Passando por uma crise há mais de dois anos, alargada com a chegada da pandemia, o setor audiovisual de Pernambuco, assim como o cultural como um todo, esperava um respiro nos recursos proveniente da Lei de Emergência Cultural, a Aldir Blanc. Com sua regulamentação desde agosto, profissionais da área carregavam grandes expectativas ao redor de seu inciso III, voltado para editais de produção cultural, sob responsabilidade tanto dos estados quanto dos municípios. A Prefeitura do Recife lançou os editais no último sábado e o Governo de Pernambuco prevê o lançamento dos seus para os próximos dias. Contudo, o processo de construção de políticas públicas para a cultura durante a pandemia é visto como problemático pelo setor local.
Em um comunicado divulgado à imprensa a Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas de Pernambuco e a Associação Pernambucana de Cineastas (ABD/Apeci) relatou uma série de insatisfações com ao redor desse cenário. Uma das primeiras olha para uma ausência de iniciativas em um período anterior à aprovação da Aldir Blanc. “O estado parece que ficou a mercê a da Aldir. Fizemos um levantamento e vimos que fomos um dos poucos que não tiveram editais emergenciais para a cultura durante a pandemia. Estados vizinhos como Ceará e Alagoas tiveram, além de outros como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, que colocaram recursos próprios”, afirma Pedro Ferreira, membro da diretoria colegiada da ABD/Apeci e envolvido no conselho de criação dos editais estaduais da Aldir.
Segundo Silvana Meireles, Secretária Executiva de Cultura de Pernambuco, não havia viabilidade financeira para a construção desses editais emergenciais, levando em conta uma queda de arrecadação do estado e necessidade prioritária de investimentos na saúde. "Coube ao Governo o compromisso de acelerar os pagamentos do ciclo carnavalesco, Funcultura, Patrimônios Vivos e outros apoios, o que foi feito em sua totalidade. Mais de R$ 20 milhões foram desembolsados pelo Estado em ação cultural, do início do ano até o momento, por meio da Fundarpe", declarou.
Entretanto, o setor audiovisual não vê resultados do edital Funcultura Audiovisual desde sua edição 2017/2018, divulgada em dezembro de 2017. Os editais 2018/2019 e 2019/2020 foram lançados no final do passado por conta de uma série de impasses em relação à recursos da Agência Nacional de Cinema (Ancine), que vive um momento de paralisação. Ainda nesse âmbito da agência federal, muitos recursos por produtores pernambucanos já aprovados acabaram travados, necessitando de processos judiciais para conseguir ir adiante.
É o caso de Lívia de Melo, sócia-produtora da Vilarejo Filmes, atuando no mercado desde 2016. Ela conta com 7 projetos em processo de contratação pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), tendo apenas um efetivamente com pedido de contratação neste ano. Cinco deles foram judicializados, dos quais apenas um ainda está em análise, com o restante tendo uma sentença deferida à favor da produtora. Com a pandemia, o planejamento financeiro realizado em 2018, já em um cenário de dificuldades, que vislumbrava uma sustentabilidade de três anos acabou sendo interrompido.
Agora, a produtora precisou se desfazer do pequeno escritório que era sua sede e Lívia presta serviços para outras produtoras para conseguir a renda dos negócios. O constante adiamento nos prazos dos editais do Governo do Estado e os que serão lançados pela Prefeitura do Recife acabou sendo mais um agravante nesse sufoco. "A proposta da Aldir Blanc do Recife é estapafúrdia porque a gente tem que primeiro executar o projeto e só receber os recursos depois. E os valores de 5 mil para três pessoas e 7 mil para quatro é um valor mínimo. A justificativa é de valores menores que possibilitem a disseminação, mas é abaixo de muitas expressões artísticas, não só do audiovisual”, relata Lívia, ainda destacando que a classe não foi convocada para a construção dele.
Já no âmbito estadual, um dos principais elementos complicadores é a demora do lançamento dos editais, previstos inicialmente para o começo de setembro e adiado por mais de um mês. Pedro participou do conselho criado para a construção do edital voltado para os festivais e relata que os trabalho em todos eles nesse momento coletivo foi empenhado em um movimento de desburocratização. Segundo ele, os editais podem inclusive ser uma chance para pessoas que nunca foram aprovadas em outras iniciativas de estímulo. Mas a demora não vem conversando com seu caráter emergencial.
“Pernambuco é um estado que tem uma bagagem de no âmbito dos editais e de políticas públicas para a cultura, mas outros estados que não têm isso já divulgaram os seus. Essa demora é incoerente. A cadeia está paralisada desde antes da pandemia e precisa de um respiro. E os editais foram construídos coletivamente com os conselhos até um certo momento, mas depois seguiu para uma instância mais interna e desde então não temos muitas informações ou repasses sobre o texto”, relata Pedro.
Segundo a Secretária de Cultura, a complexidade e a diversidade de entendimentos jurídicos ao redor da Lei, além dos procedimentos para simplificação e inclusão de toda cadeia da cultura, em especial os trabalhadores fora do circuito profissional, impactaram nos prazos. Sobre o processo de construção coletiva, Silvana afirma que foram escolhidos 10 representantes dos conselhos consultivos de Política Cultural, Preservação e Patrimônio Cultural e Audiovisual para o grupo de trabalho (GT) que discutiu e definiu as diretrizes orientadoras dos editais.
"Coube à Secult, instituição responsável pela aplicação dos recursos destinados ao Governo do Estado, no cumprimento de seu papel, a redação final dos editais, seguindo as diretrizes pactuadas durante as reuniões do citado GT. Além dos debates no grupo, ocorreram reuniões para tratar dos editais com as setoriais e a participação dos conselheiros das linguagens durante os Encontro LAB, canal de treinamento e discussão criado na Secult exclusivamente para o atendimento sobre a lei no estado", justifica Meireles.
Pedro pontua que já durante encontros virtuais abertos promovidos pelo Governo para explicar melhor os editais, já começaram a aparecer pequenas mudanças no que foi discutido durante a construção coletiva e há preocupação de maiores surpresas no texto final. Uma falta constante de transparência e repasses de informações desse processo é uma das principais insatisfações da associação. "Sinto que há muitos pontos atendidos, tanto no edital mais geral, como no de festivais e há uma desburocratização. Mas trata-se de uma construção que vem sendo pautada como coletiva e nós estávamos até certo momento, mas fica difícil chamá-la assim quando não se há uma entrega ou uma visualização do texto", conclui Pedro.