A foto acima mostra uma bolsa de plasma (a parte líquida do sangue) de uma pessoa recuperada da covid-19. Nele, há anticorpos contra a doença que podem ser capazes de reduzir a mortalidade e o tempo de internação dos pacientes infectados. Estudos têm mostrado que se trata de uma terapêutica relativamente segura e que oferece poucos riscos. A eficácia dessa intervenção contra o novo coronavírus, no entanto, permanece enigmática, mas pesquisadores ao redor do mundo fazem investigações. Entre eles, está um grupo de cientistas pernambucanos liderado pelo infectologista Demócrito Miranda Filho, professor da Universidade de Pernambuco (UPE).
O médico é coordenador de um estudo, já aprovado em comitê de ética, com previsão para iniciar nesta quarta-feira (1°), quando a Fundação de Hematologia e Hemoterapia de Pernambuco (Hemope) começará a receber doadores voluntários para realização dos primeiros exames. Será disponibilizado um agendamento no site da instituição. Para ser um doador, é preciso ter idade a partir de 18 anos, ter tido sintomas de covid-19 e testado positivo para a doença, além de ter se recuperado da infecção há mais de 30 dias.
Os pesquisadores têm como meta alcançar 300 doadores recuperados da covid-19, e cada um deles pode beneficiar de um a dois pacientes internados com a doença. Em linhas gerais, o procedimento consiste na transfusão do plasma de sangue de um paciente curado para outro que ainda está com a doença em atividade. Com essa terapêutica, pretende-se diminuir os sintomas da infecção e a carga viral no organismo, o que possibilita a melhora do doente.
Além da UPE e do Hemope, participam desse estudo médicas do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), do Pronto Socorro Cardiológico de Pernambuco (Procape) e do Hospital das Clínicas. Os pacientes incluídos na pesquisa serão dessas três unidades de saúde. A previsão é que, ainda em julho, eles comecem a receber a transfusão. A base teórica do trabalho sobre o uso do plasma, segundo Demócrito, está na premissa de que uma pessoa curada da covid-19 tem anticorpo, que pode ser eficaz contra a infecção.
“A ideia é tentar neutralizar o vírus (do doente). A primeira etapa do estudo é a produção do plasma. Inicialmente vamos procurar doadores e investigar se, no sangue deles, há anticorpos contra covid-19. Afinal, já sabemos que não são todos que tiveram a doença que desenvolverão anticorpos”, ressalta o infectologista, que detalha o perfil dos pacientes que receberão o plasma. “São pessoas com síndrome respiratória aguda grave que estão internadas, em enfermaria ou UTI (unidade de terapia intensiva) e com indicador de que a doença pode se tornar ainda mais agressiva, como nos casos de pacientes com covid-19 que têm diabetes, hipertensão, obesidade e idade avançada.”
O processo de doação do plasma dura, em média, 40 minutos. Só homens doam, mas pessoas de ambos os sexos podem receber a transfusão. “Há uma reação comum que pode acontecer em receptores quando o plasma vem de mulheres que já engravidaram, pois elas produzem anticorpos capazes de levar a uma reação no paciente. Então, por regra, só se usa plasma de homem”, destaca Demócrito. A transfusão é feita através de uma veia e dura menos de uma hora. “São infundidos 250 ml de uma vez só. Espera-se que o paciente logo melhore”, explica.
O estudo coordenado por Demócrito é um ensaio clínico que, para determinar a efetividade do plasma convalescente no tratamento de pacientes com covid-19, também vai comparar os pacientes que receberão esse tratamento experimental com outros que seguirão o acompanhamento padrão contra o novo coronavírus nos hospitais. “Acreditamos que, quanto mais precoce for feita a transfusão no paciente internado com chance de piora do quadro, melhor será a resposta a esse tratamento”, salienta.
A pesquisa também tem outra etapa, que avaliará a qualidade dos anticorpos de pessoas recuperadas da covid-19. Essa fase será feita em parceria com a Fiocruz Pernambuco. “Mesmo que uma pessoa tenha muitos anticorpos, não há como garantir que eles são eficazes para neutralizar o vírus. Então, também teremos testes para fazer esse tipo de análise”, conclui Demócrito.