Transporte público em crise: frota de ônibus nunca foi tão velha e descarbonização ainda está distante
Levantamento do próprio setor aponta que o Brasil nunca teve uma frota de ônibus tão velha quanto agora. Na eletrificação, apenas São Paulo avança
Sem um financiamento social e inovando pouco, os sistemas de transporte público do Brasil também sofrem com a qualidade da frota operacional. Em muitas cidades brasileiras os ônibus em circulação são velhos, quentes e barulhentos. O País, inclusive, nunca teve uma idade média da frota de coletivos tão alta.
Levantamento do próprio setor de transporte urbano aponta que o Brasil nunca teve uma frota de ônibus tão velha quanto agora, entre os anos de 2021 e 2022. É a mais velha dos últimos 27 anos, apesar de os coletivos urbanos responderem por mais de 50% do transporte da população nas cidades.
Não é à toa que o passageiro do sistema de transporte público reclama tanto da qualidade dos ônibus em operação nas cidades e regiões metropolitanas do País - o Grande Recife entre elas.
Os ônibus estão, atualmente, com uma idade média de seis anos e cinco meses, considerada a mais alta desde 2012. Os dados fazem parte do Anuário 2023/2024 da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).
Seis anos como idade média, segundo o estudo, significa dizer que há coletivos circulando com o aval da gestão pública com dez, até 12 anos em muitos locais. Há investimentos - como os mais de cem ônibus novos, todos Euro6, adquiridos pelos consórcios Conorte e Mobibrasil, que operam no Grande Recife -, mas têm sido pouco.
“Sem dúvida, é onde o transporte público mais precisa melhorar. O passageiro quer veículos mais confortáveis, acessíveis e novos. São Paulo, por exemplo, melhorou muito a qualidade dos coletivos e o fez porque sabe da importância do transporte para a dinâmica da cidade”, analisa um técnico do setor.
“No Grande Recife as mudanças são muito poucas. Vimos algo recentemente com a saída da Vera Cruz do sistema, quando entraram novos ônibus para recompor o serviço. E com a compra de novos ônibus, inclusive BRTs articulados, pela Mobibrasil e o Conorte, que são concessões. Mas nada além disso até agora”, alerta.
DESCARBONIZAÇÃO AINDA É SONHO DISTANTE
A frota está velha e a descarbonização ainda distante. Há cidades avançando, como São Paulo (SP) e Curitiba (PR), mas ainda a passos muito lentos. Para se ter ideia, o sistema de transporte de São Paulo deveria zerar a operação a diesel dos 13 mil ônibus até 2038. Mas, atualmente, tem 489 veículos elétricos, sendo 288 a bateria (no pacote estão incluídos os trólebus).
E, mesmo assim, é a cidade com a maior frota de ônibus elétricos do Brasil. Já foram gastos quase meio bilhão de reais (R$ 464 milhões) para a aquisição dos elétricos, que têm a diferença para os ônibus a diesel subsidiada pela prefeitura.
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O Programa de Metas da Prefeitura de São Paulo 2021-2024 e a Lei de Mudanças Climáticas prevêem a redução da emissão de gás carbônico fóssil em 50% até 2028 e a erradicação desse poluente até 2038.
Em Pernambuco, a descarbonização é ainda mais utópica. No Grande Recife, operadores e passageiros ainda lutam por prioridade viária, mesmo que seja com faixas exclusivas no lugar de corredores centrais de ônibus.
O ônibus elétrico e a infraestrutura necessária para que ele possa operar bem e, assim, compensar os investimentos, é algo limitado a pequenos testes pela cidade que nunca saem disso. Depois de testar um ônibus a gás, em outubro entrou em teste um veículo elétrico, que rodou em linhas turísticas e centrais por menos de um mês.
ELETRIFICAÇÃO CRESCE, MAS COM POLÊMICA E LENTAMENTE
O Brasil tem hoje apenas 420 ônibus elétricos, quase todos no Sudeste e, principalmente, em São Paulo. Numa comparação com a frota nacional de 107 mil ônibus urbanos em todo o País, percebe-se a dimensão do desafio que será eletrificar o transporte público brasileiro.
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A Região Sudeste concentra 79,8% da frota total de ônibus elétricos, com 335 veículos em 16 sistemas. No Centro-Oeste são 18 veículos, 37 na Região Sul, 28 na Região Nordeste e apenas dois veículos elétricos na Região Norte. Os elétricos estão em 25 sistemas de transporte coletivo por ônibus, que atendem 10 capitais e regiões metropolitanas e outras 15 cidades de grande, médio e pequeno porte.
Os números fazem parte de um estudo também realizado pela NTU com o objetivo de debater a pressão que o setor vem sofrendo para a adoção dos veículos elétricos. Nele, a associação mostra que os ônibus urbanos são os menos culpados pelas emissões de gases no País, representando apenas 0,8% do total.
DESCARBONIZAÇÃO ALÉM DA ELETRIFICAÇÃO
O principal argumento do setor é que a descarbonização já é praticada há décadas, principalmente na adequação ao Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), que estabelece restrições crescentes dos limites máximos de emissões estabelecidos para veículos no País.
Segundo o levantamento, a frota de ônibus urbanos dos principais sistemas de transporte do Brasil é composta, na sua maior parte, por veículos que estão na fase 7 do Proconve. Mas muitas capitais já utilizam veículos da fase 8 (o chamado Euro6), restringindo ainda mais a emissão de gases poluentes.
INCENTIVOS AINDA SÃO POUCOS
Apesar da pressão para a eletrificação da frota de ônibus urbanos no País, os estímulos ainda são poucos. O governo federal criou o PAC da Mobilidade Urbana – Renovação da Frota, que liberou R$ 9,8 bilhões para aquisição de 2.296 ônibus elétricos (R$ 7,3 bilhões) e 3.015 ônibus a diesel Euro 6, correspondente a fase 8 do Proconve (R$ 2,6 bilhões).
Um total de 98 municípios em 20 estados tiveram suas propostas aprovadas e selecionadas para receber os 5.311 ônibus.
“Somos totalmente a favor da sustentabilidade dos veículos elétricos, mas precisamos de um plano que garanta uma transição gradual da matriz energética, considerando a capacidade do setor e a utilização de outros tipos de combustíveis. Os números citados no estudo da NTU demonstram o tamanho do desafio que teremos pela frente no que diz respeito à eletrificação da frota”, afirmou o presidente da NTU, Francisco Christovam, na época da divulgação do levantamento.