Feminicídios: 38% dos crimes são praticados por armas de fogo em Pernambuco
Aumento da circulação de armas no País, estimulado pelo governo federal, pode elevar a violência doméstica contra as mulheres, segundo especialistas
A Polícia Civil de Pernambuco registrou 86 crimes de feminicídio em 2021. Desse total, 33 (ou seja, 38%) foram praticados por uso de armas de fogo. Mas não há informações oficiais que apontem quantas dessas armas eram ilegais e quantas os autores dos crimes tinham direito ao porte ou posse delas.
O aumento da circulação de armas no País, estimulado pelo governo federal, pode elevar a violência doméstica e até os feminicídios, segundo especialistas. Isso porque, com uma arma dentro de casa, as mulheres sofrerão mais ameaças, e crescerá o medo de denunciar seus agressores.
No Estado, houve aumento de 14,6% nos casos de feminicídio - que em geral são praticados por maridos, namorados ou ex-companheiros - em relação a 2020. Apesar disso, sem estudos do governo estadual, não é possível afirmar que o crescimento dessas mortes tem relação com armas legalizadas.
A Secretaria Estadual da Mulher, que também acompanha os casos para criar medidas de prevenção às vítimas, disse ao JC que não conta com dados sobre as origens das armas usadas nos feminicídios.
Um episódio recente serve de alerta ao Estado. Em 18 de fevereiro deste ano, um empresário do ramo de ferragens foi preso em flagrante suspeito de atirar duas vezes nas pernas da namorada, de 21 anos, perto de um bar no bairro de Casa Forte, na Zona Norte do Recife. Felizmente, ela sobreviveu.
Na ocasião, a polícia relatou que o suspeito, Carlos André Souza, 41, tinha direito à posse de arma de fogo, mas não poderia estar portando a pistola calibre 9 milímetros - como ocorreu no momento do crime. Por lei, a arma deveria estar guardada, em segurança, na casa dele.
De acordo com a polícia, o casal mantinha um relacionamento há cerca de nove meses. Eles já moravam juntos. Pouco antes do crime, eles teriam tido uma discussão. A vítima saiu de casa dizendo que ia a um bar na Avenida 17 de Agosto. O empresário acabou indo até o estabelecimento e houve uma nova discussão. Ele então teria ido até o carro, onde pegou a pistola e, do lado de fora, atirou contra a namorada.
Policiais do Batalhão de Trânsito, que faziam blitz perto do local, ouviram os tiros e foram até o local. O suspeito acabou preso em flagrante por porte ilegal de arma de fogo e lesão corporal grave - o que foi muito questionado.
Além da pistola, dois carregadores e 33 munições intactas foram apreendidos pela polícia. Ele passou por audiência de custódia e teve a prisão convertida em preventiva pela Justiça.
Com a conclusão das investigações, a polícia decidiu indiciá-lo pelo crime de tentativa de feminicídio.
FALTA DE INFORMAÇÕES SOBRE ARMAS
Durante ações policiais em Pernambuco, 12.069 armas de fogo foram apreendidas entre os anos de 2020 e 2021. Mas, ao mesmo tempo em que cresce o número de homicídios praticados com uso desse instrumento, a Secretaria de Defesa Social (SDS) ainda não conta com um banco de dados detalhando as origens das armas que são recolhidas das mãos de criminosos.
Para especialistas ouvidos pela coluna Ronda JC, a falta dessas informações dificulta o combate à violência.
"O Pacto pela Vida, instituído em 2007, previa a criação de um banco de dados sobre armamentos. Além disso, havia projetos para que as armas apreendidas ficassem menos tempo nas delegacias e fossem logo destruídas, dificultando o acesso delas. Mas não temos conhecimento de que isso aconteceu. O que se verifica é o aumento das mortes por arma de fogo no Estado", afirmou a socióloga Edna Jatobá, coordenadora do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) e representante do Instituto Fogo Cruzado no Estado.
Em 2021, houve 3.369 assassinatos em Pernambuco. Desse total, 81,4% das vítimas foram mortas à bala. Em 2020, a porcentagem foi de 81%. No ano anterior, 79%. A média nacional é de 78%.
"No município do Cabo de Santo Agostinho, mais de 90% das mortes são por armas de fogo. Armas legais podem estar sendo desviadas por meio de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) para facções criminosas. Mas o governo do Estado parece não ter ideia de como é a circulação dessas armas", disse Edna.
A reportagem solicitou, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), que a SDS especificasse quantas das armas de fogo apreendidas nos dois últimos anos, em ações policiais, tinham origem legal ou ilegal. A resposta informada foi que a base de dados criminais do Estado de Pernambuco (Sistema Infopol) não dispõe dessas estatísticas. E que em cada inquérito policial pode constar a informação.
Especialistas em segurança pública cobram estudos mais detalhados sobre as apreensões porque há uma preocupação em relação à flexibilização das regras para porte e posse de armas, que ocorreu nos últimos três anos. Parte desse armamento adquirido de forma legal pode estar sendo repassado a criminosos.
"É importante que as origens das armas apreendidas no Estado sejam rastreadas. São informações bastante relevantes para elucidar crimes e para mapear as ocorrências. Esses controles precisam necessariamente ser estabelecidos o quanto antes para que possamos avançar no combate à violência", pontuou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Pernambuco (OAB-PE), Fernando Ribeiro Lins.