SUPERLOTAÇÃO

Detentos do Presídio de Igarassu vivem aglomerados em áreas improvisadas e sub-humanas

Vistoria constatou que unidade tem 5,4 mil presos, mas deveria ter no máximo 1,2 mil. Ministério Público Federal estuda ações judiciais contra o governo de Pernambuco

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Raphael Guerra

Publicado em 22/05/2024 às 10:46 | Atualizado em 22/05/2024 às 14:35
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Detentos aglomerados em espaços improvisados, com estrutura precária e sem o mínimo de higiene. Apesar de ser um problema histórico no sistema prisional de Pernambuco, a superlotação e "favelização" no Presídio de Igarassu, no Grande Recife, chamou a atenção dos representantes do Conselho Penitenciário do Estado (Copen/PE) em vistoria realizada na semana passada. Diante do caos, o Ministério Público Federal (MPF) estuda ações judiciais contra o governo do Estado e até contra servidores públicos. 

O Presídio de Igarassu conta com pouco mais de 5,4 mil detentos, mas tem capacidade para até 1,2 mil. A realidade é semelhante à encontrada no Complexo Prisional do Curado, na Zona Oeste do Recife, em agosto de 2022, quando representantes do Conselho Nacional de Justiça realizaram uma inspeção. Na ocasião, os três presídios do Complexo somavam 6.508 detentos, mas só tinham capacidade para 1.819. Por causa disso, a então corregedora Nacional de Justiça, ministra Maria Thereza de Assis Moura, determinou que o Tribunal de Justiça de Pernambuco retirasse, em até oito meses, 70% dos reeducandos. 

A situação melhorou radicalmente no Complexo Prisional do Curado, mas agora as atenções do governo estadual e do Poder Judiciário precisam estar voltadas para o Presídio de Igarassu. 

"A situação dos presos é bastante delicada. A unidade tem atualmente 5.424 internos que ocupam as 1.200 vagas disponíveis, ou seja, mais de quatro vezes a capacidade do presídio. Trata-se proporcionalmente da maior população carcerária do Estado. Uma grande parte da população permanece amontoada no chão do pátio do presídio", afirmou a procuradora da República Silvia Regina Pontes Lopes, em entrevista por e-mail à coluna Segurança

NÚMERO DE POLICIAIS PENAIS É INSUFICIENTE

MPF/DIVULGAÇÃO
Vistoria no Presídio de Igarassu constata superlotação - MPF/DIVULGAÇÃO

De acordo com o MPF, outra deficiência do Presídio de Igarassu é a baixa quantidade de policiais penais - situação que atinge todo o sistema prisional pernambucano.

"No Presídio de Igarassu, por exemplo, atuam 30 agentes penais no período diurno e dez agentes em regime de plantão no período noturno para fiscalizar população carcerária. A desestruturação acentuada de natureza espacial e humana inviabiliza uma fiscalização efetiva de entrada constante de drogas e celulares no presídio, principalmente em épocas de visita familiar periódicas. O corpo diminuto de agentes penais coloca em risco a própria segurança da unidade, fomentando riscos de fuga e rebeliões", pontuou a procuradora da República.

"Os detentos, uma vez que acessam celulares, potencializam atuações criminosas externas ao cárcere, como aplicação de golpes, como sequestros simulados, pedido fraudulento de transferência bancárias, notadamente de Pix. A administração carcerária enfatizou que parcela expressiva de mandados de prisão cumpridos pela Polícia Civil dirigem-se a detentos que têm práticas delitivas externas aos muros do cárcere", completou.

Na prática, o trabalho da Polícia Civil nas operações de repressão qualificada para desarticular grupos criminosos tem sido o de "enxugar gelo", porque as lideranças continuam se comunicando facilmente com seus subordinados e dando ordens para os crimes - principalmente de tráfico de drogas e homicídios. 

Atualmente, o sistema prisional pernambucano conta com apenas 1.831 policiais penais na ativa. Deveria ter, pelo menos, 4 mil para garantir o mínimo de segurança. Há 864 profissionais que passaram pelo curso de formação e aguardam, há um ano, que o governo do Estado façam a nomeação. O número, ainda assim, é bem abaixo do necessário. 

AÇÕES CONTRA O GOVERNO DO ESTADO E SERVIDORES

MPF/DIVULGAÇÃO
Vistoria no Presídio de Igarassu constata superlotação - MPF/DIVULGAÇÃO

A redução no número de presos do Complexo Prisional do Curado foi uma forma encontrada pelo CNJ para atender à determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Estado brasileiro devido aos históricos problemas de superlotação e condições sub-humanas a que os presos eram submetidos. Parte dos detentos, no entanto, foi transferida para outras unidades prisionais - a exemplo do Presídio de Igarassu -, já que o governo estadual ainda não abriu novas vagas. 

"O Complexo do Curado foi alvo de representação internacional por problemas estruturais e superlotação gravíssimos, o que culminou com condenação. Mas o Estado de Pernambuco desloca a superlotação de uma unidade (Curado) a outra (Igarassu e Cotel) e descumpre materialmente a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, proferida em 22 de maio de 2014, há precisos dez anos atrás", pontuou procuradora da República Silvia Regina. 

Um relatório sobre a situação do Presídio de Igarassu será produzido e encaminhado do governo do Estado e ao Poder Judiciário. Mas o MPF estuda medidas mais duras para que os problemas na unidade prisional sejam minimizados em tempo mais curto.

A procuradora afirmou que a situação será comunicada também ao Conselho Nacional de Justiça, ao Conselho Nacional do Ministério Público e à Corte Interamericana de Direitos Humanos (esta última por meio da Secretaria de Cooperação Jurídica Internacional da Procuradoria Geral da República). 

"Aliada a tais medidas, o MPF estudará a possibilidade de ajuizamento de ações contra Estado de Pernambuco, bem como ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra agentes públicos que eventualmente sejam, em caráter pessoal, responsáveis pela perpetuação da situação prisional precária mesmo após decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos", declarou Silvia Regina. 

GOVERNO DIZ ESTAR TOMANDO MEDIDAS PARA DIMINUIR SUPERLOTAÇÃO

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Vistoria no Presídio de Igarassu constata superlotação - MPF/DIVULGAÇÃO

Por meio de nota, a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (SEAP/PE) informou que "vem tomando algumas medidas a fim de evitar a superlotação e ofertar mais segurança nas unidades prisionais do Estado, além da implantação de novas estratégias de segurança".

"Este ano, o governo do Estado anunciou o investimento de R$ 105 milhões para o aumento de vagas e aquisição de novos equipamentos", disse o texto.

Em relação à ampliação no número de vagas no sistema prisional de Pernambuco, a pasta afirmou que, desde 2023, foram entregues 996 vagas no Presídio de Itaquitinga 2 e 44 na cadeia pública do município de Ouricuri, no Sertão.

Ainda segundo a SEAP/PE, a previsão é que, até o final de 2024, sejam entregues mais 2.963 vagas. Desse total, serão 814 vagas no lote 01 do Presídio de Araçoiaba - obra retomada em abril deste ano; 954 no Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB), no Complexo do Curado; e 155 na Penitenciária Juiz Plácido de Souza (PJPS), em Caruaru.

A pasta reforçou que, até o final de 2026, quando o mandato estadual será concluído, a previsão é que sejam entregues quase 7.900 vagas no sistema prisional.

Em relação ao déficit de policiais penais, a pasta afirmou que houve, até agora, a nomeação de 419 profissionais, 219 a mais do que o previsto no edital. 

INSPEÇÕES ESTÃO SENDO REALIZADAS NOS PRESÍDIOS

A inspeção ao Presídio de Igarassu foi a quarta realizada pelos representantes do Conselho Penitenciário do Estado (Copen/PE) em unidades do Grande Recife. Já passaram por vistoria a Colônia Penal Feminina Bom Pastor, o Presídio Frei Damião de Bozzano, que integra o Complexo do Curado, e a Penitenciária Feminina de Abreu e Lima.

Nas inspeções, são colhidas informações administrativas sobre a infraestrutura física e de serviços de cada unidade prisional. A condução é feita pelo presidente do Copen, o advogado Jorge da Costa Neves.

Apesar das intervenções no Complexo do Curado, o Presídio Frei Damião de Bozzano ainda está superlotado, segundo a procuradora da República. Atualmente, há 329 detentos, número cerca de 15% a mais do que a capacidade. "Um dos problemas identificados refere-se à demora no julgamento de casos em que os reeducandos já estão presos há anos", destacou. 

Relatórios de todas as vistorias estão sendo encaminhados do governo estadual e Justiça. 

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