'Hollywood' explora o outro lado da fama na Netflix

Mesclando ficção e realidade, nova série criada por Ryan Murphy e Ian Brennan expõe os bastidores do cinema norte-americano pós-guerra
Robson Gomes
Publicado em 12/05/2020 às 19:37
Elenco da série 'Hollywood' entrega um bom trabalho de atuação Foto: SAEED ADYANI/NETFLIX


Para os amantes da vida artística, ou quem tenha o mínimo de vivência, sabe que muita coisa acontece por trás das câmeras, flashes e no apagar dos holofotes. E o mundo do cinema não está imune a isso. São poucas as obras, documentais ou de ficção, que se propõem a explorar esse lugar tão obscuro e cheio de segredos dos bastidores. É quase como um tabu. E um pouco desse universo acaba de vir à tona na mais nova série ficcional da Netflix criada pelos famosos showrunners Ryan Murphy e Ian Brennan (os mesmos de Glee, Scream Queens e The Politician), intitulada Hollywood.

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Lançada no início deste mês com sete episódios, a obra gira em torno de um grupo de atores e diretores novatos que tentam a qualquer custo vencer em Hollywood após a Segunda Guerra Mundial. De acordo com a sinopse, cada personagem oferece um olhar único sobre os bastidores da Era de Ouro do cinema norte-americano, lançando luz sobre as injustiças e os preconceitos de raça, gênero e sexualidade – problemas que perduram até hoje. Provocante e incisiva, Hollywood expõe a dinâmica de poder existente há décadas na indústria do entretenimento e tenta vislumbrar o que aconteceria se ela fosse rompida.

Graciosa, mas também ácida, a série de Murphy e Brennan (escrita por eles ao lado de Janet Mock e Reilly Smith) agrada por unir justamente esses extremos: o texto é cruel, mas tem toques de utopia; tem personagens da vida real, mas muitos ficcionais; um elenco jovial, mas com veteranos que tem tanto destaque quanto. E embora não tenha um caráter documental, os assuntos abordados nela despertam a reflexão e o debate sobre até onde se vai para conseguir o glamour, o sucesso e o que precisa ser mudado.

Como mencionado anteriormente, o elenco de Hollywood é um show à parte. Na linha de frente, está o trio de jovens formado por David Corenswet, que dá vida ao aspirante a ator Jack Castello, Darren Criss como o sonhador diretor Raymond Aisley, e Jeremy Pope como o roteirista Archie Coleman. Entre os coadjuvantes, são notáveis os trabalhos de Jake Picking, como Rock Hudson – um dos personagens da vida real – e Laura Harrier como a lutadora atriz Camille Washington. Na ala dos veteranos, destacam-se os trabalhos de Patti LuPone como a executiva da fictícia Ace Studios, Avis Amberg; Jim Parsons como o insuportável agente Henry Wilson (outro personagem que existiu de verdade), além de Dylan McDermott (Ernie), Joe Mantello (Dick Samuels), Michelle Krusiec (revivendo a atriz Anna May Wong) e Queen Latifah (Hattie McDaniel).

Ao longo dos episódios, a série mostra que apesar do sonho de querer fazer a diferença em seus ofícios dentro do cinema, todos tem um teto de vidro, uma fraqueza, algo que eles tentam esconder, ou manter as aparências, mas que fatalmente vem à tona. E nem sempre são coisas negativas. Muitos convivem com a insegurança de se aceitarem como são, e isso vai desde a cor da pele, até questões mais íntimas como a sexualidade. Para alguns personagens, todavia, como as storylines de Archie e Camille, o racismo e o preconceito de gênero se tornam força-motriz para correrem atrás de seus objetivos.

CONCEITO E COERÊNCIA

Entre os personagens inspirados na história do cinema norte-americano, é notável que houve um respeito às memórias de Rock Hudson, Henry Wilson, Anna May Wong, Hattie McDaniel e Eleanor Roosevelt. Sobre os três primeiros artistas, as atuações impecáveis deram mais forças às suas histórias. Jake Picking entregou um Rock bastante sentimental, ao passo que Jim Parsons consegue se livrar da sombra do icônico Sheldon, de The Big Bang Theory, com este agente excêntrico. E embora não haja tanto destaque, as cenas de Michelle Krusiec como Anna May, a primeira grande estrela de ascendência asiática no cinema norte-americano e a se tornar uma estrela internacional, são bastante sensíveis e impactantes.

Além dos dramas pessoais, vemos o processo de criação de um filme, desde o roteiro pronto aos apuros que isso acarreta para a produção e lançamento, já que seria o primeiro com uma protagonista negra e escrito por um roteirista negro e gay, culminando com a consequência mais desejada para qualquer equipe cinematográfica hoje em dia: a cerimônia do Oscar. É neste momento, destacado no último episódio principalmente, que a palavra ficção se torna mais gritante, infelizmente, com um final um tanto quanto utópico, mas necessário diante da perspectiva atual do cinema junto a seus inúmeros tabus e preconceitos que ainda persistem em se manter intactos.

Com uma temporada bem redonda, Hollywood deixa alguns ganchos em seu último episódio para uma possível continuidade. Mas caso não seja renovada, pode-se dizer ela já cumpriu o seu papel de expor à luz que o glamour cinematográfico nem sempre é acompanhado de flores, elogios e talento. É preciso ter força e personalidade para superar as muitas dificuldades até o momento em que tudo está valendo após ouvir o “gravando”.

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