Notícias sobre segurança pública em Pernambuco, por Raphael Guerra

Segurança

Por Raphael Guerra e equipe
SISTEMA PRISIONAL

O que o ministro dos Direitos Humanos encontrará em visita ao Complexo do Curado, no Recife?

Superlotação deixou de ser o principal problema do Complexo, que é considerado um dos piores do País. Mas continuam as péssimas condições de estrutura e higiene

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Raphael Guerra

Publicado em 16/10/2023 às 6:00 | Atualizado em 16/10/2023 às 9:58
Vistoria do CNJ, em agosto de 2022, encontrou detentos ocupando espaços improvisados e sem estrutura básica - G. DETTMAR/CNJ

O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, acompanhado de uma comitiva, desembarca no Recife nesta segunda-feira (16) para avaliar as condições do Complexo Prisional do Curado, considerado um dos piores do País. E, apesar da redução na superlotação, deve encontrar um cenário de favelização e falta de segurança. 

A iniciativa, que faz parte do projeto "Caravana dos Direitos Humanos", prevê uma vistoria nos três presídios que compõem o Complexo, além de reuniões com os profissionais das unidades, representantes da sociedade civil e do governo do Estado. A agenda segue até quarta-feira (18).

Integrante do Conselho da Comunidade da 3ª Vara de Execuções Penais da Capital e coordenadora do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, Wilma de Melo vê com grande expectativa a vinda do ministro ao Recife para discutir o sistema prisional. Ela, inclusive, deve apresentar uma lista de cobranças antigas que precisam ser adotadas pelo Estado para minimizar os problemas históricos nos presídios do Curado.

"Apesar de o Complexo não se encontrar mais com aquela superlotação, a estrutura dos presídios segue sucateada. Há problemas sanitários, ambientais, insalubridade. Há muitos barracos de alvenaria, barracos feitos em celas. A gente desconfia até que o número de vagas seja menor do que o Estado afirma. É preciso fazer essa recontagem. Além disso, faltam policiais penais para garantir a segurança de todos e, por causa disso, funções administrativas continuam sendo repassadas aos presos, conhecidos como chaveiros", afirmou Wilma em entrevista à coluna Segurança.

A superlotação, de fato, deixou de ser o principal problema no Complexo do Curado. Isso graças à determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em agosto de 2022, para que 70% dos presos deixassem os três presídios, devido à falta de condições estruturais básicas e de segurança. A meta não foi atingida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) no prazo estabelecidos de oito meses. Porém, em agosto deste ano, mais de 4 mil homens já haviam saído do Complexo (de 6.509 caiu para 2.463). A capacidade é de cerca de 1,8 mil detentos. 

O resultado, a partir de mutirões para análise dos processos dos reeducandos, é uma demonstração de que, quando há vontade e empenho do Poder Público, é possível diminuir a superlotação, além de garantir os direitos básicos das pessoas privadas de liberdade. 

Os mutirões contaram com juízes, promotores e defensores públicos. 

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DEFENSORIA PÚBLICA FOI AO STF COBRAR CONTAGEM DAS PENAS EM DOBRO

Por decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), também foi determinada a aplicação do chamado "cômputo em dobro" das penas aos presos do Complexo. Desta forma, cada dia em que o detento permaneceu em um dos três presídios está sendo contada em dobro - reduzindo o tempo de permanência no regime fechado.  

A determinação de Fachin, publicada em dezembro de 2022, levou em consideração uma antiga decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que não estava sendo aplicada. Por isso, a Defensoria Pública do Estado precisou ingressar com uma ação para que a exigência fosse cumprida.

"Fomos ao Supremo após uma série de resistências do Estado em garantir os direitos das pessoas privadas de liberdade. Desde setembro de 2019, a Defensoria tenta a aplicação do cômputo em dobro, mas havia resistência do Poder Judiciário de cumprir o direito", afirmou defensor público Michel Nakamura, em recente entrevista.

Mesmo assim, segundo Wilma Melo, "o Estado segue sem aplicar o computo em dobro".

"A responsabilidade é de todos. Governo, Justiça, Ministério Público. Mas o que observo é que o Estado não cumpriu nem a resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos e nem a correição do CNJ. Além disso, é preciso deixar claro que houve a redução dos presos no Complexo, mas muitos foram transferidos para outras unidades prisionais que estão lotadas. E essas transferências foram feitas de forma desumana, sem que familiares tomassem conhecimento", pontuou Wilma. 

"FAVELIZAÇÃO" CHAMOU A ATENÇÃO DE MEMBROS DO CNJ

Na visita ao Complexo do Curado, em agosto de 2022, a então corregedora Nacional de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura, junto a uma comitiva do CNJ, identificou um cenário de superlotação, precariedade e até "favelização".

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No Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros, por exemplo, foram encontrados problemas estruturais e falta de higiene por toda a parte. Sem quartos, detentos improvisaram buracos para dormir. Para ter acesso, eles têm que rastejar. Os presos também são forçados a dormir no chão por falta de celas, abrigados da chuva por pedaços de lona.

Relatório sobre o Complexo do Curado apontou ainda há um "mercado paralelo" nos três presídios. E que o problema histórico ocorre por causa do excesso de presos e da falta de controle do Estado para evitar que essas pessoas privadas de liberdade ditem as regras dos pavilhões. 

VISITA DO MINISTRO DOS DIREITOS HUMANOS VAI DURAR TRÊS DIAS

Presídios do Complexo Prisional do Curado têm sérios problemas estruturais - G Dettmar/CNJ/Divulgação

De acordo com o governo federal, a Caravana dos Direitos Humanos está percorrendo o Brasil com a missão de avaliar questões como superlotação, violações de direitos humanos e condições carcerárias em presídios e unidades do sistema socioeducativo de todas as regiões brasileiras.

Nesta segunda-feira, o ministro Silvio Almeida e a comitiva dele vão se reunir com representantes da Força de Cooperação Penitenciária (Focopen) e com trabalhadores do sistema prisional. Já na terça-feira pela manhã, será a vez da vistoria no Complexo do Curado. À tarde, está agendada uma reunião com atores institucionais responsáveis por dar cumprimento às medidas do Complexo do Curado e um encontro com representantes da sociedade civil.

Na quarta-feira, o encontro será com representantes da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco. 

Uma das denúncias que será feita ao ministro pela sociedade civil é que o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura não está em pleno funcionamento porque os seus integrantes foram exonerados no começo de janeiro pela governadora Raquel Lyra e até hoje não houve nova convocação. "Como é possível combater violações aos direitos humanos dessa forma?", questionou Wilma Melo, que há mais de três décadas acompanha o sistema prisional do Estado. 

A comitiva ministerial será composta pela secretária nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Isadora Brandão, pelo assessor especial de Assuntos Parlamentares e Federativos, David Carneiro, pelo consultor da Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos, Felipe Castro, pela coordenadora-geral de Combate à Tortura e Graves Violações de Direitos Humanos, Fernanda Oliveira, pela coordenadora-executiva do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, Thamiris Barcelos, e pela coordenadora-geral da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais, Isabel Penido.

Em agosto, o ministro Silvio Almeida deu início ao projeto no Espírito Santo, onde visitou a Unidade Socioeducativa de Cariacica, espaço de privação de liberdade. O objetivo geral da agenda é dialogar com os diversos atores, movimentos sociais e órgãos envolvidos na temática do encarceramento com o intuito de propor medidas para a superação de violações de direitos reconhecidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

CORTE CONDENOU ESTADO BRASILEIRO

A situação desumana no Complexo do Curado é antiga e sempre foi de conhecimento do Poder Judiciário. Em 2011, Wilma de Melo precisou denunciar o Estado brasileiro à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Naquele ano, quando foi editada a primeira medida cautelar, a população carcerária se aproximava de 5 mil pessoas. Uma década depois, apesar de a Corte ter proibido a entrada de novas pessoas, o número de detentos no Complexo continuou a crescer, sem melhorias da estrutura.

A Corte determinou novas medidas e, por isso, o CNJ foi obrigado a fiscalizar e cobrar com rigor melhorias nas condições de sobrevivência dos presos.

Em abril deste ano, a presidente do STF e do CNJ, ministra Rosa Weber, visitou o Complexo do Curado para observar se houve avanços. Também entregou o relatório produzido pelas equipes de vistoria, com detalhes de todos os problemas observados em agosto do ano passado. E cobrou as melhorias necessárias ao sistema prisional de Pernambuco. 

SISTEMA PRISIONAL RECEBERÁ MAIS INVESTIMENTOS, PROMETE GOVERNO ESTADUAL

Diante dos problemas históricos - e que não são uma exclusividade de Pernambuco - o sistema prisional terá o orçamento ampliado em cinco vezes a partir do próximo ano, segundo prevê o governo estadual. 

O orçamento deste ano para o sistema prisional, elaborado em 2022 pela gestão Paulo Câmara, previa um gasto de R$ 20,3 milhões. Para 2024, a proposta do governo Raquel Lyra é passar para R$ 105 milhões por reconhecer a importância de combater a continuidade dos crimes dentro das unidades prisionais, o que, a curto ou médio prazo, pode resultar na redução da violência no Estado.

A Secretaria Executiva de Ressocialização, até então subordinada à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, será transformada em Secretaria de Administração Penitenciária - garantindo mais investimentos. A novidade foi anunciada também em julho, mas o projeto de lei com a mudança ainda vai ser encaminhado para votação na Alepe.

 

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