar-se por indenizar vítimas de tais eventos. O tamanho do impacto dos sinistros para a sociedade pode ser visto com a rapidez com que o um fundo bilionário foi consumido em três anos, e não sem motivos, nos últimos três anos, o número de vítimas fatais do trânsito brasileiro aumentou”, seguiu afirmando.
“A cobrança desse seguro poderia deixar de ser exigida caso nosso trânsito fosse menos violento, algo que ainda não vivenciamos”, finalizou.
SEGURO SERIA RECRIADO PORQUE FUNDO ZEROU DEVIDO AO ALTO NÚMERO DE VÍTIMAS DO TRÂNSITO
O seguro tinha sido recriado no fim de 2023, em projeto do governo federal, depois de ser extinto na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Na época, foram identificados desvios e havia um acúmulo de recursos que permitiriam fazer a cobertura das vítimas por algum tempo.
O governo federal enviou o Projeto de Lei Complementar 233/2023 para recriar o seguro obrigatório, que não era cobrado dos motoristas desde 1º de janeiro de 2021. Por falta de dinheiro, a Caixa Econômica Federal (CEF) deixou de pagar o DPVAT para as vítimas dos sinistros de trânsito em 14 de novembro de 2023.
Segundo o banco, não havia recursos para os sinistros registrados depois dessa data. Por isso, a medida era necessária para garantir os pagamentos previstos até o período informado - o que era exigido por lei. A decisão, como agora, prejudicou exatamente a população mais pobre e vulnerável, que no País do Uber e 99 Moto, depende das motocicletas como transporte e trabalho.
A expectativa é de que muitos casos tenham que ser judicializados, principalmente quando o condutor envolvido na colisão ou atropelamento, por exemplo, não tiver seguro do veículo.
Quem faz seguro privado e opcional paga, além do seguro do automóvel, o chamado danos de responsabilidade civil, que podem ser materiais ou pessoais, corporais. Mas quem não tem seguro e se envolve em um atropelamento, por exemplo, a vítima ficará sem qualquer cobertura. Só restará ir à Justiça.
Por nota, a CEF informou que acompanha o trâmite da proposta legislativa sobre o SPVAT e que aguarda eventuais definições do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP).
PL PREVÊ VOLTA DO EXTINTORES DE INCÊNDIO DOS VEÍCULOS
Enquanto isso, o mesmo Congresso Nacional que deixou as vítimas do trânsito não mão planeja a volta da obrigatoriedade de todo veículo ter um extintor de incêndio. Lembram deles?
No dia 13/12, a Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) aprovou PL que torna obrigatório extintor de incêndio com pó ABC em veículos. O PLC 159/2017, da Câmara dos Deputados, recebeu parecer favorável do senador Eduardo Braga (MDB-AM) e segue agora para votação no Plenário do Senado.
Segundo a Agência Senado, o autor defendeu a proposta, argumentando que se trata de item de segurança fundamental. “Não são R$ 80 reais, num bem com valor de cerca de R$ 80 mil, que vai fazer diferença [para o bolso dos proprietários de veículos]”.
“Lamentavelmente, os bombeiros não têm estrutura para assegurar as vítimas com a devida celeridade, e faz diferença um instrumento como esse nos carros, já que os fabricantes não são obrigados a incluir o extintor quando da produção dos veículos. É uma questão de garantir segurança”, disse.