Agência Brasil: Já há uma definição de em que lugar do calendário vacinal a imunização contra a covid-19 vai entrar? Será uma vacina infantil?
Nísia Trindade: Essa é uma decisão que ainda está em debate pelo Programa Nacional de Imunizações [PNI], com assessoramento da Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização (CTAI), à luz das pesquisas e das contribuições científicas para a decisão. Mais urgente, e nossa prioridade no momento, é que todos os públicos tenham o esquema vacinal atualizado. Faço então um apelo a todas e todos para que não deixem de tomar as doses recomendadas para cada faixa etária, e não deixem de tomar a dose de reforço com a vacina bivalente. As vacinas estão disponíveis em todas as unidades de saúde.
Agência Brasil: É possível fazer um exercício de imaginar o Brasil e o SUS sem o PNI? Qual seria o impacto nos vários aspectos da vida do brasileiro: saúde, educação, trabalho, renda, lazer...
Nísia Trindade: A vacinação é um dos grandes ganhos civilizacionais, permitindo controlar e erradicar inúmeras doenças. Seu impacto positivo para a saúde é comparado pela Organização Mundial da Saúde ao do acesso à água potável. Ambas nos permitiram muito mais qualidade de vida, e estão na base do aumento significativo da expectativa de vida ao longo do último século no país, que saltou de 45,5 anos na década de 1940 para 77 anos hoje.
O PNI e o Sistema Único de Saúde [SUS] são reconhecidos em todo o mundo e nos permitem enfrentar mais de 20 tipos de doenças. Erradicamos a varíola, eliminamos a poliomielite, a rubéola, a síndrome da rubéola congênita e o sarampo. Imaginem se todas essas doenças voltassem a se alastrar? Com a queda nas coberturas vacinais nos últimos anos, infelizmente, o sarampo retornou, e temos de fazer de tudo para evitar o retorno da poliomielite. O PNI faz 50 anos esse ano e foi uma conquista histórica de todos os brasileiros, garantindo que as vacinas sejam direito de todos os brasileiros. O PNI transformou o Brasil em referência de vacinação e é isso que vamos retomar no nosso governo.
Agência Brasil: Qual é o custo das baixas coberturas para o SUS nos últimos anos? Tem sido necessário aumentar investimentos em vigilância e tratamento de doenças preveníveis? Como esse impacto está sendo percebido?
Nísia Trindade: O custo é colocar vidas em risco pela falta de vacinação, com possibilidade de retorno da poliomielite e outras doenças que já haviam sido eliminadas. Nosso esforço agora é para evitar que isso aconteça, evitar que o Brasil retroceda ainda mais. Estamos trabalhando no fortalecimento da vigilância, isso entrou inclusive no PAC, com investimentos nos 47 laboratórios de Saúde Pública e avanço na inteligência genômica, por exemplo – são R$ 272 milhões de investimentos nessa área. Isso impacta diretamente na preparação do país para futuras emergências, o que tem sido pauta prioritária inclusive da nossa agenda internacional, e a vigilância é parte fundamental desse processo.
Agência Brasil: O PNI é frequentemente citado como modelo internacional para a imunização na saúde pública. O Brasil coopera de que forma exportando esse modelo?
Nísia Trindade: Quando começamos a avançar com maior expressão, a partir de fins da década de 1980, o mundo ficou impressionado com nossa capacidade de engajar a população, de estabelecer essa relação de confiança com a vacinação. A experiência bem-sucedida e a proteção contra diversas doenças, perceptíveis nos dados de redução e eliminação dessas doenças, reforçaram essa confiança que precisamos hoje recuperar. Reconquistar as altas coberturas vacinais, portanto, em um segundo momento, pode voltar a nos colocar em uma posição de referência que nos faça contribuir mais no enfrentamento ao negacionismo e à hesitação vacinal. Nosso objetivo é voltar a ser exemplo para o mundo. Retomar essa posição de referência internacional e mobilizá-la na nossa cooperação com outros países, incluindo a vacinação, é nossa prioridade.
Agência Brasil: Qual é a expectativa em relação aos cronogramas de investimento no Complexo Industrial da Saúde? Quando o país poderá começar a se beneficiar desses investimentos e por que isso é essencial?
Nísia Trindade: A recriação do Grupo Executivo do Complexo Econômico e Industrial de Saúde foi uma das primeiras ações dessa gestão, dada a importância desse tema para o nosso governo. Nosso plano de trabalho é fazer com quem, em dez anos, mais de 70% dos bens de saúde sejam produzidos no país, entre vacinas, medicamentos e insumos.
Vimos como isso é essencial durante a pandemia da covid-19, quando tivemos de importar ingrediente farmacêutico ativo para as vacinas e tantos outros insumos essenciais, como máscaras e luvas, por exemplo. A maior autonomia do Brasil no setor com o desenvolvimento da indústria local reduz a vulnerabilidade do SUS e assegura o acesso universal à saúde, além da geração de emprego e renda.
Essa área terá um investimento robusto previsto no PAC, de mais de R$ 8,9 bilhões. Serão R$ 6 bilhões para o fortalecimento da cadeia de produção de vacinas, medicamentos e equipamentos. E mais R$ 2 bilhões para construção e pré-operação das fábricas do campus Santa Cruz da Fiocruz, que será o maior centro de produção de produtos biológicos da América Latina.
Com a evolução da indústria farmacêutica e das tecnologias empregadas na produção de medicamentos, o segmento de biológicos tende a crescer no mundo. Também serão investidos R$ 895 milhões no parque fabril da Hemobrás e na qualificação da hemorrede no país, o que vai impactar diretamente os pacientes com hemofilia, facilitando o acesso ao tratamento com hemoderivados.