Escrever tem sido, há décadas, um exercício diário na rotina de Ronaldo Correia de Brito. Escritor e dramaturgo, ele é autor de O Baile do Menino Deus (1995), Faca (2003), Galileia (romance vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura em 2009) e, mais recentemente, Dora sem Véu (2018), entre muitos outros. O Sertão cearense, onde Ronaldo nasceu e cresceu, sempre está presente em suas narrativas, assim com o Recife, cidade que é sua morada desde 1969, quando ingressou no cursinho pré-vestibular para Medicina.
É justamente na capital pernambucana que ele está praticando há mais de dois meses o isolamento social recomendado durante este tempo de pandemia e acompanhado diariamente as notícias relacionadas tanto ao novo Coronavírus quanto ao vai e vem das decisões do Governo Federal.
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Em meio a tantas preocupações, a escrita se afirma mais uma vez como necessária, então Ronaldo Correia de Brito escreve. E todos os dias. Além de textos para revistas, ele continua atualizando o blog que mantém em seu site oficial desde 2013. Contos, crônicas e seu Diário de Isolamento fazem parte dos textos que são publicados cerca de três vezes por semana. É uma forma também de manter uma ligação com seus leitores.
“De início tive muita dificuldade em lidar com as preocupações em relação aos meus familiares e amigos colegas de profissão, que estão no front dos hospitais. Eu entendi de início a necessidade do isolamento já que é, de fato, a única medida eficaz para conter o avanço da pandemia. Mas, do ponto de vista subjetivo, afetivo, tem me custado muito a separação dos filhos e aceitar que uma força exterior deve nos manter dentro de casa”, avalia. “Estou acostumado com a casa cheia e minha escrita se alimenta desse movimento. Sempre trabalhei como médico, então sempre precisei dessa turbulência para escrever também. Agora a casa está vazia. Escrevo como sobrevivência subjetiva.”
Além das participações em eventos literários agendados para os próximos meses, Ronaldo estava com uma obra inédita pronta para ser lançada em abril, pela Companhia das Letras, e tudo está, claro, em suspenso. Com a quarentena, a editora adiou muitos lançamentos e A Arte de Torrar Café, título de seu novo livro ainda não tem nova data para chegar às livrarias. A obra é uma coletânea de textos de não-ficção sobre temáticas diversas.
“São ensaios e crônicas que não estão ligados por um tema, como nos livros de contos, mas há, sim, uma costura entre eles. Esse elo é o narrador, que é único, e como ele pensa os temas tratados, a linguagem. Há uma unidade, ela só não é temática”, explica o autor.
Preocupações com a classe artística
Nas últimas duas semanas o PL 1075/2020, mais conhecido como Lei de Emergência Cultural, foi bastante debatido pela classe artística brasileira. Aprovado na Câmara, o projeto prevê auxílio financeiro para os trabalhadores da cultura e equipamentos culturais. O texto já foi aprovado na Câmara e, na última quinta-feira (4) no Senado. Agora segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro.
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Ronaldo Correia de brito anda bastante atento a esses debates e torce para que os trabalhadores da cultura sejam vistos e reconhecidos pelo Estado neste momento economicamente devastador para as artes. Ele chegou a gravar um vídeo que circulou nas redes sociais em que pede urgência na aprovação da lei e ressalta que cinco milhões de brasileiros trabalham com cultura.
“Nos governos anteriores, de Lula e Dilma, nós tivemos a melhor política para a cultura da história deste país. O Brasil chegou a ser homenageado na Feira do Livro de Frankfurt, no Salão do Livro de Paris e em outros eventos literários internacionais. Passamos a ter uma política de editoração e de compras de livros que muitos outros países não tinham, uma política também de apoio à tradução que atraiu editores de diversos lugares”, pontua o escritor.
“Agora temos um governo federal que é completamente alheio à cultura, estamos há um ano e cinco meses sem direcionamento. Me preocupo muito com os artistas, principalmente os mais jovens, nesses meses da pandemia. Precisamos descobrir novas formas de continuar movimentando essa máquina cultural. Estão sendo feitas inúmeras lives, por exemplo, mas não acredito que esse modelo se sustente por muito tempo porque essa coletividade virtual também cansa”, finaliza.
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