'O Brasil precisa ouvir a Mirtes', reforça Adriana Calcanhotto, sobre o Caso Miguel

Cantora está rodando o Brasil com a turnê do disco "Errante", baseado em disco homônimo: 'Na pandemia, constatei que a minha alma é bem mais nômade do que eu imaginava'
Emannuel Bento
Publicado em 05/08/2023 às 0:00
Adriana Calcanhoto está em turnê com o álbum 'Errante' Foto: LEO AVERSA


Adriana Calcanhotto não tinha um conceito pré-concebido para o seu disco mais recente, "Errante", lançado em março. As coisas foram "acontecendo". A cantora reuniu algumas composições finalizadas de 2016 até o final de 2021 e seguiu para o estúdio com seis músicos.

"Constatei que a minha alma é bem mais nômade do que eu imaginava, porque depois de fazer o 'Só' (álbum de 2020) e continuar na pandemia, eu vi que não existia mais movimento para mim. Foi bem difícil", diz a cantora, em entrevista ao JC.

No mesmo período, a artista realizou uma turnê com Gilberto Gil: "Fiquei andando, observando, e achei um grande privilégio ver o Gil na estrada. Eu nunca havia o visto em uma rotina de turnê. Também notei que e deveria ter trabalho com os músicos que fizeram a escola Gilberto Gil. Então, a partir dessa observação do Gil, eu entendi que o recorte do disco é 'errante'. Eu não tinha um conceito antes, como já aconteceu. Mas, existia um disco".

O resultado foi um disco de 11 faixas que dá continuidade às tradições sonoras de Calcanhotto, que desta vez decidiu mergulhar mais nas próprias origens e nessa necessidade de andar, de estar em constante movimento. O show do disco chegou pela primeira vez ao Recife, com turnê homônima, no Teatro Guararapes, no sábado (5), a partir das 21h.

ERRÂNCIA E HERANÇA

LEO AVERSA - Adriana Calcanhoto está em turnê com o álbum 'Errante'

"Tenho o corpo italiano / O nascimento no Brasil/ A alma lusitana / A mátria africana", canta Calcanhotto no início da faixa que abre o álbum, "Prova dos Nove", que flerta com o tamborzão do funk - ritmo já explorado pela cantora em discos anteriores.

"É uma reflexão. O começo da canção eu já tinha, mas casou com esse momento da descoberta do sangue judeu, que foi uma confirmação no final de 2021. São essas coisas de errância, de escolhas e não escolhas", diz a cantora, ao explicar a faixa citada.

"Existe a errância e a herança, que eu não escolhi. A gente não escolhe nome, onde vai nascer. O que a gente escolhe é a alegria pelo viés modernista, no sentido de alegria. É o que me impacta quando ainda sou adolescente, a partir do Oswald de Andrade".

Ainda nessa pegada da "origem", Adriana decidiu iniciar a turnê por Portugal. "É uma revisão do ponto de vista da novidade, da confirmação do sangue judeu. Eu fiquei pensando nos começos, por isso que o show estreou em Coimbra, que é o início da língua portuguesa. A língua portuguesa começa em Portugal."

Em seguida, foi a vez de Porto Alegre, sua terra natal. "Foi outra escolha afetiva, pois o Theatro São Pedro, onde foi realizado o show, evoca muitas memórias da minha infância. Ele ficou fechado por anos e, para mim, era algo muito misterioso, fechado por tapumes. Soube que iria entrar em reforma de novo, então quis fazer lá porque já tinha a ideia de começar por Porto Alegre."

COMPOSIÇÃO

LEO AVERSA - Adriana Calcanhoto está em turnê com o álbum 'Errante'

Ainda sobre Portugal, Calcanhotto vinha lecionando cursos como convidada na Universidade de Coimbra desde 2015. Ela foi professora convidada da Faculdade de Letras no primeiro semestre de 2017, tendo desenvolvido um intenso programa de atividades.

"O maior impacto dessa experiência ocorreu na coisa da composição. Eu tenho uma consciência dos processos todos da composição, que é uma coisa para a qual eu olhava com medo de mexer, um mistério que eu não me interessava em mexer. Isso mudou o meu processo", diz.

"Antes da pandemia, eu estava pronta para voltar para Coimbra e acabei ficando confinada em casa com um desgoverno lá fora. Então, tal hora da manhã, comecei a fazer uma canção. Eu fiz o refrão, sabe? E isso até então eu não fazia"

A artista explica que não compôs mais após finalizar algumas faixas do "Errante", com exceção de "2 de junho", composta para denunciar o Caso Miguel, ocorrido no Recife em 2020.

"Aquela canção me moveu porque eu não conseguia fazer mais nada com aquela história. Ficava pensando pensando que a Mirtes não deveria estar trabalhando. A mulher (Sari Côrte Real) não toca do menino".

"Não tinha como não falar. Eu continuo abordando assuntos como esse de outras maneiras, de outras formas, porque é o jeito que eu sei dizer as coisas. Não sei dizer de outro. Mas, eu continuo acompanhando todo esse movimento. Eu acho que continuo achando as coisas dos primeiros dias. O Brasil precisa ouvir a Mirtes, que é uma mulher formidável. A fala dela é muito importante", finaliza.

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