A situação emergencial na qual a pandemia da covid-19 colocou o mundo todo também atinge as relações contratuais entre tomadores de crédito e credores. No Brasil, até o início deste mês de abril, mais de dois milhões de pedidos de renegociação de dívidas já estavam sendo processados pelos bancos, num valor total estimado em R$ 200 bilhões. Mas, na visão de especialistas, há espaço para ainda mais; e neste momento cabe ao consumidor usar seu poder de barganha para reduzir ao máximo taxas, encargos ou, a depender do contrato, o valor total da dívida. O banco não ficará no prejuízo, sobretudo no caso das pendências no cartão de crédito, que seguem fora desse escopo.
Dentre as medidas anunciadas pelas instituições financeiras para dar suporte aos clientes pessoas físicas, no dia 16 deste mês os cinco maiores bancos associados à Febraban - Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú Unibanco e Santander – anunciaram a prorrogação, por 60 dias, dos vencimentos de dívidas de clientes pessoas físicas e micro e pequenas empresas para os contratos vigentes e em dia. A medida é benéfica para milhares de consumidores que estão vendo a renda encolher neste período crítico, mas não inclui boletos de consumo geral, como água, luz e telefone, além de tributos. Com taxas mais pesadas, cheque especial e cartão de crédito também não entram na lista.
“Mesmo o governo tendo diminuído as taxas de juros Selic e criando políticas para diminuição de juros, muitas instituições financeiras ainda cobram taxas abusivas. Os bancos estão ajudando por um lado, postergando dívidas que possuem taxas baixas, como é o caso de financiamentos. Isso é fácil, mas por que não se faz isso com as outras linhas ?”, questiona o PhD em educação financeira e presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (ABEFIN), Reinaldo Domingos.
Atualmente, de acordo com dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) de março, quase 80% das famílias endividadas têm problemas com o cartão de crédito, e aí se somam o descontrole com o crédito vide o orçamento mais as exorbitantes taxas de juros. Com a Selic atualmente em 3,75%, conforme o compilado de dados do Banco Central, os juros do cartão de crédito parcelado podem chegar a até 16% ao mês; 19% ao mês no rotativo e 13% no cheque especial.
Tipo de crédito
Mínimo ao mês (%)Máximo ao mês (%)Mínimo ao ano (%)Máximo ao ano (%)Cheque especial
1,24
13,16
15,92
340,96
Crédito pessoal não consignado
0,98
25,85
12,34
1.479,12
Rotativo
1,50
19,63
19,59
758,91Cartão de crédito parcelado
2,72
16,63
37,99
533,32
Fonte: Banco Central do Brasil (BCB)
“É um absurdo que o juro Selic é de 3,75% ao ano e os juros dessas linhas de crédito são maiores que 300%. Sempre respeitei as instituições financeiras, mas ou elas dão as mãos à população, ou é preciso que a população se revolte com essa situação, não é possível que uma família não tenha dinheiro para o supermercado e tenha que pagar o juros absurdos dessas linhas de crédito”, critica Domingos.
No início do mês de abril, o governo resolveu reduzir a zero, durante 90 dias, a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre operações de crédito. Atualmente, o IOF para operações de crédito é de 3% ao ano, mas mesmo assim, o efeito da medida para quem está do outro lado do balcão ainda não é visível. Alguns poucos bancos, a exemplo do digital C6 Bank, reduziram a taxa de juros do cartão de crédito neste período da pandemia da covid-19. No caso do C6, há possibilidade de o cliente parcelar sua fatura, em até 12 vezes, pagando juros de 2% ao mês. Já o Santander passou a dividir em até 24 vezes, com desconto de 50% na taxa e até 60 dias de carência, as faturas de cartões de crédito vencidas a partir do dia 15 de abril.
Se puder, evitar o uso para não comprometer o orçamento é o recomendado pelos especialistas, mas até mesmo postergar o pagamento, para negociar mais à frente e tentar melhores condições ou refinanciar a dívida, no caso de adiamento do pagamento da parcela, também é um caminho a ser buscado pelo consumidor. Nesse caso, recomenda-se fazer o comparativo das taxas, fugindo sempre das opções com maior custo, a exemplo do rotativo. Vale lembrar, que estão vigoram atualmente regras como pagamento mínimo do cartão de crédito limitado a apenas o primeiro mês e teto da taxa cobrada no cheque especial (8%).
Quanto às demais linhas de financiamento, os bancos têm se mostrado um pouco mais sensíveis à situação, com mais flexibilização na renegociação e adiamento de parcelas a serem pagas, por exemplo, no crédito pessoal, crédito imobiliário, crédito com garantia de imóveis, crédito para aquisição de veículos, capital de giro.