Está faltando cimento. Está faltando aço. Está faltando tijolo. Está faltando ferro. Está faltando papelão. Está faltando plástico. Está faltando embalagem. Está faltando tecido... A retomada da economia, após três a quatro meses com estabelecimentos fechados, provocou um descompasso entre a produção industrial e o abastecimento do atacado, varejo e consumidor final. Escassez de matérias-primas, falta de mão-de-obra e demanda acima da capacidade de produção são alguns dos motivos que estão atrasando as entregas das indústrias fornecedoras aos clientes.
Com cinco lojas no Nordeste, a Ferreira Costa sofre os efeitos da crise na cadeia de produção. Os home centers da rede costumam ter 85 mil itens dos mais diversos setores em cada unidade. "Nunca tivemos uma ruptura tão alta na entrega dos produtos, nem mesmo durante a greve dos caminhoneiros (em maio de 2018). Entregas que eram realizadas com prazo máximo 30 dias, agora demoram 120. Fornecedores dizendo que só podem atender 50% dos pedidos e isso acaba chegando no consumidor, que não encontra tudo o que procura", destaca o gerente comercial corporativo da Ferreira Costa, Nivaldo Marques.
Os produtos que estão mais difíceis de comprar, segundo a Ferreira Costa, são pisos e revestimentos, móveis, fios e cabos, alumínio, vasos de vidro e panelas de inox. Além desses, também estão em falta cimento, ferro, tijolos e paralelepípedos. "Estamos construindo uma nova loja em Caruaru e estamos encontrando dificuldade em conseguir paralelepípedo e tijolos, por exemplo. Neste caso, a dificuldade das olarias do interior é de mão de obra", afirma Marques.
O presidente da Federação das Indústrias de Pernambuco (Fiepe), Ricardo Essinger, diz que existe um desabastecimento muito sério em alguns setores, mas alerta que o problema é conjuntural e demanda e oferta vão se reequilibrar. "A paralisação dos negócios por vários meses trouxe reflexos para a economia. Existia um consumo formiguinha enquanto os estabelecimentos estavam fechados, mas quando reabriu e demanda foi maior do que a esperada e tudo de uma vez só. As empresas não tinham mais grandes estoques e colocar as indústrias em plena produção leva tempo. O que aconteceu foi uma desorganização do fluxo de abastecimento do mercado, mas isso é temporário", pondera.
O "falta tudo" é ainda mais severo para a construção civil. A atividade enfrenta a falta de cimento, tijolo, aço, PVC e derivados de madeira (como o MDF). Durante o fechamento do varejo da construção civil, em Pernambuco as empresas ainda puderam vender por drive-thru e delivery, quando as lojas abriram o consumo deu um salto. Resultados preliminares do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (Snic), mostram que as vendas no País cresceram 21,4% em setembro, na comparação com igual mês de 2109, enquanto no acumulado do ano chega a 9,4%. No Nordeste, o número foi ainda maior, alcançando 30,1% e 14,7%, respectivamente.
Com o crescimento, as cerca de 100 indústrias do parque cimenteiro nacional não estão dando conta da demanda. Tem indústria de cimento recusando pedidos para 2020. O diretor financeiro do Sindicato da Indústria de Cimento de Pernambuco (Sinprocim), Bruno Veloso, diz que a situação está muito difícil. "Estamos enfrentando falta de produto, aumento de preço, demora nas entregas e queda na produtividade. Quando falta matéria-prima, temos um custo maior de mão-de-obra com o material parado. O mercado de aço também está desabastecido e sem previsão de voltar à normalidade", lamenta Veloso. Diante desse cenário fica difícil cumprir os compromissos com os clientes.
O Polo de Confecções de Pernambuco também está sentindo o impacto do descasamento entre a retomada da economia e a produção de tecido. Dependente das indústrias do Sul e Sudeste, principalmente, as empresas estão produzindo bem abaixo do que gostariam para as festas de fim de ano. O empresário da Rota do Mar, Arnaldo Xavier, conta que sua previsão era fabricar 250 mil peças para as festas natalinas, mas com a falta de tecidos e aviamentos só deverá conseguir fazer 150 mil.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel, reconhece que está faltando produto no mercado e atribui o problema a uma demanda inesperada na retomada da economia. "Não se pode esperar de uma indústria que ficou de 90 a 100 dias parada um religamento imediato, como se fosse um interruptor de liga e desliga.
A dificuldade enfrentada pelas indústrias foi confirmada por uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). A sondagem Mercado de Insumos e Matérias-primas mostra que 68% das empresas consultadas estão com dificuldades para obter insumos ou matérias-primas no mercado doméstico. Além disso, 56% das empresas que utilizam insumos importados regularmente estão com dificuldades de aquisição no mercado internacional.
O levantamento também mostra que 82% das empresas perceberam alta nos preços, sendo que 31% falam em alta acentuada. Como resultado, 44% das empresas consultadas afirmam que estão com problemas para atender seus clientes, e essas empresas apontam entre as principais razões para a dificuldade de atendimento a falta de estoques, apontada por 47% das empresas.
Quem imaginou que teria desabastecimento durante a quarentena, enganou-se. A dificuldade veio na reabertura da economia e o consumidor final está percebendo.