Com pesquisas indicando a confiança cada vez maior dos eleitores nos profissionais da segurança pública, os partidos políticos vão apresentar novos rostos nas eleições 2020. Aliás, não tão novos para quem acompanha o noticiário policial. Em Pernambuco, ao menos dez delegados serão candidatos a vagas de prefeitos ou vereadores. Segundo a diretoria de recursos humanos da Polícia Civil, outros 19 comissários, agentes e escrivães da Polícia Civil também pediram afastamento dos cargos e pretendem pedir o seu voto nestas eleições.
Na lista de delegados que, pela primeira vez, serão candidatos há três rostos bem conhecidos: Patrícia Domingos (Podemos), Vilaneida Aguiar (PP) e Euricélia Nogueira (PSB). Conhecidas por comandarem investigações de crimes de grande repercussão no Estado, as três têm em comum outro fato curioso: ingressaram juntas há 12 anos na Polícia Civil de Pernambuco. Agora, a depender da quantidade de votos, podem também migrar, ao mesmo tempo, para a política.
Patrícia tem o maior desafio pela frente: será candidata a prefeita do Recife. Com a bandeira do combate à corrupção, a delegada terá como um dos principais rivais o deputado federal João Campos, do PSB. Membros do partido, inclusive, já foram investigados pela delegada, ex-titular da Delegacia de Crimes contra a Administração e Serviços Públicos (Decasp), extinta em novembro de 2018, semanas após o atual chefe de gabinete do governador Paulo Câmara (PSB), Milton Coelho (então deputado estadual), ser indiciado por peculato (desvio de verba pública) por supostamente empregar funcionários fantasmas. Ela também comandou a Operação Casa de Farinha, que descobriu um esquema milionário de fraude em licitações para a compra de merenda escolar - envolvendo contratos com várias prefeituras e até com o Governo do Estado.
"Após anos combatendo a corrupção e depois de ter assistido ao inexplicável fechamento da Decasp, na qual eu era delegada titular, percebi que ainda não é possível mudar o 'sistema' de dentro para fora. Então decidi me candidatar para utilizar a política como ferramenta de mudança, provando ao nosso povo que é possível ter um governo honesto, transparente e que trabalhe de verdade em prol de melhorar a vida das pessoas e da cidade”, afirma Patrícia Domingos.
A delegada Vilaneida Aguiar sairá candidata a vereadora no Recife. Em 12 anos, já passou por várias delegacias especializadas. Por oito anos também atuou no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), onde ganhou notoriedade ao assumir as investigações da morte misteriosa do empresário da construção civil Sérgio Falcão, na Avenida Boa Viagem, em 2012. Após cinco anos do caso, ela concluiu que a vítima foi assassinada - quando a tese inicial era de suicídio. Atualmente, Vilaneida está lotada na Delegacia da Criança e Adolescente (DPCA) do Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife.
"Durante esses anos como delegada, estive em contato com as dificuldades pelas quais tanto crianças e adolescentes como adultos passam no Recife, desde problemas com a educação nas escolas, dificuldades que os adolescentes e jovens têm de se profissionalizar e ter uma vida digna, insegurança, saneamento básico precário. Senti que deveria realizar projetos mais efetivos e perenes que fossem duradouros e realmente fizessem a diferença. Também pretendo atuar na defesa e proteção dos animais de estimação que se proliferam pelas ruas sem uma política pública", diz Vilaneida Aguiar.
Euricélia Nogueira também será candidata a vereadora, mas no município de Camaragibe, onde atua como delegada há oito anos. Também já atuou na Delegacia de Tamandaré, no Litoral Sul, e na DP do Varadouro, Olinda. Em 2019, ela coordenou a Operação Punisher, em que 11 pessoas foram presas suspeitas de envolvimento numa milícia responsável por ao menos 30 mortes, entre elas a do empresário Mário Gouveia, dono do parque aquático Águas Finas, em Aldeia. Como candidata, Euricélia levantará a bandeira do combate à violência contra a mulher - mesmo discurso que fez a colega de partido e amiga Gleide Ângelo vencer como deputada estadual na última eleição.
"Camaragibe é uma cidade onde mais da metade da população é composta por mulheres, mas esta realidade não se traduz no ambiente político: apenas uma mulher ocupa uma cadeira na Câmara de Vereadores Municipal. Num antagonismo secular, resquício de uma sociedade patriarcal e machista, ainda é comum que homens discutam a implementação e efetivação de projetos públicos para as mulheres, ocupando, desta maneira, um lugar de fala que não lhes pertence. É pela busca desta equiparação de espaços que decidi ser candidata", afirma Euricélia Nogueira.
Outros sete delegados em Pernambuco solicitaram afastamento da Polícia Civil de Pernambuco para disputarem as eleições 2020: Antônio Resende (prefeitura do Cabo de Santo Agostinho), Israel Rubis (prefeitura de Arcoverde), José João de Oliveira (prefeitura ou Câmara de Garanhuns), Rômulo Holanda (Câmara de Belo Jardim), Thatianne Macedo (prefeitura de Palmirinha), Thiago Henrique Costa (Câmara de Nazaré da Mata) e Von Romel da Silva (Câmara de Machados). Todos os 19 agentes, comissários e escrivães serão candidatos a vereadores.
A coluna solicitou o número de policiais militares que serão candidatos nesta eleição, mas a Secretaria de Defesa Social (SDS) não informou.
A pedido da coluna Ronda JC, o cientista político e historiador Alex Ribeiro fez uma breve análise sobre a tendência de profissionais da segurança migrarem para a política. Confira:
"O número de militares aumentou quatro vezes na Câmara Federal em 2018. Também cresceu nas assembleias legislativas estaduais, muitos com recordes de votos. Isso se deve a vários fatores: Confiabilidade nesses grupos. Várias pesquisas mostram, como a do Instituto pela Democracia, que instituições como Polícia Federal, Forças Armadas e Polícia Militar são as mais admiradas entre os brasileiros; A ideia que a questão da 'ordem' atrelada aos militares ajudaria a legitimar outras instituições políticas, especialmente pela descrença com o Congresso Nacional e outros atores políticos; O crescimento dos militares também ocorre devido à onda bolsonarista - um projeto de poder no qual muitos destes grupos se identificaram e foram incentivados a ocupar espaços na arena política. E mesmo aqueles militares que se colocaram como candidatos a margem do projeto bolsonarista conseguiram votos na esteira do próprio Bolsonaro. O caso de Gleide Ângelo serve de exemplo aqui também. Não houve uma dissociação para muitos eleitores entre o bolsonarismo e os candidatos militares. Muitos destes deixaram subentendido a sua preferência política durante as eleições de 2018, mesmo pertencendo a partidos de oposição a Bolsonaro. A estratégia era que sua base eleitoral se estendesse entre diversos nichos. O que acabou ocorrendo. Devido ao lavajatismo (Operação Lava Jato), a representatividade dos militares na história da república brasileira, a confiabilidade nas instituições militares e a força do bolsonarismo (que mantém em média a aprovação de 30% do eleitorado) a tendência desses grupos ainda é de crescimento na arena política. A ascensão pode não ser tão expressiva quanto 2018, mas não vejo eles perderem tanta força na ocupação desses espaços de poder nas próximas eleições."