Quase nove meses após a morte da menina Heloysa Gabrielle, de 6 anos, durante uma perseguição policial na praia de Porto de Galinhas, Litoral Sul de Pernambuco, investigações paralelas conduzidas pelas polícias Civil e Militar apresentaram resultados divergentes. Além disso, levantaram o questionamento em relação a quem tem a atribuição de apurar os crimes contra a vida praticados por militares no exercício da função.
O inquérito conduzido pela Polícia Civil apontou que o cabo da Polícia Militar Diego Felipe de França Silva foi o responsável pelo tiro que matou Heloysa. Lotado no Batalhão de Operações Especiais (Bope), ele foi indiciado por homicídio qualificado - por resultar em perigo comum e por erro de execução (quando se pretende ferir alguém, mas outra pessoa é atingida).
Heloysa brincava na rua no momento em que foi atingida por um tiro no peito, na tarde de 30 de março de 2022. Duas viaturas do Bope perseguiam um suspeito que estava em uma moto. Ele conseguiu fugir. Na época, os policiais militares alegaram que houve uma troca de tiros, mas a investigação da Polícia Civil apontou que só os militares atiraram. Além disso, também teriam tentado fraudar provas para atrapalhar as investigações.
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) concordou com o resultado do inquérito da Polícia Civil e denunciou à Justiça o militar acusado pelo tiro. Ele responde ao processo, em liberdade, na Vara Criminal de Ipojuca.
Já o inquérito conduzido pela Polícia Militar apontou que o tiro que matou Heloysa teve "autoria incerta". E decidiu não indiciar nenhum militar envolvido no caso. Apenas opinou que os suspeitos deveriam ser submetidos a processo administrativo disciplinar.
O resultado desse inquérito militar foi encaminhado à Central de Inquéritos da Capital, do MPPE, que pediu arquivamento.
"A Central de Inquéritos da Capital destaca que é do Tribunal do Júri local a competência para julgar crime doloso contra a vida cometido por militar contra civil. Assim, considerando que já existe processo criminal sobre o fato na Vara de Ipojuca, não há necessidade de prosseguir a análise do ocorrido na Vara da Justiça Militar", explicou, em nota, o MPPE.
O presidente da Associação de Delegados de Polícia de Pernambuco (Adeppe), Pedro Henrique, segue a mesma linha do que afirmou o MPPE. Para ele, não há dúvidas de que cabe apenas à Polícia Civil as investigações de mortes executadas por policiais militares.
"A gente já tem parecer favorável da Procuradoria Geral do Estado, do Ministério Público, da Corregedoria da Secretaria de Defesa Social (SDS), que aponta que é de atribuição da Polícia Civil essas investigações, mas a Polícia Militar ainda descumpre essas determinações. Hoje, há descumprimento, quebra de hierarquia e a SDS assiste passivamente", disse Pedro Henrique.
O parecer mais recente da Procuradoria Geral do Estado, de 25 de maio de 2022, decidiu que "inquéritos policiais militares em tramitação apurando crimes dolosos contra a vida perpetrados por militares estaduais contra civis (pessoas comuns) deverão ser remetidos para Polícia Civil, a fim de que esta dê prosseguimento às apurações".