Netflix acerta com a comédia romântica 'Você Nem Imagina'

Sensível, longa consegue ir além de clichês sem deixar de encantar com fórmula clássica
Márcio Bastos
Publicado em 05/05/2020 às 15:01
Protagonistas sintetizam de forma delicada muitos dos dilemas vividos na adolescência Foto: Netlflix/Divulgação


Dentro de suas produções originais, a Netflix tem sucedido especialmente no âmbito das comédias românticas e em tramas que se ancoram em fórmulas já consagrada, mas conseguem ir além dos clichês, abrem espaço para a representatividade e tocam em questões importantes da atualidade. É o caso do longa Você Nem Imagina, de Alice Wu, que pouco tempo depois de sua estreia já é uma das produções mais vistas da plataforma de streaming e tem gerado discussões sobre variados temas nas redes sociais. 

A trama do filme se passa em Squahamish, uma cidade pequena e religiosa. Lá Ellie Chiu (Leah Lewis) e seu pai (Collin Chou) sentem o peso de serem diferentes. Eles imigraram da china quando ela era uma criança e seu pai, apesar das qualificações profissionais acima da média, não consegue progredir na carreira por conta do do preconceito que sofre nos EUA. Com a morte da mãe de Ellie, ela assume o papel de alicerce da casa e, além de ajudar os pais com os afazeres da estação de trem onde moram e trabalham, vende redações para os alunos de sua escola.

Resignada a não deixar a cidade por conta do pai, ela planeja estudar em uma universidade modesta, perto de casa, apesar dos esforços de sua professora, que vê nela potencial para ingressar nas melhores instituições. Um dia, o jogador de futebol americano Paul Munsky (Daniel Diemer) oferece dinheiro para que Ellie o ajude a melhorar uma carta que ele escreveu para a menina que ele é apaixonado, Aster Flores (Alexxis Lemire).

Apesar da recusa inicial da jovem, ela topa a empreitada porque precisa pagar as contas de casa. Ellie, com sua sensibilidade e amor aos livros e filmes, logo consegue chamar a atenção de Aster com as cartas. O interesse amoroso de Paul namora o jovem mais rico e popular da cidade, mas também não se sente a vontade naquele universo: se sente invisível e sufocada pelos pais, que são religiosos fervorosos.

Ao mesmo tempo em que tenta ajudar Paul, Ellie se percebe, também, apaixonada por Aster. Apesar de todo seu conhecimento de literatura e de artes, ela até então não tinha amado e a descoberta deste novo sentimento é tratada com delicadeza pelo filme, que acerta ao não tornar a discussão necessariamente sobre a sexualidade da jovem e focar na naturalidade com que o sentimento surge e sua potência, independente das convenções sociais.

REPRESENTATIVIDADE

Assim como outros sucessos da Netflix, a exemplo de Para Todos os Garotos Que Já Amei, Você Nem Imagina subverte os padrões estéticos das comédias românticas ao colocar como protagonista uma asiática. Leah Lewis é uma revelação e consegue transmitir os dilemas de sua personagem, sua força, resiliência e também fragilidades. Daniel Diemer também dá tons interessantes ao seu Paul, um jovem que enfrenta seus próprios preconceitos para seguir suas aspirações profissionais e, também, expandir seu universo afetivo.

A diretora e roteirista Alice Wu, americana filha de imigrantes taiwaneses, consegue imprimir personalidade ao longa e reforça a importância da diversidade também por trás das telas. O filme não pretende fazer uma oposição às fórmulas das comédias românticas. Para os fãs do gênero, estão lá todos os elementos, dos desencontros, doses de humor, às declarações de amor fervorosas em público.

Produções como essa ajudam a reformular a forma como as novas gerações enxergam os relacionamentos. Se por décadas apenas um modelo, heteronormativo, branco e cis era apresentado nas telas, agora começa-se a ter exemplos mais robustos de filmes que enxergam a pluralidade da sociedade. Poder se ver representado na tela importa, especialmente em um momento de formação tão conturbado quanto a puberdade.

Em Você Nem Imagina, mais do que o final feliz de um casal, o que importa é a jornada de autoconhecimento da adolescência, a percepção de que a vida ainda vai apresentar muitos desafios, pessoas, amores e que é preciso se conhecer e respeitar a própria essência para construir sua história.

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