Ao estrear em meados do ano passado, The Boys, série do Amazon Prime Video, já tinha garantida uma segunda temporada dias depois de seu lançamento. Tratava-se de uma vibrante tentativa de revisionismo da cultura dos filmes de super-herói, produzidos em escala industrial na última década. Se sua prima distante lançada no mesmo ano, a brilhante minissérie Watchmen, da HBO, já vinha em um clima de ressaca, a atração da Amazon em seu primeiro ano abraçou o que há de mais caricatural nesse segmento. A proposta do criado Eric Kripke era de conciliar alegoria política com o revisionismo de um gênero que mesmo sendo apontado como perto do esgotamento, ainda é poderoso enquanto retorno econômico e cultura de massa.
The Boys conduzia isso ao estabelecer uma espécie de maniqueísmo invertido simples: super-heróis vilões e foras da lei donos de um senso de justiça apurado. Ainda há um esforço para pintar alguns tons de cinza e trazer personas que transitam em zonas mais ambíguas nos dois polos. Acompanhamos a luta de um grupo de outsiders, os Boys do título, traumatizados por ações de uma megacorporação capitalista que faz a gestão dos super-heróis enquanto figuras não só vigilantes, mas também midiáticas.
Tudo isso vem embalado por uma estilização que incorporava bem o exagero, as cores e a violência gráfica em um projeto que articulava muito bem construção dramática, espetáculo de ação e discurso político, em diferentes graus de impacto e limitações. Eis que na última semana a segunda temporada da atração é concluída e o gosto é diferente. A sensação é de que esse novo momento chega muito deslumbrado com alguns elementos específicos do primeiro ano e decide mergulhar de cabeça neles, escanteando outros que também eram importantes no funcionamento do todo, mesmo que ainda não plenos.
Talvez o principal elemento disso seja a importância de sua tônica política, que parece ter seu discurso menos imbricado na narrativa e mais sobreposto de modo explícito. Ter essa abordagem que abraça o que há de caricatural na cultura e no mundo pode ter dado uma maior segurança para a série falar em guerra cultural, nazi-fascismo e cultura conservadora de fóruns explicitamente, de forma verbalizada e estampada. Mas acabou sacrificando o pouco de sutileza que tinha para fazer isso, algo que acaba respingando em seu braço dramático.
Agora ainda mais fragmentada, sua trama se tornou algo mais ilustrativo do que dona de uma energia dramática própria. Uma ferramenta expositiva, menos emocionalmente interessante e servindo mais ao andar dos eventos para o despejo de ideias. Uma atitude que por si só não é inválida, caso fosse mais segura e focada no que pretende enquanto uma unidade. Algo que não acontece, com rumos meio perdidos, como se tivesse que sempre estar escolhendo se sua essência é um comentário sócio-político atual, uma sátira de gênero, um drama psicológico ou uma boa trama de ação. Uma direção mais segura seria capaz de equilibrar esse elementos.
Pelo menos, sua segunda temporada consegue manter essa estilização visual HQzistíca, com uma atmosfera vibrante e que recusa aspectos mais realísticos da coisa, assumindo iluminações e encenações artificiais na medida certa. Isso inclui o trabalho de nomes como Karl Urban e Anthony Starr, mantendo um certo maneirismo exagerado em seus trejeitos enquanto personificam tipos caricatos que se encaixam nessa proposta de avacalhação. Também foi celebrada nas redes um incremento na sanguinolência e nos momentos gore da série como um passo adiante, e talvez até seja, mas não sei bem aonde esse passo leva. O que sabemos é que The Boys já tem um terceiro ano confirmado e a esperança é de que haja mais maturidade nele.