Isabela Moraes cantando a trilha sonora do seu cotidiano

Cantora caruaruense começou a carreira aos 18 anos nos Emirados Árabes
JC
Publicado em 22/05/2020 às 11:47
Isabela Moraes, instantâneos Foto: Léo Aversa/Divulgação


“Comecei mesmo cantando profissionalmente aos 18 anos, em Caruaru. Toquei em banda de baile e fiz voz e violão no shopping, então recebi um convite para ir para os Emirados Árabes, em Ajiman, pertinho de Dubai, cantava num hotel. Foi meu primeiro trabalho profissional, passei quatro meses lá. Voltei pro Recife, gravei a primeira demo, cantei muito na noite do Recife, Arcoverde, Pesqueira, Garanhuns, depois fui pra São Paulo. Passei sete anos em São Paulo, voltei pra Pernambuco há dois anos, quando começou uma nova etapa da minha vida”. O resumo de biografia é feito pela cantora e compositora Isabela Moraes, que lança hoje o álbum Estamos Vivos nas plataformas digitais, com selo da gravadora carioca Deck.
Oficialmente, é o disco de estreia, mas ela gravou dois CDs antes, muito mais para registrar as canções. O segundo, Bandeira de Marte, chegou a vender nos shows. O primeiro, Agora Ou Nunca Mais, é creditado a Gilderli, seu nome de batismo, e reúne as composições criadas em sua temporada no Oriente médio “Na época eu não tinha maturidade para entender o processo que acontecia comigo. Meus tios é que se reuniram e disseram que eu tinha que gravar um disco. Sou feliz por isso senão essas canções teriam se perdido em algum lugar do tempo. Nenhuma foi utilizada depois”, diz Isabela.
Suas composições, ressalta, são extremamente confessionais, polaroides, fotos instantâneas de seus momentos: “Minha música é viva, pulsante, de acordo com a minha existência nos lugares onde estou e minhas vivências, acompanha meu tempo, o meu agora, minha música é isto”, define. Ou seja, ela responde aos estímulos com música. Foi para São Paulo passar poucos dias. Uma amiga a havia indicado a outra amiga, que Isabela não conhecia. A empatia de primeiro grau virou também amizade. Isabela passou sete anos dividindo a casa com a paulistana. “A família me adotou como filha. Assim que cheguei lá passei a estudar a obra de Milton Nascimento, o pessoal gostava, tinha os discos, então, paralelo a tudo que estava acontecendo, mergulhei na obra de Milton. Isto me influenciou bastante. Músicas minhas feito Ao Redor do Sol, Quem Disse, Vida Real, com certeza foram inspiradas neste mergulho que dei na obra desse artista”.
Quando voltou a Pernambuco, Isabela trazia na bagagem os frutos da experiência paulista em forma de música. Não sabia exatamente como iria usufruir daquelas canções. Mas foi a pessoa certa encontrando as pessoas certas. Por esta época, integrou um coletivo, não assumido com esta nomenclatura, mas que concedia em usar uma palavra valise que abrigasse todos integrantes, e quem mais chegasse, Reverbo, a quem Isabela Moraes não poupa adjetivos e exclamações:
“A minha música é esta mistura, a partir deste momento em que me encontrei com estas pessoas, quando cheguei de volta ao Recife e vi esta efervescência. A chama da inspiração foi acesa no Recife, me envolvi e me inspirei neste movimento. Flaira eu já conhecia de São Paulo. Almério morou comigo em São Paulo, tocamos na noite em Caruaru. As coisas foram se transformando, se entrelaçando, até chegar ao que chegou, ao Reverbo, uma fonte riquíssima. Juliano Holanda, PC Silva, que também era meu amigo, Rogéria, amiga das antigas. Um relacionamento que Almério define de uma maneira linda, e pego emprestado dele. A gente é visitante um dos outros. Cada encontro é um café, goles de inspiração”.
ESTAMOS VIVOS
As canções de Estamos Vivos foram compostas parte em São Paulo, parte no Recife e Caruaru. Onze faixas, que não passam pelo regionalismo, nem pelo rap de sonoridade eletro-acústico. São rock e baladas em que se valorizam melodias e letras, e a guitarra, que abre o disco com timbre de surf music ou de faroeste italiano com a voz forte de Isabela Moraes em Ao Redor do Sol. Juliano Holanda, que produziu o trabalho com Rafael Ramos, da Deck, é o maestro do projeto e suas guitarras percorrem o álbum inteiro:
“Ele também criou os arranjos de forma muito espontânea. Ouve a música e já vai de primeira. A guitarra da última canção do disco, Pra nos Perdoar, ele só veio duas vezes. Eu disse que queria uma guitarra que chorasse comigo, que se conectasse com algo que já lhe fez sofrer muito, uma dor genuína, ele pegou a guitarra e saiu exatamente como eu desejava”, elogia Isabela. E Juliano realmente incorpora um guitar hero nesta faixa, como não se escutava há tempos na MPB.
As complexidades, idas e vindas dos relacionamentos amorosos, é a temática que permeia o disco, letras de um passionalismo carregado, mas sem resvalar para a sofrência populista das sertanejas. Algumas canções têm influências palpáveis. Outra Oração tem Caetano Veloso, na dialética dos contrários da letra: “Ora na China/Ora na cama/Ora língua zulu/Ora madeixa/Ora origama/”. Estamos Vivos é um disco de canções radiofônicas, quase todo, como se dizia antigamente, pra tocar no rádio, feito a balada Por Nós Dois.
Isabela Moraes está muitíssimo bem acompanhada neste trabalho que acentua uma faceta do Reverbo: ir contra a imagem sedimentada do pernambucano como o caranguejo numa panela puxando pela perna o outro que tenta escapar. É um coletivo participativo. A banda base do álbum é Juliano Holanda, Rafa B (percussão), Roger Victor (contrabaixo) e ainda Gilú Amaral (percussão). Ela contou com convidados especiais: Marcelo Jeneci (acordeom, synth, sonoplastia e vocais), Lui Coimbra (violoncelo) e Antônio Adolfo, um dos mestres dos teclados da MPB, presença rara nos estúdios brasileiros (circula mais pelos EUA e Europa). Estamos Vivos é um dos melhores lançamentos até agora, deste ano em que vivemos tão perigosamente.

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