Com inteligência artificial, Justiça do Piauí avança no combate à violência contra a mulher
Vítima pode solicitar medida protetiva pelo WhatsApp e, em três minutos, juiz é notificado. Ferramenta serve de exemplo para todo o País
Apesar das punições mais rígidas e das campanhas de conscientização, sobretudo para que as vítimas denunciem os agressores, a violência contra a mulher continua apresentando números estarrecedores em todo o País. O mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelou que mais de 663 mil medidas protetivas de urgência foram aplicadas no ano passado - um aumento de 21% em relação a 2022.
As medidas protetivas têm salvado vidas. Por isso é preciso encorajar as vítimas, no primeiro sinal de violência, para que elas procurem a rede de proteção. O Tribunal de Justiça do Piauí (TJPI) está se destacando nacionalmente pelas ferramentas implementadas nos últimos anos para garantir o cumprimento integral da Lei Maria da Penha, com mais agilidade, para que os ciclos de violência - tão comuns em relacionamentos abusivos - sejam rompidos.
O uso de inteligência artificial está priorizando o andamento de processos de combate à violência doméstica/familiar, principalmente no que diz respeito às autorizações judiciais para aplicação das medidas protetivas de urgência.
Com a implementação da JuLIA (Justiça Auxiliada por Inteligência Artificial), o TJPI criou o chamado Projeto Sentinela, que integra tecnologias de comunicação em tempo real para que a vítima não precise procurar uma delegacia ou advogado para fazer a solicitação da medida protetiva. Basta ter em mãos um celular e seguir os passos informados pelo WhatsApp para preenchimento das informações pessoais e do agressor.
"Se a vítima confirmar que sofre ou está na iminência de sofrer agressão, a JuLIA irá fornecer um passo a passo para o preenchimento do formulário de avaliação de risco", pontuou o desembargador José Wilson, supervisor do Laboratório de Inovação do TJPI (OpalaLab), em comunicado do tribunal. O contato é: (86) 98128-8015.
A ferramenta opera em tempo real, 24 horas por dia. Estima-se que o magistrado de plantão seja notificado em apenas três minutos após a vítima de violência doméstica solicitar a medida protetiva, garantindo que o andamento seja feito de forma mais célere.
O Piauí está entre os estados brasileiros com maior crescimento percentual de pedidos de medidas protetivas de urgência. Em 2022, foram 5.819 solicitações deferidas pela Justiça. No ano seguinte, saltou para 7.547. A variação foi de 29,7%.
Apesar do aumento, o resultado também precisa ser visto de forma positiva: mais vítimas estão conseguindo pedir socorro, diminuindo a subnotificação da violência doméstica/familiar ainda tão presente no País.
A aplicação da medida protetiva é uma forma de romper com o ciclo de ameaças e agressões, mas também de proteger as vítimas contra a perda do bem maior, que é a vida.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 1.467 mulheres foram vítimas de feminicídio no País em 2023. A média foi de uma morte a cada seis horas.
A procura por ajuda é fundamental, reforçam especialistas em segurança pública. Em Pernambuco, onde 81 mulheres perderam a vida no ano passado, a Polícia Civil do Estado avaliou que mais de 86% das vítimas nunca procuraram a polícia para denunciar qualquer tipo de ameaça ou agressão.
MEDIDA PROTETIVA NÃO TEM PRAZO
A Lei Maria da Penha completou 18 anos, mas ainda gera algumas dúvidas em relação ao cumprimento dela. Na semana passada, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que as medidas protetivas aplicadas às vítimas de violência doméstica devem permanecer em vigor enquanto houver risco à mulher, sem a fixação de prazo de validade. E sem a necessidade de inquérito policial ou ação penal contra o agressor.
O recurso especial analisado pela turma do STJ foi interposto pelo Ministério Público de Minas Gerais, que questionou uma decisão do Tribunal de Justiça daquele Estado - que concedeu a uma mulher uma medida protetiva de urgência com prazo determinado de seis meses. O MP pediu, no recurso, que fossem mantidas as medidas sem a vinculação a prazo de validade.
Na decisão, o relator, o ministro Rogerio Schietti Cruz, destacou que exigir que a mulher vá ao fórum ou à delegacia de polícia para solicitar, a cada três ou seis meses, a manutenção da medida protetiva implicaria uma revitimização e, consequentemente, uma violência institucional.
"As medidas protetivas devem perdurar o tempo necessário à cessação do risco, a fim de romper com o ciclo de violência instaurado", ressaltou, no voto apresentado.
PENAS MAIS DURAS CONTRA FEMINICÍDIO
Em outubro deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o Projeto de Lei 4266/2023, tornando o feminicídio um crime autônomo, com penas mais duras.
Condenados pelas mortes de mulheres com motivação de violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher terão pena de até 40 anos de prisão. Antes, a lei previa de 12 a 30 anos.
A lei também prevê aumento de pena para os condenados que descumprirem medidas protetivas, que passa de uma detenção de três meses a dois anos para prisão de dois a cinco anos, além de multa arbitrada pela Justiça.
A mudança na lei ainda condiciona o uso de monitoramento eletrônico ao condenado por crime contra a mulher em caso de saída do estabelecimento penal e confere prioridade de tramitação, em todas as instâncias, aos processos que apurem a prática de crime ou violência contra a mulher.