Por Luiz Carlos Merten, Agência Estado
Como as famílias de muitos meridionais — a Parondi do clássico "Rocco e Seus Irmãos", de Luchino Visconti —, a do cineasta Michelangelo Frammartino abandonou o Sul agrário e migrou para a industrializada Milão, no norte da Itália. Foi onde ele fez seus estudos. Passava as férias na Calábria. Já era pré-adolescente quando conheceu os avós. "Apaixonei-me por meu avô, ele me contava histórias do paese (terra natal — no caso, uma comuna italiana da região do Vêneto), que ajudou a construir minha identidade", conta, em uma entrevista por Zoom.
Quem viu não esquece "As Quatro Voltas", filme de 2010. Quem vir não esquecerá "Il Buco". O filme integrou a seleção da recente nona edição da 8 ½ Festa do Cinema Italiano. Entrou em apenas um horário, uma sala. Embora totalmente diferentes, "Il Buco" e o "Elvis", de Baz Luhrmann, estão sendo os melhores filmes do ano, até agora.
Frammartino se baseou na expedição que espeleólogos italianos fizeram ao Sul da Itália no começo dos anos 1960. Descobriram a caverna mais funda do país. O filme constrói-se segundo dois movimentos inversos. No começo, um cinejornal lembra a construção do prédio mais alto de Milão. Na mesma época, o movimento dos cientistas era para baixo, rumo às entranhas da Terra.
Um idoso, recostado a uma árvore, observa o movimento dos cientistas lá embaixo. Esse homem desaparece, lá pelas tantas. Corte para sua casa. Ele respira levemente, parece morto. Estará de verdade?
Frammartino conta, divertido: "Meu filho de 13 anos adora os filmes de Tim Burton. Perguntou-me: 'Papá, por que você não faz filmes de verdade, como os dele?' Meu filho não tem muita paciência para os meus (longas)." Como conta o diretor: "Não quero contar a história dessa expedição. Quero que o espectador a compartilhe, que viva a experiência."
Não foi fácil para ele. Numa expedição prévia — preparatória —, ele entrou numa caverna. "Tive palpitações, crise de ansiedade. Para superar o problema, dormi algumas noites na caverna. O breu era total. Mas a gente termina por se acostumar."
E o público dele? "Sei que meu cinema não é popular, de grande espetáculo, mas tenho conseguido fazer os filmes que quero, como quero. Existe público para todos os tipos de filmes."
Folhas avulsas de velhos jornais e capas de revistas entram organicamente na história, que não é bem história, para marcar o tempo. John F. Kennedy, presidente dos Estados Unidos, a jovem Sophia Loren. "O tempo é personagem", ele avalia. "Espero que o público entenda que essa viagem à caverna é uma viagem ao interior das próprias pessoas. É o que me interessa, o experimento."
O experimento em um sentido amplo — a viagem dos personagens e a do próprio autor, construindo sua linguagem exigente. É um grande — grandíssimo — filme.