MÚSICA

Carlos Filho lança álbum de forró e evita hierarquias entre tradição e modernidade: 'O importante da música é falar sobre o seu tempo'

Com 15 anos de carreira, sertanejo de Serra Talhada explora sonoridades que envolvem trio nordestino, baixo e sintetizadores em "Baile Brasileiro": "Para mim, não tem muito isso de 'forró tem que ser desse jeito ou daquele jeito'. O importante da música é falar sobre o seu tempo, sobre o seu povo"

Cadastrado por

Emannuel Bento

Publicado em 07/06/2024 às 14:05 | Atualizado em 09/06/2024 às 12:44
Carlos filho lança o álbum 'Baile Brasileiro' - SIDARTA/DIVULGAÇÃO

"Cantar sobre o meu povo / Emprestar a minha voz / Essa voz não é só minha / Traz a dor e a beleza das águas do Pajeú". Os versos abrem o primeiro álbum solo de Carlos Filho, sertanejo natural de Serra Talhada que ficou conhecido pelo Brasil através do "The Voice Brasil" de 2022.

Com 15 anos de carreira, o artista tem experiências em grupos como bandavoou, Estesia e Malassombro. Para a estreia solo, decidiu voltar para as suas raízes em "Baile Brasileiro", com sonoridades que envolvem trio nordestino, baixo e sintetizadores, evidenciando a sua rotina entre Sertão e capital.

São sete faixas compostas em parcerias com nomes como Giuliano Eriston, Itallo Costa e Felipe Costta, além de uma regravação de Djavan ("Maçã do Rosto"). "Baile Brasileiro" está disponível nas plataformas de streaming.

Em entrevista ao JC, Carlos Filho fala sobre o processo de produção do disco e a sua relação com forró, incluindo as recorrentes discussões sobre modernização: "Para mim, não tem muito isso de 'forró tem que ser desse jeito ou daquele jeito'. O importante da música é falar sobre o seu tempo, sobre o seu povo."

Entrevista - Carlos Filho

Por que apostar no forró para o primeiro disco solo da sua carreira? Sempre foi a sua vontade, ou foi algo maturado?
Sempre cantei forró, mas nunca tinha colocado essa música, enquanto um gênero, no lugar prioritário de pesquisa. Sempre foi algo de entretenimento, diversão. De uns anos para cá, fazendo terapia, fiz as pazes com a minha origem e história. Foi muito natural acabar entendendo e querendo fazer essa pesquisa com forró. Já tinha forrós escritos, mas nunca lançados. De um ano para cá, comecei a fazer bailes de forró pelo Recife, várias cidades e em alguns Estados. Pude validar a minha pesquisa em outros locais. Isso me deu uma dimensão da grandiosidade. O forró não é uma coisa só nossa, ou 'regional'. Em maio, estive em Montevidéu e vi que existe uma comunidade de forró que faz apresentação de quinta a domingo. Em todo lugar tem gente pesquisando, tocando, então foi muito bom para mim entender que forró é uma coisa global.

O álbum traz um forró ainda próximo da tradição pé de serra, mas com modernizações, a exemplo do uso de sintetizador. Você buscou um equilíbrio?
As pessoas têm essa ideia de que o forró é uma coisa muito engessada, mas quando a gente vai pesquisando um pouquinho mais e vivenciando para longe das capitais, é possível perceber que o ritmo é cíclico, no sentido de dialogar com a maneira que as músicas estão sendo feitas em cada época. Tenho o mestre Asissão, de Serra Talhada, que foi um dos primeiros a introduzir a bateria eletrônica no forró, entre os anos 1980 e 1990. Ele recebeu muita crítica na época, mas hoje é estudado como artista porque tinha uma pesquisa muito séria nisso. Para mim, não tem muito isso de 'forró tem que ser desse jeito ou daquele jeito'. O importante da música é falar sobre o seu tempo, sobre o seu povo. Para mim, não é sobre como falar, é sobre o que falar. O forró está bem representado, seja com bateria ou sanfona. Apesar disso tudo, a minha pesquisa é calcada no trio: sanfona, zabumba e triângulo.

Ainda sobre essa modernização do forró, existem algumas opiniões mais conservadoras no sentido de considerar que algumas vertentes modernas não são "forró". Você compartilha desse pensamento?
O forró é uma expressão da classe trabalhadora no final de semana, tendo essa função política de ser acesso à cultura e à diversão. Não vejo o forró de uma forma conservadora. Pelo contrário, acho que por ser uma linguagem que, por muitas pessoas terem identificação, gera oportunidades. Enxergo o forró muito mais como uma ferramenta para uma luta política do que o contrário. Não entendo que o forró tenha um viés político independente. Através do forró, podemos ser conservadores ou não. Eu prefiro não ser.

É difícil manter o forró tido como 'tradicional' em evidência em certos espaços. Você acha que está fazendo um pouco disso com o seu trabalho?
Não foi o meu objetivo, mas entendendo a responsabilidade de dar seguimento à tradição. Não acho que exista ‘forró ruim ou forró bom’. Escuto todos, mas tenho consciência dessa responsabilidade. Quando decidi fazer um recorte da instrumentação em cima do trio nordestino, com tudo gravado ao vivo, eu estava seguro, apesar de não estar buscando validação. Fiz tudo com muito respeito, num processo com pessoas extremamente gabaritadas e capacitadas. Respondendo objetivamente, eu não tive essa intenção, mas sei o local de me posicionar sobre isso de tradição, porque eu não acho que a tradição, nesse sentido, tem que se opor ao que muitas vezes se tem uma ideia de "mercado". Tipo, 'existe o mercado e a tradição tem que estar fora dela'. Essa visão fez a gente caminhar para um lugar do exótico, do folclórico. Penso de outra forma. O forró tradicional precisa disputar esse mercado com a identidade que a gente deseja que ele tenha. Essa ideia de que 'a gente não quer saber de dinheiro'... Pelo contrário, temos que disputar esse mercado, tem que disputar esse dinheiro antes de abrir mão dele.

Pode falar sobre o título do álbum, "Baile Brasileiro"? Tem menção ao Baile do Menino Deus, que você participa anualmente?
Não faz menção. Primeiro, porque eu penso em 'baile' quando penso em forró. Ao conversar com veículos do Sudeste, percebi como eles veem o forró como um gênero musical, porém isso é uma parte ínfima ao lado do que é a expressão como um todo. O forró sempre estará em um lugar idealizado da minha infância: uma soma da música com a dança, unindo a comunidade com harmonia. Não era essa coisa de um palco lá em cima e o povo lá embaixo, olhando de forma passiva. Quando vou a um forró, fico emocionado com essa conversa entre quem canta, quem toca e quem tá no salão. No final, o forró é essa celebração. Essa ideia de chamar o forró de 'baile' é como resgatar um certo glamour dessa classe trabalhadora. Acabei também dando o nome 'brasileiro', porque desenvolvendo essa pesquisa, notei que essa não é apenas uma música nordestina. É impressionante como todas as capitais hoje têm grupos que pesquisam, escrevem e tocam forró. Estou cada vez mais convicto de que o forró é uma música nacional e conversa sobre temas de uma forma brasileira.

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