Menos de 20 horas após realização do transplante de fígado devido a complicações da hepatite aguda grave de origem desconhecida, a adolescente de 14 anos, internada no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), tem fígado e demais órgãos funcionando adequadamente. A informação está no boletim médico, divulgado nesta manhã (21), pela assessoria de comunicação do hospital.
O transplante, que foi realizado na sexta-feira (20), durou cerca de seis horas. A cirurgia foi iniciada às 10h e terminou por volta das 16h. A paciente permanece em leito de terapia intensiva (UTI). "Ela apresenta quadro clínico estável com boa evolução. Está acordando. Não precisa de medicamento para manter pressão. Vale lembrar que a paciente foi transplantada em estado de coma."
O boletim médico também informa que a adolescente continua intubada (procedimento esperado após a cirurgia pela qual passou). "Os exames laboratoriais mostram que o fígado, assim como os demais órgãos, já funcionam adequadamente. A equipe está otimista na expectativa de que a paciente evolua para a extubação até amanhã (22) e que retome completamente a sua consciência."
De acordo com a equipe médica da Unidade de Transplante de Fígado do Huoc, ainda não há previsão de alta da UTI.
Uma adolescente de 14 anos, natural do município de Ibimirim, no Sertão pernambucano, foi submetida, na sexta-feira (20), a um transplante de fígado devido a complicações da hepatite misteriosa que tem acometido crianças e adolescentes em todo o mundo.
Na capital pernambucana, o transplante foi realizado ao longo de seis horas, por 18 profissionais de saúde, no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), no bairro de Santo Amaro, área central do Recife. De acordo com os médicos cirurgiões Américo Gusmão e Cláudio Lacerda, o procedimento foi finalizado com sucesso, e a paciente está estável.
Inicialmente, na coletiva de imprensa, às 16h, Cláudio Lacerda informou desconhecer a realização de outro transplante de fígado, no Brasil, em paciente com a hepatite misteriosa.
No início desta noite, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) disse ao JC, com base em dados do Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs Nacional), que, antes desse procedimento feito no Recife, houve mais outros em três Estados do Sudeste: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O transplante de fígado de Pernambuco, então, foi o quinto realizado em paciente com hepatite aguda de causa desconhecida.
O Ministério da Saúde, em nota, informou que, até o momento, foram notificados, no Brasil, 73 casos da doença no Brasil. Desses, 12 foram descartados e 61 permanecem em investigação. A pasta também menciona que Pernambuco já notificou 6 casos, sendo um deles descartado. A reportagem do JC questionou sobre o número de transplantes realizados em pacientes com essa condição, mas não teve retorno até o momento.
A paciente não apresentava histórico de infecção prévia pelo coronavírus, mas os médicos não descartam a possibilidade de ela já ter adoecimento por covid-19, devido a suspeitas de que a hepatite misteriosa tenha relação com o coronavírus e adenovírus.
De acordo com os médicos, a doença avançou rapidamente na paciente com 14 anos. A adolescente vinha apresentando sintomas há 15 dias. De Ibimirim, ela foi transferida para Arcoverde, também no Sertão. Em seguida, foi para o Hospital Mestre Vitalino, em Caruaru, no Agreste, e seguiu para o Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), onde deu entrada na quarta-feira (18) por apresentar quadro indicado para transplante.
O doador foi identificado como um paciente de 30 anos, vítima de um acidente, e que residia no Estado do Paraná.
Ao todo, o Estado contabiliza seis casos notificados de hepatite aguda de causa desconhecida. Um deles foi descartado e cinco permanecem em investigação. Confira o histórico de casos:
A Secretaria Estadual de Saúde (SES), por meio de nota, informa que notificou ao Ministério da Saúde (MS) o caso da adolescente de 14 anos em investigação.
"Ela foi atendida na última segunda-feira (16), no Hospital Mestre Vitalino (HMV), em Caruaru, com vômito, icterícia e colúria (urina escura). O quadro se agravou, evoluindo para uma encefalopatia hepática, e a paciente precisou ser transferida para o Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc) na última quarta-feira (18), sendo incluída como prioridade na lista de transplante de fígado."
A pasta diz que "na manhã da sexta-feira (20), com a articulação da Central de Transplantes de Pernambuco (CT-PE) com a Central Nacional de Transplantes, a unidade recebeu um fígado captado no Estado do Paraná e transportado pela Força Aérea Brasileira (FAB). A paciente, então, passou por transplante com a equipe especialista do Huoc. A cirurgia foi bem sucedida, e a jovem segue em observação".
Diante da totalidade de casos, a SES informa que dá apoio técnico aos municípios na realização de exames complementares para análise laboratorial das hepatites virais, agentes possivelmente relacionados a este tipo de hepatite e outras doenças, assim como nas investigações epidemiológicas realizadas pelos municípios de residência dos pacientes. "O Estado também segue em contato com toda a rede de saúde e especialistas na área para monitoramento das ocorrências."
Mãe da adolescente com hepatite aguda desconhecida que passou pelo transplante de fígado do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, a agricultora Maria Lucineide da Conceição, 44 anos, conta que a filha iniciou com os sintomas há 15 dias. "Mas na quinta-feira da semana passada, ela piorou, passou o dia todo dormindo. Ao acordar, os olhos, o couro cabeludo e o céu da boca estavam amarelados. Fiquei assustada", disse Maria Lucineide durante a coletiva de imprensa realizada ontem no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc).
Ao longo de todo esse processo, a mãe da jovem relata que tentou manter a calma para não assustar a filha. "Naquela quinta-feira, mesmo sem dor, ela chorou bastante em Arcoverde (onde recebeu os primeiros atendimentos em unidade de saúde). Depois fomos para casa. No dia seguinte à noite, ela vomitou bastante. Seguimos para Caruaru, onde fomos a duas Upas (unidades de pronto atendimento). Um dos médicos agiu na hora e pediu exames. Encaminhou minha filha para o Mestre Vitalino e, de lá, chegamos aqui (no Huoc)."
Segundo Maria Lucineide, a filha chorou bastante quando soube que viria ao Recife. "Foi lá no Mestre Vitalino que já soubemos que ela precisava de um transplante de fígado. Eu fiquei sem acreditar, mas não poderia passar nada para ela. Ela precisava muito de mim." A mãe da adolescente conta também que a filha chegou ao Huoc "bem ruim" de saúde e com confusão mental. "Mas fiquei muito feliz quando recebi a notícia de que apareceu um doador para ela. Foi um sentimento tão bom."
Segundo especialistas, a hepatite aguda grave de origem desconhecida pode ter relação com o adenovírus, que tem aparecido entre as principais hipóteses para explicar a causa dessa nova hepatite misteriosa.
"Muito tem se falado do adenovírus e até da covid. Do ponto de vista pessoal, penso que isso (hepatite aguda grave de origem desconhecida) pode ser manifestação da covid potencializada pelo adenovírus, o que favoreceria a uma doença autoimune. Parece ser bem mais isso do que a ação de um determinado vírus", acredita o pediatra Eduardo Jorge da Fonseca Lima, representante da Regional Pernambuco da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim).
Para dar força à explicação, o médico também frisa que há indícios de que os atuais casos de hepatite desconhecida em crianças possam ser uma manifestação tardia da infecção pelo coronavírus na pediatria, "Nesse ponto, aproveito ainda para ressaltar que a maioria das crianças acometidas não receberam aplicação de vacina contra covid-19. Vamos acompanhar a evolução para ver se temos mais uma resposta", acrescenta.
Os médicos devem ficar em alerta para esta situação emergente e precisam ficar atentos às crianças que apresentam sinais e sintomas "potencialmente atribuíveis à hepatite que podem exigir testes de função hepática", diz o alerta da Secretaria Estadual de Saúde. Entre os sintomas, estão descoloração da urina (escuro) e/ou fezes (pálido); icterícia; prurido; artralgia (dor nas juntas); mialgia (dor muscular); pirexia (febre); náuseas, vômitos ou dor abdominal; letargia (cansaço com diminuição da energia, da capacidade mental e da motivação); e/ou perda de apetite.