Mulheres residentes em áreas segregadas economicamente, com poucos recursos e acesso escasso a serviços de saúde, estão mais propensas a morrerem por câncer de mama. Esses fatores de risco, contudo, podem ser menos intensos com programas de transferência de renda, como o Programa Bolsa Família (PBF).
Um estudo publicado na revista Jama Network, conduzido por pesquisadoras e pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde (Cidacs) da Fiocruz Bahia, avaliou mais de 20 milhões de mulheres adultas (entre 18 e 100 anos) e identificou que, quanto maior o nível de segregação da área de moradia, maior o risco de morrer por câncer de mama.
Ao comparar beneficiárias e não beneficiárias, mulheres que não receberam o Bolsa Família tiveram um risco de mortalidade por câncer de mama 17% maior, em comparação com as beneficiárias do Programa.
Entre as mulheres que recebiam o Bolsa Família, aquelas que viviam em municípios com alta segregação de renda tinham um risco 13% maior de morrer por câncer de mama, em comparação com aquelas que viviam em municípios com baixa segregação.
Já entre aquelas que não recebiam o programa, as que viviam em municípios com alta segregação tiveram um risco 24% maior de morrer de câncer de mama, comparado com as que viviam em municípios com baixa segregação.
O estudo ainda reforça o resultado de pesquisa anterior, também realizada por pesquisadoras do Cidacs/Fiocruz Bahia, em que mulheres pretas tiveram um risco 10% maior de morrer da doença, em comparação com brancas.
Essa avaliação anterior também levou em consideração mulheres registradas no Cadastro Único (CadÚnico), ou seja, que fazem parte de famílias pobres ou extremamente pobres.
Para a pesquisadora Joanna Guimarães, associada ao Cidacs/Fiocruz Bahia, boa parte dos estudos sobre os efeitos do Bolsa Família têm foco na saúde infantil e doenças infecciosas, como hanseníase e tuberculose, e a saúde da mulher é menos explorada.
"Este foi o primeiro estudo que investigou a associação entre o Bolsa Família e a mortalidade por câncer de mama, que é o tipo de câncer que mais mata mulheres no Brasil e no mundo", afirma a pesquisadora.
A incidência de mortalidade por câncer de mama em municípios com baixa segregação foi de 6,4 mulheres a cada 100 mil habitantes.
Em municípios com média segregação, a incidência de mortalidade foi de 6,7, enquanto nos municípios com alta segregação de renda, essa taxa chega a ser de 8,2 óbitos a cada 100 mil.
"O estudo também mostra a importância do local de moradia das pessoas como um determinante das desigualdades na mortalidade por este tipo de câncer (para além dos fatores de risco individuais tradicionais como dieta, fumo e outros comportamentos de saúde), e como o PBF ajudou a proteger as mulheres dos efeitos negativos de viver em áreas mais pobres", explica Joanna.
Entre as 21.680.930 mulheres estudadas, 11.549.000 (53,3%) eram pardas, 7.110.375 (32,8%) eram brancas, 1.772.843 (8,2%) eram pretas, 104.252 (0,5%) eram indígenas e 96.085 (0,4%) eram asiáticas. Dessas, havia 7.227.998 mulheres em municípios com baixa segregação, 7.309.565 mulheres em municípios com média segregação e 7.143.367 mulheres vivendo em municípios com alta segregação.
BOLSA FAMÍLIA E CÂNCER DE MAMA: O QUE SUGEREM OS RESULTADOS DO ESTUDO?
- As evidências do estudo demonstram que a associação entre segregação e mortes por câncer de mama foi diferente para mulheres que receberam e não receberam o Bolsa Família.
- Os resultados apontam que mulheres que viviam em municípios com alta segregação de renda eram mais propensas a serem mais velhas, indígenas ou negras, com um nível de educação mais elevado, e menos propensas a serem beneficiárias do Bolsa Família em comparação com aquelas que viviam em municípios com média ou baixa segregação.
- Os municípios com maior segregação de renda eram maiores, tinham maior densidade populacional e tinham uma proporção maior de mulheres residentes em áreas urbanas do que municípios com menor segregação de renda.
- Ao comparar mulheres que receberam o Bolsa Família com aquelas que não receberam, as não beneficiárias eram mais propensas a serem brancas, mais velhas e mais educadas, e tendiam a viver em municípios mais urbanos e segregados do que as beneficiárias do Bolsa Família.
- A estratificação pelo tempo em anos de recebimento do benefício do PBF demonstrou que a segregação de renda estava associada à mortalidade apenas entre as mulheres que recebiam o benefício por menos tempo.
Segregação e o processo saúde-doença
Pessoas com renda mais baixa e residentes de locais com acentuadas desigualdades estão sujeitas a fatores estruturais e ambientais que moldam o comportamento e as condições de vida.
"A pesquisa mostrou o resultado de uma política pública, o Bolsa Família, na redução das desigualdades na mortalidade por câncer de mama em mulheres. Isso se deve possivelmente ao aumento da renda familiar e com isso maior acesso a medicamentos, alimentação de qualidade e acesso a serviços de transporte, permitindo a busca por serviços preventivos de câncer, como a realização de mamografia, em outros locais", afirma Joanna.
Para os pesquisadores, amparados em estudos anteriores, as evidências também mostram que viver em áreas economicamente desfavorecidas está associado a um acesso mais limitado de serviços de rastreamento e cuidado, bem como a resultados desfavoráveis no câncer de mama. Entre eles, diagnóstico em estágio avançado, tratamento menos adequado, menor sobrevida e maior taxa de mortalidade.
Segundo o estudo, a segregação de renda, também chamada de segregação residencial por renda, é a separação sistemática de indivíduos em diferentes áreas geográficas, em que políticas habitacionais discriminatórias, historicamente, marginalizam pessoas com renda mais baixa. A investigação ainda apontou que a segregação de renda, mesmo entre as mulheres que recebiam o Bolsa Família, foi associada a um aumento no risco de mortalidade por câncer de mama para aquelas que receberam o benefício por menos tempo – até quatro anos.
Melhorias
O estudo conduzido por pesquisadoras do Cidacs/Fiocruz Bahia descobriu que o PBF estava associado à redução na mortalidade por câncer de mama. Essa associação provavelmente se deve à melhoria da renda das mulheres e o acesso a serviços preventivos de câncer, levando à detecção precoce e ao tratamento e, em última instância, à redução da mortalidade.
“As condicionalidades do PBF impõem uma maior utilização dos serviços de saúde, aumentando a detecção precoce e tratamento oportuno, potencialmente reduzindo a mortalidade. O estudo tem implicações políticas, pois sugere a inclusão do rastreamento e exame clínico das mamas entre as condicionalidades do PBF”, sugere Joanna.
O estudo foi realizado a partir de uma colaboração entre pesquisadores do Cidacs/Fiocruz Bahia, da Faculdade de Epidemiologia e Saúde da População da London School of Hygiene and Tropical Medicine, do Ubuntu Center on Racism, Global Movements and Population Health Equity da Universidade Drexel, do Centro de Diabetes e Endocrinologia da Bahia da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia e do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia.
Para o estudo foram utilizados dados da Coorte dos 100 Milhões de Brasileiros, uma coorte populacional, montada pelo Cidacs/Fiocruz Bahia, a partir do Cadastro Único do governo federal, que inclui os dados de mais de 114 milhões de brasileiros com baixa renda (quase 55% da população do país) no período de 2001 a 2015.