O governo de Pernambuco perdeu mais uma batalha contra um trabalhador que ficou cego de um olho após ser atingido por um tiro disparado pela Polícia Militar durante protesto pacífico contra o governo Bolsonaro, na área central do Recife, em maio de 2021.
Por unanimidade, desembargadores da 4ª Câmara Direito Público do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) negaram o agravo de instrumento interposto pelo governo estadual, que se mostrou contrário à decisão em caráter de tutela antecipada determinando o pagamento mensal de dois salários mínimos ao adesivador Daniel Campelo da Silva, de 51 anos. A decisão foi publicada na última semana.
Daniel passava pela Ponte Duarte Coelho, durante o protesto, quando foi atingido por um tiro de elastômero (bala de borracha) no olho esquerdo e perdeu a visão. Desde então, ele luta na Justiça para que o Estado pague uma indenização a título de danos morais e materiais.
Em relação ao pagamento dos dois salários mínimos enquanto não há decisão sobre a indenização, o desembargador Josué Antônio Fonseca de Sena, relator do agravo de instrumento, ressaltou que "o próprio Estado confessa ter reconhecido a responsabilidade civil no caso. (...) No entanto, ainda que irresignado com a decisão, ofertou administrativamente uma pensão vitalícia ao agravado no valor correspondente a um salário mínimo, para fins de transação e encerramento do conflito".
"Desde logo entendo que o conjunto probatório demonstra que a atuação estatal desbordou dos limites legais, restando claro o excesso ou abuso no exercício do seu poder de polícia. A polícia, no intuito de conter manifestação, atingiu com uma bala de borracha o olho de transeunte, que supostamente nada tinha a ver com o que acontecia naquele momento, causando-lhe séria lesão, qual seja cegueira permanente", afirmou o desembargador, na decisão.
O advogado Marcellus Ugiette, que defende Daniel Campelo, comentou a decisão do TJPE.
"Com essa decisão favorável para que Daniel continue recebendo o pagamento mensal, vamos pedir para que o julgamento da indenização seja feito o mais rápido possível. Toda a prova documental já está com a Justiça. Não há necessidade de ouvir testemunhas, portanto o juiz já pode tomar uma decisão final", disse o advogado.
Em paralelo, também corre na Justiça um processo criminal contra o policial que atirou no adesivador.
O PM, cujo nome nunca foi revelado pela Secretaria de Defesa Social, foi indiciado pelos crimes de lesão corporal gravíssima (cuja pena pode chegar a oito anos de prisão) e por omissão de socorro (seis meses de detenção ou multa). Outros oito policiais do Batalhão de Radiopatrulha também foram indiciados por omissão de socorro.
OUTRA VÍTIMA DA VIOLÊNCIA POLICIAL
No mesmo dia em que Daniel foi atingido, o arrumador de contêineres Jonas Correia de França, 30, que havia acabado de largar do trabalho, foi atingido por outro tiro da PM na Ponte Princesa Isabel. Ele ficou cego do olho direito.
Diferentemente de Daniel, Jonas aceitou uma proposta de indenização do governo do Estado e fechou acordo extrajudicial.
O terceiro sargento do Batalhão de Choque Reinaldo Belmiro Lins, acusado de disparar o tiro em Jonas, foi indiciado criminalmente. Atualmente, é réu pelo crime de lesão corporal grave, com o agravante de o crime ter sido cometido por um militar. A pena pode chegar a cinco anos de prisão. O processo está em fase de audiências de instrução e julgamento.