PERNAMBUCO

Muitas mulheres pedem medida protetiva, mas não querem investigação do agressor, diz polícia

Houve mais de 191 mil queixas de violência doméstica nos últimos 5 anos, em Pernambuco, mas parte delas não virou inquérito por decisão das vítimas

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Raphael Guerra

Publicado em 29/03/2022 às 6:30
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"Ele me deu chute nas costas, murro no meu ouvido. Sentei para conversar, para terminar o relacionamento, mas ele dizia que era ele ou mais ninguém. E que se eu o deixasse, ele me mataria. Quando levantei para sair, ele jogou álcool e o isqueiro aceso." O relato é de uma mulher de 28 anos que teve partes do corpo queimadas, na última semana, no município de Paulista, no Grande Recife. O ex-companheiro foi autuado em flagrante por tentativa de feminicídio. Após quase morrer, ela foi até a delegacia para denunciá-lo.

Por medo ou por opção de dar uma nova chance aos seus companheiros, muitas mulheres não procuram ajuda da polícia nos primeiros atos de violência doméstica. Entre os anos de 2017 e 2021, houve 191.673 queixas relacionadas à Lei Maria da Penha nas delegacias de Pernambuco. Mas parte expressiva dos casos não foi investigada. O motivo: as vítimas pediram medidas protetivas, mas decidiram não representar contra seus agressores e, por isso, a polícia não instaurou os inquéritos.

"Nos crimes de ameaça, perseguição, injúria e difamação, por exemplo, a lei diz que cabe à vítima decidir se representa contra o agressor. Muitas só registram o boletim de ocorrência para receber a medida protetiva. Mesmo assim, a gente dá orientações e diz que elas têm até seis meses para decidir sobre a investigação", explica a gestora do Departamento de Polícia da Mulher, Fabiana Leandro.

Nos últimos cinco anos, 50.743 inquéritos de violência doméstica foram concluídos no Estado, ou seja, 26,4% de todas as queixas nesse período. Os dados foram obtidos pela coluna Ronda JC via Lei de Acesso à Informação.

"Esse número é baixo porque as queixas não se tornam inquéritos. Muitas vezes, a vítima não entende que está em um ciclo de violência. Há também outra situação: a mulher representa contra o agressor, mas, durante a investigação, quer desistir. Nesse caso, a lei não permite. A polícia precisa concluir o inquérito iniciado", diz Fabiana.

Thiago Lucas/ Artes JC
Quantidade de boletins de ocorrência - Thiago Lucas/ Artes JC

Já casos de lesão corporal, relacionados à Lei Maria da Penha, a mulher não precisa formalizar a queixa para que a polícia investigue. "Pode ser um vizinho, um parente. Mesmo que a vítima não queira, a lei diz que o inquérito deve ser instaurado."

É justamente a situação da vítima que teve o corpo queimado em Paulista. A polícia tomou conhecimento após a denúncia de vizinhos. O suspeito foi preso antes mesmo da mulher receber alta do Hospital da Restauração e procurar a Delegacia da Mulher para prestar depoimento.

"É importante que as vítimas continuem denunciando qualquer tipo de violência. A medida protetiva é importante, mas elas precisam entender que a investigação garante a punição e o rompimento com o ciclo da violência", reforça Fabiana Leandro.

Um dos caminhos para orientações é por meio da Ouvidoria da Secretaria Estadual da Mulher: 0800-281-8187 (ligação gratuita).

Também é possível ligar para o 180. São fornecidas informações como endereços de delegacias e de casas de acolhimento. Em caso de urgência, a vítima deve telefonar para o 190, da Polícia Militar.

EM 4 ANOS, 300 CASOS DE FEMINICÍDIO

REPRODUÇÃO/TV JORNAL
VÍTIMA Perícia apontou que Emelly foi morta por esganadura - REPRODUÇÃO/TV JORNAL

A dentista Emelly Nayane da Silva, de 24 anos, já havia decidido não reatar o relacionamento com o comerciante Lívio Quirino de Oliveira Neto. Mas, segundo testemunhas, ele insistia. Em 22 de fevereiro de 2021, ela foi chamada para conversar pela última vez na casa dele, na praia de Maria Farinha, em Paulista. Naquele mesmo dia, a dentista foi esganada até a morte, como apontou o laudo pericial. O ex-marido, que negou o crime à polícia, foi preso, mas o julgamento ainda não aconteceu.

Emelly é uma das 300 mulheres que foram vítimas de feminicídio em Pernambuco, entre os anos de 2018 e 2021, de acordo com dados oficiais da Secretaria de Defesa Social.

Os casos, que se multiplicaram nesses dois anos da pandemia da covid-19 (conforme arte acima), reforçam a necessidade de as vítimas procurarem ajuda no primeiro sinal de violência.

"As mulheres precisam denunciar. Agora é importante também haver uma ação proativa do Estado, no sentido de que elas se sintam seguras, acolhidas nas delegacias. Muitas vezes, as mulheres não são atendidas como deveriam e sofrem um duplo constrangimento. O atendimento, inclusive, deve ser feito preferencialmente por uma policial ou delegada", pontua a vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - seccional Pernambuco (OBA-PE), Ingrid Zanella.

Como medida de segurança para as mulheres, a OAB-PE solicitou, no começo do mês, ao presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Luiz Carlos Figueirêdo, a elaboração de um provimento que assegure o sigilo das informações pessoais das vítimas de violência doméstica e familiar no âmbito das Varas que abrigam casos dessa natureza.

O ponto de partida para a formulação do pedido por parte da OAB-PE é a pesquisa realizada pela Faculdade Frassinetti do Recife (Fafire) e pela Universidade de Pernambuco (UPE), junto às Câmaras Criminais do TJPE, onde se constatou que os nomes das mulheres e demais envolvidos nas ações, como parentes e os agressores, podem ser facilmente identificados nos processos que correm nas Varas estaduais.

PRIORIDADE

As investigações dos casos de feminicídio têm sido tratadas com prioridade, segundo a Polícia Civil de Pernambuco. Dos 75 inquéritos instaurados em 2020, todos foram concluídos. Já no ano passado, dos 86 casos, a taxa de resolução está em 96,5%.

 

 

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