O incêndio do Teatro Valdemar de Oliveira, no Centro do Recife, nesta quarta-feira (7), vem causando comoção na classe artística pernambucana.
Procurada pela reportagem, Cristiana de Oliveira, ex-associada do Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP) e neta de Valdemar de Oliveira, falou sobre uma "tristeza profunda".
"Peço perdão aos meus ancestrais, saibam que fiz o que estava ao meu alcance e digo que ao menos o acervo principal do grupo TAP, foi salvo", disse Cristiana, que em maio de 2023 pediu socorro à imprensa para denuncia as invasões ao prédio.
"Perdemos a Biblioteca Samuel Campelo, com muitos livros sobre teatro, textos de peças, diversos autores, revistas, além de documentos do Nosso Teatro. Perdemos todos, um espaço que formou tantos profissionais, que trouxe tantas emoções através dos espetáculos que por ali passaram", lamentou.
"Um teatro que levou 10 anos para ser construído, com o objetivo único: fazer teatro em prol de entidades beneficentes. Uma tristeza profunda", repete.
'Nossa memória e nosso patrimônio estão sendo destruídos'
O Grupo João Teimoso - Movimento Guerrilha Cultural, responsável pelo pedido de abertura de tombamento do prédio do teatro junto à Fundarpe, também emitiu nota.
"Quando demos entrada na solicitação de tombamento, em dezembro de 2023, alertamos para a especulação imobiliária, com indicativos de que havia interesses no prédio, inclusive com a compra e derrubada da casa de um dos lados do teatro", diz.
"Desde dezembro estamos acompanhando o processo sem que haja nenhuma devolutiva oficial. A depredação e os roubos continuaram no que restava do prédio e nenhum órgão tomou providências para coibir", continua.
"[...] Agora o incêndio aparece como culminância de um processo de descaso e abandono. Nossa memória e nosso patrimônio estão sendo destruídos as vistas de todos, inclusive dos órgãos que tem a responsabilidade de preservar a história de um povo".
Sinjope e FENAJ lamentam incêndio
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Pernambuco e a Federação Nacional dos Jornalistas também lamentaram o ocorrido. Vale ressaltar que o Sinjope tinha sede ao lado do Teatro, mas precisou deixá-la após a invasão do prédio vizinho.
"O fato de que o Sinjope procurou o Estado, a Polícia Militar de Pernambuco, a Prefeitura do Recife e diversos outros órgãos, e todos se mostraram omissos, indiferentes, diante das preocupações levantadas, é um reflexo alarmante da negligência e falta de responsabilidade das autoridades", diz.
"Procuramos a ALEPE e a Câmara de Vereadores do Recife, onde parlamentares se engajaram na mesma luta. A Associação Médica de Pernambuco, a AMPE, também foi solidária na luta para manter a Praça Oswaldo Cruz. O Valdemar de Oliveira é um dos símbolos do teatro pernambucano", continua.
"O Valdemar de Oliveira é um dos símbolos do teatro pernambucano. E a casa sede do Sinjope tem uma importância histórica e política muito grande com a cidade e o estado. Após a invasão do teatro, o sindicato precisou deixar o local após inúmeros arrombamentos e furtos. Sem falar na insegurança para funcionários da entidade e seus filiados."
Histórico
O Teatro Valdemar de Oliveira foi inaugurado em 1971 para ser sede do Teatro de Amadores de Pernambuco, de Valdemar de Oliveira - grupo que tem atividades desde 1941.
Ele passou por algumas reformas em sua história, sobretudo nos anos 1980, quando sofreu um incêndio. Foi Reinaldo de Oliveira, falecido em 2022, que liderou essa recuperação.
Em 2015, precisou ser fechado para atender a recomendações de segurança do Corpo de Bombeiros e medidas de acessibilidade do Ministério Público.
O Valdemar de Oliveira voltou a funcionar em 2018, quando Yeda Bezerra de Mello, Cristiana de Oliveira, Pedro Oliveira e Patrícia Lobo, descendentes do fundador, assumiram a direção do TAP e foram atrás de doações e parcerias para manter o espaço funcionando.
Essa foi a mesma estratégia foi usada por Reinaldo de Oliveira para reconstruir o teatro nos anos 1980. Foi realizada a campanha "Dê a Mão ao TAP", além de espetáculos como "Bibi em Casa de Ferreira" para angariar fundos.
Abandono
O teatro já vinha mal das pernas antes da pandemia, mas sofreu um rápido processo de degradação nos últimos quatro anos. A imprensa já vem relatando o processo de destruição do prédio, que foi invadido por vândalos - sendo utilizado, inclusive, como moradia. Apesar disso, o poder público não entrou em cena.
A Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) publicou no Diário Oficial do dia 22 de setembro uma nota formalizando a abertura do processo de tombamento do teatro.
Contudo, a diretoria do TAP já informou que "não tem interesse no tombamento nesse momento de busca de alternativas". Em nota, afirmaram que "o processo implica um ônus burocrático que pode prejudicar as tratativas em curso e retardar a almejada recuperação e reabertura do Teatro Valdemar de Oliveira".
A Fundarpe deu suporte na transferência do piano, que estava se deteriorando no equipamento cultural, para o Conservatório Pernambucano de Música.
De acordo com informações de bastidores, a Prefeitura do Recife informou aos familiares que já cuida de diversos equipamentos culturais e não conseguiria abarcar mais um.