Primeiro vem a promessa. Anos depois, viabiliza-se os recursos. Mais um bom tempo para iniciar as obras e, talvez, uma moradia digna seja entregue no prazo previsto para quem tanto precisa. Esse tem sido o ritual cronológico que tem devastado o sonho de pessoas que vivem em condições até subumanas de moradia no Recife. De 2013 até então, a capital pernambucana deverá contabilizar mais de 1,5 mil unidades habitacionais que ficaram pelo caminho sob a gestão do prefeito Geraldo Julio (PSB). No mesmo período, foram entregues 2,4 mil novas unidades, mas a percepção é de que a cidade continua sem avançar sobre a temática da habitação de interesse social. O argumento é da falta de recursos, mas também falta planejamento e ordenamento legislativo. Sem perspectivas concretas, verdadeiros esqueletos das edificações são incorporados à paisagem da capital pernambucana, levando aqueles que esperam pela casa própria a registrar mais um dia no calendário do atraso.
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Ainda era 2012 quando a campanha que conduziu o atual prefeito ao primeiro mandato anunciava uma solução para as centenas de moradores das palafitas da comunidade do Bode, no bairro do Pina, Zona Sul do Recife. De lá para cá, quase uma década se passou. Só em 2018 a obra foi contratada no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal, sendo liberada ao fim do primeiro semestre de 2020 e, agora, prevista para ser entregue a 600 famílias só no segundo semestre de 2021.
Essa, no entanto, não deverá ser a única obra habitacional que ficará pelo caminho pelo menos até as próximas eleições. Desde 2013, 20 conjuntos habitacionais, totalizando 2.411 novas unidades, foram entregues pela prefeitura do Recife, mas 1.528 unidades ainda estão em andamento ou para serem iniciadas.
“Resumindo, não tem um plano para solucionar a falta de moradia adequada no Recife. Não tem medidas legais e não tem projetos concretos, isso se reflete nos números ( de novas moradias). Nosso entendimento é de que não houve uma priorização da política habitacional. A gente tem, inclusive, instrumentos de planejamento que deveriam estar sendo finalizados e aplicados, como o Plano Local de Interesse Social, que até hoje não está valendo porque não foi aprovado”, aponta a coordenadora da ONG Habitat para Humanidade em Pernambuco, Socorro Leite. O plano é uma das medidas exigidas pela lei que cria o sistema nacional de habitação do interesse social, de 2001, mas Recife até hoje não tem esse plano válido ainda.
Nem mesmo no que é mais visível, as construções em si, tem se mostrado eficaz nos últimos sete anos. De 2013 a 2016, a atual gestão entregou 1.379 unidades habitacionais. De 2017 até o fim do ano passado, foram mais 1.032. De 2001 a 2004, na primeira gestão do então prefeito João Paulo (atualmente do PCdoB), foram entregues 2.045. De 2009 a 2012, sob a governança do prefeito João da Costa (PT), o saldo foi de 3.019 novas moradias. Com maioria das obras no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida, em parte há justificativas em relação à falta de verba, mas isso não explica tudo.
“Não tem necessariamente a ver com recursos do governo federal. Agora tem, porque estamos com esse vazio em relação ao programa habitacional, mas a gestão municipal não aproveitou nem os melhores anos de recursos, por exemplo do PAC e MCMV, apresentando produção de moradia muito baixa para uma cidade como o Recife, que tem demanda estimada por novas moradias em mais de 70 mil”, reforça Socorro Leite.
As obras habitacionais do Recife
Obras em Andamento – 1.080 Unidades Habitacionais
Pilar – 256 unidades
Conjunto Habitacional Sérgio Loreto – 224 unidades - São José
Habitacional Encanta Moça I e II (Bode) - 600 unidades - Pina
Obras a serem iniciadas – 448 UHs
Conjunto Habitacional Vila Brasil I - 128 unidades - São José
Vila Brasil II – 320 unidades - São José
Entregas:
2013 a 2016
Conjunto habitacional - Unidades habitacionais (UHs) - bairro
Pilar – 192 – Bairro do Recife
Travessa do Gusmão – 160 - São José
Beira Rio – 320 - Arruda
Vereador Miguel Batista – 51 - Arruda
Naná Vasconcelos – 64 - Linha do Tiro
Eduardo Campos – 224 - Linha do Tiro
Solano Trindade – 35 - Porto da Madeira
Vila Minerva – 8 - Dois Unidos
Santo Antônio – 128 - Arruda
Felicidade – 40 - Fundão
Miguel Arraes – 131 - Passarinho
Beberibe – 26 - Porto da Madeira
Total – 1.379
2017 a 2019
Conjunto habitacional - Unidades habitacionais (UHs) - bairro
Residencial Deputado Guilherme Uchôa – 36 - Campo Grande
Casarão do Barbalho - 384 - Iputinga
Miguel Arraes – 173 - Passarinho
Irmã Terezinha – 69 - Campina do Barreto
Padre José Edwaldo Gomes – 192 - Casa Forte
Conselheiro Romeu da Fonte – 17 -Campina do Barreto
Conjunto Residencial Vereador Liberato Costa Júnior - 65 - Campo Grande
Residencial Engenheiro Henoch Coutinho – 96 - Porto da Madeira
Total – 1.032
Fonte: PCR
SEM PREVISÃO
Sem priorizar a habitação, as consequências são mais pessoas vivendo em áreas de risco, como em encostas, que levam embora vidas durante as fortes chuvas, e palafitas que se aglutinam sobre a maré como refúgio para milhares de famílias.
“É a mesma história. Não sou só eu. Muitos estão esperando. Só aqui nessa obra (de um habitacional da comunidade do Pilar, bairro do Recife) faz dois anos. Tem gente que está há dez no auxílio moradia esperando terminar uma construção. A prefeitura paga R$ 200, mas onde tu vai arrumar uma casa com esse dinheiro?”, questiona Safira de Lima, 46 anos.
De acordo com a prefeitura do Recife, as obras do Conjunto Habitacional do Pilar, com
256 unidades habitacionais foram retomadas no ano passado. No entanto, “após identificação de problemas na fundação dos blocos”, o projeto está passando por um ajuste junto à Caixa Econômica Federal.
Para este ano, a única previsão é de entrega em dezembro do Conjunto Habitacional Sérgio Loreto, no Bairro de São José, com 224 unidades. A obra já se arrasta desde 2009. Atualmente, o Recife tem 5.459 famílias recebendo auxílio-moradia e teve acesso, de janeiro a agosto de 2020, a R$ 5,2 milhões de recursos do Orçamento-Geral da União para os empreendimentos da Faixa 1 do Minha Casa Minha Vida.
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