O Recife que Clarice Lispector conheceu em sua infâcia nas décadas de 1920 e 1930 entra em contraste com a atual capital na narrativa da novela gráfica "Pedra D'água", uma homenagem à romancista lançada pela Cepe Editora neste sábado (27) no Hotel Central, bairro da Boa Vista, a partir das 17h.
Clarice nasceu na Ucrânia, numa aldeia chamada Tchetchelnik, e morou no Recife dos 5 aos 14 anos, até se mudar para o Rio de Janeiro com a família. A narrativa da HQ utiliza de citações, alusões e menções à obra da artista. Quem conduz a história é uma personagem chamada Esther, pesquisadora que se hospeda no histórico Hotel Central e de lá parte em busca do Recife que Clarice viu, viveu e sentiu.
Esther vai à Praça Maciel Pinheiro (onde hoje a casa da infância da escritora está abandonada), Rua da Imperatriz e Avenida Conde da Boa Vista à procura de sobrados onde a escritora morou, refaz os caminhos por onde ela andou, vê as escolas e os lugares que frequentou. As descobertas são pontuadas por trechos de crônicas e referências a livros e contos, como "A hora da estrela", "Perto do coração selvagem" e "O ovo e a galinha".
"Os palacetes com jardins de rosas aveludadas e acácias amarelas descritos em textos de Clarice já não existem mais. E isso abre uma discussão sobre o patrimônio material e imaterial, a cidade que a gente não mais vê, existe nessa memória que o escritor gerou do lugar", observa a jornalista Clarice Hoffmann, responsável pela criação (argumento, roteiro e pesquisa) ao lado de Greg Vieira (ilustrações e capa). Clara Moreira colabora com o argumento e o roteiro.
O nome escolhido para a pesquisadora, Esther (estrela, o que está oculto), remete ao título "A hora da estrela", acrescenta a jornalista. Publicado em 1977, pouco antes da morte da romancista, o livro relata a vida de Macabéa, uma imigrante nordestina no Rio de Janeiro, e lança reflexões sobre a condição humana.
"Assim como Clarice faz em 'A hora da estrela', iniciamos a HQ com um narrador e quando a personagem se forma, ela passa a falar na primeira pessoa. Isso acontece quando Esther se transforma em centauro", declara. A metamorfose faz alusão ao signo da romancista, sagitário. "O cavalo é um animal recorrente nos livros dela, em 'Perto do coração selvagem' (romance de estreia, lançado em 1943) ela escreve que queria morrer e renascer como cavalo."
Também está presente na novela gráfica o olhar de Clarice Lispector para as pessoas oprimidas. "Ela dizia que carregava, em decorrência do tempo que morou em Pernambuco, uma fome de justiça social. Essa fome de justiça e a influência das origens judaicas, embora não falasse abertamente sobre isso, são marcantes na obra dela. Clarice não era panfletária, mas era muito política", destaca.
"Essa HQ, sugerida pela Cepe, é uma forma de homenagear Clarice Lispector, uma autora que já é alvo de inúmeras leituras e pesquisas, por um caminho próprio. A proposta foi a de fugir das possibilidades de uma adaptação ou uma biografia em forma de quadrinhos, opções talvez mais corriqueiras", ressalta o jornalista e editor da Cepe, Diogo Guedes.
"Assim, Pedra d'água se tornou uma narrativa em que a escritora e o Recife são personagens constantes, ainda que quase ocultos. Através de Esther, a protagonista que circula pela cidade e pelo universo literário clariceano, Clarice Hoffmann e Greg conduzem o leitor - o que pouco conhece e o já familiarizado com Clarice Lispector, leitor contumaz de HQs ou não - a um mergulho original na obra sempre em desdobramento da escritora pernambucana.
A jornalista Clarice Hoffmann, em parceria com Abel Alencar, também lançou pelo selo Cepe HQ O obscuro fichário dos artistas mundanos (2019), que tem ilustrações de Greg Vieira, Paulo do Amparo, Maurício Castro e Clara Moreira. O título ficou entre os dez melhores quadrinhos do Prêmio Grampo 2020, conferido por jornalistas e críticos especializados.
BATE-PAPO
O lançamento de 'A Pedra D'água' será ao público, com bate-papo entre os autores e a jornalista, editora e tradutora e quadrinhos Dandara Palankof.
SERVIÇO
Lançamento do livro Pedra d'água
Quando: neste sábado (27), a partir das 17h
Onde: Hotel Central (Avenida Manoel Borba, 209, Boa Vista, Recife)
Quanto: Gratuito
Preço do livro: R$ 70