A escolha de "Retratos Fantasmas", de Kleber Mendonça Filho, para representar o Brasil na disputa por uma indicação no Oscar 2024 foi celebrada pela classe artística após anúncio da Academia Brasileira de Cinema na última terça-feira (12), mas também dividiu opiniões.
O filme tem chances de ser indicado? Apenas a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que realiza a premiação, poderá dar essa resposta. Porém, existe uma discussão sobre a possibilidade.
Há quem ache que o filme teria poucas chances pelo formato de documentário, que não seria exatamente o esperado para a categoria de Melhor Filme Internacional. Essas pessoas preferiam que alguma ficção fosse selecionada dentre os seis finalistas escolhidos pela comissão.
Nos últimos três anos, três documentários foram indicados nessa categoria: "Flee – Nenhum lugar para chamar de lar", de Jonas Poher Rasmussen; "Honeyland", de Tamara Kotvska e Ljubomir Stefanov; e "Collective", de Alexander Nanau.
"Foi uma escolha bastante ousada, por conta do histórico dessa premiação. Os filmes que chegam aos cinco indicados são, historicamente, de ficção", diz o crítico Luiz Joaquim, curador da Fundação Joaquim Nabuco.
"Em uma perspectiva mais contemporânea, essa categoria costuma selecionar filmes que trazem uma produção técnica bastante sofisticada, mas também temas audaciosos, que tocam em alguma ferida, algo caro à cultura do país. Também existem os filmes com uma cara mais hollywoodiana, divertidos, de aventura. São raros os filmes mais autorais, que fogem desses dois polos".
Repercussão internacional
Apesar da ousadia no formato, há quem opine que essa foi a melhor escolha da Academia Brasileira por conta da repercussão que o filme vem tendo em festivais internacionais, além do próprio diretor ser um nome conhecido na comunidade cinematográfica internacional - sendo, inclusive, membro votante da Academia do Oscar.
O filme estreou no Festival de Cannes na seleção Special Screening, e já conta com conta com mais de 30 convites para Festivais Internacionais de cinema com exibições já cumpridas em Toronto, no Canadá, Munique, na Alemanha, Sydney e Melbourne, na Austrália.
"O longa tem uma projeção estrangeira muito marcada, muito forte. Se ele for exitoso, seria uma vitória em vários níveis, inclusive pela linguagem de documentário", diz Joaquim.
A bacharel em cinema Marina Rodrigues, responsável pela página "Simplificando Cinema", compartilha o pensamento: "Entre os seis pré-indicados da lista da Academia, este é o título que tem mais fôlego internacional por ser realizado por um cineasta já reconhecido lá fora e com possibilidade de fazer uma campanha um pouco mais firme.
Estados Unidos
Nos Estados Unidos, "Retratos Fantasmas" vai estrear nos cinemas após o Festival de Cinema de Nova York (NYFF), onde faz parte da prestigiosa seleção Main Slate, seleção principal do festival.
Em termos de campanha, pode-se dizer que o longa está bem acobertado: a distribuidora do filme nos EUA contratou a Cinetic Marketing, empresa líder na temporada de premiações e campanhas para o Oscar dos últimos anos, para cuidar do marketing e das relações públicas durante todo o período de lançamentos.
Na cerimônia de 2023 da Academia, a Cinetic teve 18 vitórias para filmes que divulgou, incluindo as principais categorias, além de Filme Internacional, Animação e Documentário.
"O bom trabalho de um publicista neste momento é essencial para que o filme tenha a visibilidade que merece internacional e quem sabe conseguir chegar mais longe do que os últimos escolhidos nos últimos anos", ressalta Rodrigues.
Luiz Joaquim comenta que o "pedigree" do Festival de Cannes já é um selo muito atraente para premiações. "Mas, eu diria que o 'rock n' roll' vai começar agora. Eles vão ter que se movimentar bastante em todo o mundo. Com a estreia nos Estados Unidos, o filme precisa ser falado lá. É preciso de jornalistas influentes, de jornais importantes, que comentem o filme. É preciso ter um movimento de bastidores, que é algo sofisticado e que demanda grana."
Amor ao cinema
Outro característica que poderia influenciar positivamente é o tema do documentário, uma grande carta de amor ao hábito de ir ao cinema. Esse tipo de narrativa costuma agradar a Academia.
"É como uma massagem no próprio ego, direta ou indiretamente. É um filme que fala sobre o seu ofício, sua área, seu segmento. Ainda que Kleber traga como objeto os cinemas daqui, esse espírito é universal. No entanto, eu diria que é um apenas atrativo, não algo definidor. Mas, é um condimento a ser considerado".
O Brasil no Oscar de Melhor Filme Internacional
Na história do Oscar, o Brasil teve cinco indicados na categoria de Melhor Filme Internacional: "Orfeu Negro" (1960), de Marcel Camus, "O Pagador de Promessas" (1963), de Anselmo Duarte, "O Quatrilho" (1996), de Fábio Barreto, "O Que é Isso, Companheiro?" (1998), de Bruno Barreto. O mais recente foi "Central do Brasil" (1998), clássico de Walter Salles, no Oscar de 1999.
Assim, são 24 anos sem indicações na categoria. Por que tanto tempo? Marina Rodrigues comenta que trata-se da ausência de "investimentos", pois o país ainda não consegue olhar para o Oscar de maneira mercadológica.
"Diversos países europeus possuem fundos de investimento que implicam na contratação de publicistas e equipes especializadas para cuidar do filme ainda neste processo de exibição dos grandes festivais como Cannes, Veneza e outros que são tidos como termômetro para o Oscar", diz.
"Ano passado o indicado inédito da Irlanda, país que aprendeu a investir recursos na indústria local, fez isso com o título, isso traz visibilidade e uma grande relevância para que consigamos conquistar pelo menos a indicação, mas claro, aqui no Brasil este é um tema muito caro ainda, não conseguimos nem apoio máximo no Congresso Federal para aprovar uma cota de tela, que dirá pensar em Oscar de maneira mais abrangente. Isso prova o quanto estamos atrás até mesmo de nossos vizinhos latinos", finaliza.