REDES SOCIAIS

Entenda por que Maurício Souza e DJ Ivis têm ganhado seguidores; a economia da atenção explica

Estudo ligado aos negócios da informação vê nosso tempo e atenção como moedas extremamente valiosas

Imagem do autor
Cadastrado por

Nathália Pereira

Publicado em 29/10/2021 às 20:10 | Atualizado em 30/10/2021 às 21:18
Notícia
X

Há alguns dias, o nome do jogador de vôlei Maurício Souza figura entre os mais buscados nas principais plataformas de navegação na Internet. O atleta também viu seu número de seguidores no Instagram quintuplicar em menos de uma semana, batendo a marca de um milhão. Tudo isso aconteceu depois de ele ser acusado de insuflar homofobia, por ter feito um post de cunho negativo em resposta à nova história em quadrinhos da DC Comics.

No quadrinho, o mais novo Super-Homem, filho de Clark Kent, se descobre bissexual e aparece beijando outro rapaz. "A é só um desenho, não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar… [SIC]", escreveu Souza na legenda de uma publicação com a foto do beijo. O caso é apenas o mais recente de uma série de eventos que trazem à tona um termo cada vez mais debatido entre profissionais e estudantes de mídia, a economia da atenção. Mas e você, sabe do que se trata este conceito?

LEIA TAMBÉM De Nego do Borel a Marcos Harter: Por que 'A Fazenda' escala supostos agressores?

O QUE É?

De forma mais resumida, podemos dizer que economia da atenção é um tipo de visão ligada aos negócios da informação em que a atenção do público - nós, meros mortais - é a moeda principal. É o que temos de mais valioso e também o que podemos oferecer a cada vez menos pessoas, lugares, plataformas... justamente porque o mundo digital é praticamente onipresente em todos os aspectos do cotidiano de muita gente, fazendo com que não consigamos, claro, estarmos atentos a tudo o que é produzido.

"É um conceito que começa a aparecer justamente por conta da aceleração de produção de conteúdo na Internet e do amplo acesso à informação, e se organiza ao redor da compreensão de que a atenção dos indivíduos é finita. Portanto, é quase como se estivéssemos tratando de uma economia própria. Por causa dessa finitude, a atenção se torna um bem precioso", diz ao JC a pesquisadora e professora da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) Issaaf Karhawi.

Além de Maurício Souza, o DJ Ivis, preso por três meses depois da divulgação de imagens nas quais aparece agredindo fisicamente a ex-mulher, Pâmella Holanda, também acumulou alguns milhares de seguidores após o compartilhamento massivo dos vídeos que registram a violência. De acordo com Issaaf, isso ilustra como muitos usuários de redes sociais ainda as utilizam como uma herança das mídias tradicionais, em que se tinha o costume de apenas acompanhar produtos, como programas de fofoca ou novelas. O resultado, no entanto, está longe de ser inofensivo, já que pode gerar de resposta simbólica a material infinitamente maior.

"Isso revela que a gente ainda desconhece a lógica do digital, especialmente que não estamos cientes da dinâmica da economia da atenção. Quando alguém acusado de um crime ganha seguidores, o que fica muito evidente é o nosso desconhecimento sobre nossa atenção ser um bem valioso, que se manifesta nas redes em seguir, comentar, curtir. É aí que se 'materializa' essa moeda. É como se a gente acreditasse que seguir uma pessoa [nas redes] é como acompanhar uma fofoca. Mas, na verdade, estamos financiando, sustentando uma economia. Não quer dizer que aquela pessoa diretamente vai lucrar imediatamente a partir da situação controversa, mas um perfil que ganha muitos seguidores passa a ser mais relevante (chegando a mais pessoas e sendo mais procurado). Os próprios algoritmos entendem que é relevante, por gerar muita movimentação, e passam a entregá-lo a mais gente. É um desserviço e, claro, mais para frente se reverte em ganho monetário [para o dono do perfil]", complementa a professora.

CONTROVÉRSIA DESEJADA

"As controvérsias e as polêmicas são mobilizadoras disso que a gente pode chamar de economia da atenção. Nosso tempo e nossas vivências estão sendo disputadas. É um processo de intensa datificação de nossa vida, [gerando dados] através de curtidas, comentários, compartilhamentos... os grandes conglomerados de mídia também estão dentro dessa chave, desse regime e disputas por atenção", observa Thiago Soares, pesquisador e professor do departamento de comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em entrevista ao JC. Ele explica que, nos casos dos possíveis agressores convocados para realities shows, como o cantor Nego do Borel e o médico Marcos Harter, em A Fazenda, da Record TV, a controvérsia, trazida pela repercussão entre o público, é algo desejado pela emissora.

"[é desejado] não só pelos veículos de mídia, mas dentro de qualquer esfera de uma economia do capital. Outro ponto é a questão da ética, porque a vivência coletiva em rede também está transformando um pouco a ética dos sujeitos. Cabe pensar que marcas, emissoras, canais de comunicação, têm ética, têm moral. Decidem e escolhem o que vão exibir ou não. E aí, não dá para não pensar que sempre vivemos no Brasil uma espécie de mídia com ausência de traço ideológico, que não se posicionava especificamente de um lado ou outro. Isso que vivemos hoje, de ter mais clareza sobre essas dinâmicas, advém de um modelo estadunidense de construção de retórica midiática".

No caso da Record TV, acrescenta Soares, a possível contradição entre o caráter religioso ligado à emissora, pertencente ao pastor evangélico Edir Macedo, e a decisão de colocar em um de seus principais produtos pessoas ligadas ao rompimento de direitos humanos pode ser explicada com uma lógica de custo versus benefício. É como se, para a empresa, valesse a pena correr o risco de possível rechaço por parte da audiência. Nego do Borel acabou sendo expulso de A Fazenda, mas especula-se que isso só aconteceu após exigência dos principais patrocinadores da atração.

"O ponto de vista das redes sociais existe, mas há uma larga parcela da população que não está nelas e, nesse sentido, acho importante esse papel das marcas patrocinadoras, porque quem gere os grandes conglomerados é o varejo. É positivo que marcas e patrocinadores, mesmo que não todas, apoiem [os direitos humanos], façam pressão e talvez freiem um pouco a onda conservadora", acrescenta Thiago Soares. "Talvez um ator importante de mudança sejam mesmo as marcas, com a economia agindo em cima das políticas de exibição nesse ambiente hiperconectado que vivemos hoje".

Tags

Autor